A guerra civil de Princesa foi um evento bélico que guardou algumas peculiaridades. Sem nenhuma preparação para a luta, os homens do coronel José Pereira Lima eram cidadãos comuns, agricultores e trabalhadores rurais. É certo que havia alguns mercenários contratados para aquele fim, porém, o grosso da tropa era mesmo formado por princesenses humildes que lutavam mediante pagamento, é certo, mas, também com o sentimento de que estavam defendendo seu torrão atacado pela polícia da Paraíba. É tanto que, diante da constatação de muitas deserções do lado da polícia, pouquíssimas ocorreram do lado dos chamados “Libertadores de Princesa”. Obedecendo a estratégias formuladas pelos próprios comandantes locais, o conflito se desenvolveu, principalmente, com posições de emboscadas e ocupação de vários pontos do município (à época, o município de Princesa compreendia toda a região formada por Água Branca, Juru, Tavares, Manaíra e São José Princesa) por pequenos grupos de combatentes, o que se estendia também para alguns dos municípios vizinhos. Ambos os lados acreditavam que o conflito seria resolvido em pouco tempo. A polícia de João Pessoa não contava com a feroz resistência de Zé Pereira e este, achava que logo estabelecida a guerra civil, o presidente da República, Washington Luís, decretaria a intervenção no estado da Paraíba para restabelecer a paz e defenestrar do poder seu grande adversário João Pessoa Cavalcanti de Albuquerque. Nem uma coisa nem outra. A guerra perdurou por longos cinco meses.
Forças em luta
A organização das forças que combatiam em defesa de Princesa obedecia à determinação exclusiva do coronel José Pereira, auxiliado por um grupo de cidadãos de destaque do burgo princesense. O primeiro escalão era formado pelos seguintes próceres revoltosos: José Pereira Lima; José Frazão de Medeiros Lima; Manuel Rodrigues Sinhô; Feliciano Rodrigues Florêncio; Marçal Florentino Diniz; Inocêncio Justino da Nóbrega; Adriano Feitosa Cavalcanti; Manoel Cardoso da Silva e Antônio Pereira Lima. Estes formavam o Estado-Maior do Coronel, sendo os três primeiros: Zé Pereira o comandante geral; Frazão, o prefeito e Sinhô, presidente do Conselho Municipal,componentes da Junta Governativa do Território Livre de Princesa. O segundo escalão, com a incumbência de comandar as turmas de combatentes, era constituído de homens destemidos e da extrema confiança de Zé Pereira. Eram eles: Antônio Cordeiro Florentino; Manuel Carlos de Andrade Lima; Marcolino Florentino Diniz; Sinhô Salviano; Dr. Deoclécio Pereira Lima (chefe dos serviços médicos); Antônio Antas Florentino; Antônio Zeferino; Augusto Antas Florentino; Cícero Bezerra; Horácio Virgulino; Cícero Marrocos (almoxarife de armas e munições); João Paulino; João Rocha; João Vicente; José Baião, José Fausto; José Guedes; Pedro Rodrigues Lopes (Lindou); Luís Pereira de Sousa (Luís do Triângulo) eManuel Lopes Diniz (Ronco Grosso). Estes homens eram encarregados da condução das tropas, da direção das sortidas e emboscadas, palmilhando caminhos difíceis e perigosos em busca de arriscados destinos. Do lado da polícia paraibana, faziam parte do primeiro escalão: Além do presidente João Pessoa Cavalcanti de Albuquerque; José Américo de Almeida (Secretário de Segurança Pública, com seu quartel instalado na cidade de Piancó, distante 108 quilômetros de Princesa); tenente-coronel Elysio Sobreira; capitão João Costa; capitão Irineu Rangel; capitão Emerson Benjamin; tenente Ascendino Feitosa; tenente Antônio Benício; tenente Manuel Arruda; tenente Manuel Benício; tenente José Maurício; tenente Lyra Guedes; tenente José Guedes da Silva; tenente Elias Guedes; sargento Clementino Quelé; sargento Jacob Guilherme Frantz; sargento Antônio Corrêia Braz e sargento Pedro Gonzaga Lima. Era esse o staff do presidente Pessoa para combater os revoltosos de Princesa. Dentre eles havia oficiais valentes e ciosos de seu dever, porém , alguns, a exemplo dos capitães João Costa e Ascendino Feitosa, eram tidos como homens violentos e sanguinários.
