segunda-feira, 16 de março de 2020

90 ANOS DA “GUERRA DE PRINCESA”: CRONOLOGIA DE UM CONFLITO




IMPRENSA OFICIAL À SERVIÇO DA MENTIRA

Em 16 de março de 1930, o jornal A UNIÃO, órgão oficial da imprensa paraibana, publicou uma carta, atribuída ao cangaceiro Lampião, que havia sido veiculada pelo Jornal do Recife, no dia anterior. Essa epístola foi divulgada pelo jornal chapa-branca obedecendo a ordem expressa do presidente João Pessoa. Este, já vislumbrando a dimensão que o conflito que provocara ia tomando, começou a enveredar pelo exercício apelativo. Com o intuito de denegrir a imagem do coronel José Pereira e demais líderes sertanejos, associando-o ao cangaço, no afã de descaracterizar o objeto da luta como se estivesse ele e seu governo atacando apenas cangaceiros em prol do restabelecimento da ordem, sem pejo algum, fez veicular essa carta, claramente forjada para dar outra conotação à luta e tentar confundir a opinião pública chamando-a para junto de si nesse momento especial. Interessante observar que esse comportamento ridículo adotado pelo governante paraibano não tenha sequer sido questionado por algum de seus auxiliares comum mínimo de equilíbrio. A carta que reproduziremos a seguir, escrita dentro dos padrões corretos de ortografia, jamais poderia ser atribuída ao cangaceiro Lampião, um semianalfabeto que escrevia garatujas e mal soletrava palavras fáceis. Ademais, como poderia Virgulino Ferreira, fazer elogios e dizer-se amigo e correligionário do mesmo coronel que ele defenestrara em contundente entrevista concedida ao médico cearense, Octacilio Macêdo, no Juazeiro do Norte, em 1926, quando disse: “(...) De todos meus protetores, só um traiu-me miseravelmente. Foi o coronel José Pereira Lima, chefe político de Princesa. É um homem perverso, falso e desonesto, a quem durante anos servi, prestando os mais vantajosos favores de nossa profissão”. Isso demonstra até a falta de cuidado do presidente João Pessoa em considerar fatos recentes da história que poderiam rapidamente desmascará-lo na sua vontade de vencer uma guerra com mentiras e difamações. Um acinte! Vamos à carta (extraída do livro do escritor Fernando Melo: ”João Pessoa – Uma Biografia” – Ideia – João Pessoa/PB – 2000 – pp. 181, 182 e 183) que, pela ênfase, está mais para um manifesto:

O CÉLEBRE CAUDILHO FALA AOS SEUS
AMIGOS E CORRELIGIONÁRIOS SOBRE
A VITÓRIA DA CAUSA DO CANGAÇO!


   ”São Paulo (SE), 14 de março de 1930.
     Prezados amigos e correligionários,
     Muito embora distanciado das plagas nordestinas, onde com reais aproveitamentos, fiz o curso completo do banditismo, não podia, nesta hora grave para a nossa nacionalidade, deixar de dirigir aos meus amigos, correligionários e patrícios, o presente Manifesto em que expresso o meu profundo contentamento pela indisfarçável vitória de nossa causa.
     Até ontem perseguidos e escorraçados pelas polícias de vários Estados, os quais chegaram ao desplante de assinar um convênio mercê do qual nenhum poderia dar asilo ou quartel aos nossos bandos, com evidente menosprezo pelas leis que mandam respeitar a liberdade e os direitos dos cidadãos, temos hoje, neste momento, o prazer de contar com o apoio quase unânime de todos os nossos algozes.
     Um apenas, porém, quebrando a harmonia existente entre quase todos os demais Estados, tomou aos ombros a tarefa inglória e nefasta em mandar que a sua polícia fizesse o extermínio de nossos irmãos, numa campanha sob todos os pontos de vista atentatória de nossos direitos.
    Nós, porém, contaremos com o apoio eficiente, com o amparo de nossos amigos de Pernambuco, Rio Grande do Norte e Ceará. Os nossos correligionários estão presentemente no território paraibano, sofrendo a opressão policial pelo fato de se terem declarado partidários da candidatura do eminente brasileiro Júlio Prestes. Contra a expectativa dos amigos José Pereira, João Suassuna e Duarte Dantas, esses inimigos de nossa ação retomaram posições nossas como Teixeira, Santana dos Garrotes e Imaculada. Com perdas de armas e munições que nos foram fornecidas pelos nossos amigos de Pernambuco e Rio Grande do Norte.
     Mas estamos seguros de nossa vitória, não somente porque temos onde conseguir homens, munições, armas; temos tudo a nosso favor! Chegou, correligionários, o momento de o cangaço triunfar, amparado pela imprensa reacionária, pelas polícias estaduais, pela política que prestigia o nosso partido, até que possamos vencer em toda altura.
     Temos atravessado épocas terríveis de opróbrios e humilhações. Durante a última revolução o meu amigo Floro Bartolomeu me deu os galões de capitão a fim de que eu e o meu bando nos empenhássemos em favor da legalidade. Depois das minhas façanhas, não chegaram a reconhecer os meus valiosos serviços e continuamos a sofrer as maiores perseguições.
     As cadeias estão cheias de correligionários nossos. Meu amigo e compadre Antônio Silvino está presentemente cumprindo sentença em Recife. Mas tudo isso terá um paradeiro. A nossa vitória será breve! Princesa não se renderá e os homens de meu amigo padre Cícero aí estão prontos a prestigiar a causa, a fim de que o nosso triunfo seja uma realidade.
     Atendendo ao apelo que recebi dos meus colegas de cangaço, em breve estarei ao lado desses, porque embora tenha nascido em Villa Bella, não me esquecerei de que foi em Princesa que me eduquei na escola do cangaço.
(a)   Virgolino Ferreira, vulgo ‘Lampião’ (Do Jornal do Recife, ontem).

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