Os Libertadores de Princesa
Os guerreadores do coronel Zé Pereira eram homens simples, analfabetos em sua grande maioria e desacostumados do manuseio de armas. Somente ao longo da luta foram, forçosamente, adestrados nesse ofício. A maioria dos combates se fazia através de emboscadas. Oshomens de Zé Pereira, que conheciam muito bem a caatinga levavam vantagem sobre os da polícia que, desconhecedores desse tipo de luta e em terreno inóspito, caíam com facilidade nas emboscadas preparadas pelos Libertadores de Princesa. Várias foram as ocasiões em que a polícia foi presa dessas tocaias sofrendo muitas baixas, a mais famosa delas a de Água Branca, que se constituiu um golpe fatal nas hostes da polícia paraibana. Após as lutas, os homens do Coronel retornavam a Princesa onde eram agraciados com boa alimentação e no mais das vezes com bailes que varavam as noites. Os lutadores de Princesa recebiam remuneração diferenciada. Os casados auferiam, mensalmente, o valor de 20 mil réis, enquanto os solteiros eram pagos com metade disso. Quando não podiam retornar à sede do município por se acharem muito distante, o Coronel determinava que alguns homens abastecessem as tropas com víveres e munições. Para o suprimento de carne, por exemplo, Zé Pereira mandava homens, à cavalo, para trazerem de uma sua fazenda no município de Piancó, várias reses para serem abatidas em Princesa. Quanto aos mantimentos, o Coronel determinava que almocreves partissem, sob a chefia de Filadelfo Luiz de Melo, comboiando tropas de animais (burros), para trazerem, da cidade de Rio Branco (atual Arcoverde), sacos de feijão, milho, arroz, farinha, charque, açúcar, etc. Nessa área de suprimentos alimentares dos homens em luta, muito contribuiu a jovem senhora Antônia Florêncio Carlos de Andrade, mais conhecida como dona Toinha que, na qualidade de coordenadora desse setor, foi de vital importância para o controle na preparação e distribuição das refeições. Mulher destemida e resoluta foi uma das poucas a permanecer em Princesa durante a guerra. A entrega de armas e o abastecimento de munições eramfeitos pelo fiel escudeiro Cícero Marrocos que trabalhava no almoxarifado, que funcionava no prédio da antiga SANBRA. Ali eram distribuídos os armamentos. Marrocos, que era habilíssimo artista (chegou a fabricar uma espingarda), cuidava também do conserto das armas e de sua manutenção. Quanto à parte financeira, era incumbência do japonês, Eije Kumamoto, ir buscar em Rio Branco caixas contendo cédulas de dinheiro vindas do Recife com a finalidade de custear os pagamentos dos homens em luta. Era também Kumamoto quem fazia os pagamentos dos Libertadores de Princesa. Os feridos na luta eram acolhidos pelo Hospital que o Coronel mandou instalar no palacete pertencente ao amigo e compadre Epitácio Pessoa de Queiroz Sobrinho, imóvel que depois foi presenteado por este, à filha de Zé Pereira, Luisinha. Nesse hospital, eram tratados, além dos lutadores de Princesa, alguns soldados da polícia paraibana que caíam feridos. Enquanto corria a guerra, a população da sede do município vivia em perfeita paz e tranquilidade. A maioria das famílias abastadas haviam-se transferido para as cidades pernambucanas de Flores e Triunfo. Muitas eram as festas que aconteciam em Princesa, principalmente quando chegavam notícias de vitórias no campo de batalha. Além das festas, muitos saraus, literários e musicais eram realizados nas residências decentes da cidade, patrocinados por artistas da terra. Nesse período, Princesa recebia visitas de pessoas importantes vindas do Recife e até do Rio de Janeiro. O Teatro “Pereira Lima” funcionava a todo vapor recebendo companhias de grandes cidades; a Banda de Música promovia retretas quase todos os dias. A intenção do coronel Zé Pereira era manter a população em alto astral, livrando-a da angústia natural daquele momento difícil. Era essa a logística da Guerra de Princesa.
(ESCRITO POR DOMINGOS SÁVIO MAXIMIANO ROBERTO, EM 20 DE ABRIL DE 2020).
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