sexta-feira, 10 de abril de 2020

A SANTA SEMANA




Já não era como antigamente e agora, nesses tenebrosos tempos de Pandemia, não é mais de jeito nenhum. Antigamente, a Semana Santa era mesmo a maior festa da Igreja. Tudo se mobilizava em prol do evento. Cada dia tinha sua conotação mística ou supersticiosa. Já na quarta-feira, chamada de “Quarta-Feira de Trevas”, além do jejum obrigatório, a título de penitência, era proibido tomar banho (quem tomasse entrevava). Na “Quinta-Feira Maior”, repetia-se o jejum e era obrigada a abstinência de carne. Na “Sexta-Feira Santa”, cumpriam-se todas as exigências anteriores, acrescidas da proibição de varrer casa, tirar leite das vacas, fazer sexo (nesse caso, quem descumprisse a regra e daí surgisse uma gravidez, o rebento seria um lobisomem), vender ou comprar, dentre outras exigências. Essa semana era um terror para os adolescentes, pois, durante todo o tempo em que durassem as comemorações religiosas, recomendava-se a proibição da masturbação. Nesse período, era pecado mortal. Na quarta-feira à noite, começava a “Feira da Semana Santa”, onde se comercializava - na principal rua da cidade -, principalmente, verduras, legumes, cereais e frutas. Essa feira (à exceção deste ano, por conta do Coronavírus), que só existe em Princesa, começa na quarta e vai até a tardinha da quinta-feira. Na sexta-feira, é o único dia do ano em que o comércio fecha completamente - até a bodega de Zé Galego cerra as portas. Nesse período tido como sagrado, as atenções se voltam exclusivamente para as coisas da Igreja: adoração do “Santíssimo”; “Lava-pés”; “Beija-Cruz”; procissão do “Senhor Morto”, etc.

Há dois milênios e quatro lustros atrás...

Há exatos 2020 anos, morria Jesus Cristo, dependurado numa cruz para - segundo a tradição cristã -, salvar o mundo. Desde então, a Igreja Católica comemora esse trágico acontecimento como a festa da Redenção da humanidade: Cristo morreu para nos salvar. Este é o lema. Não conheço registro histórico que assinale a solução de continuidade dessa festa religiosa. Acredito que nunca, em tempo algum, a Semana Santa deixou de ser comemorada como está acontecendo agora, no mundo todo, neste ano de 2020. Várias tragédias assolaram a humanidade ao longo desses mais de dois séculos, porém, nenhuma com a dimensão da que nos castiga agora. Guerras, epidemias ecatástrofes naturais aconteceram ao longo do tempo, porém, com a dimensão dessa Pandemia da COVID-19, provocada pelo Novo Coronavírus, é coisa nunca vista. E, o pior, é que se faz extensiva a todos os continentes e a quase todos os países. Nunca se viu uma paralização de quase tudo igual ao que acontece agora. Em Princesa, os ofícios religiosos concernentes à Semana Santaacontecerão a portas fechadas, sem a participação dos fieis. Isso, em toda a história, nunca aconteceu.


Abandono total

A quarentena imposta pela Pandemia do Coronavírus se compara aos 40 dias e 40 noites em que Jesus Cristo passou jejuando no deserto, antes de ser preso e crucificado. Esse abandono a que se impôs o Cristo é o mesmo em que se encontram as igrejas nesse período sagrado para os cristãos. No deserto, Jesus foi tentado pelo Demônio e traído pelos amigos. Ali recebeu o beijo de Judas Iscariotes; foi negado três vezes por Pedro; foi presoe submetido a um julgamento sumário e arbitrário e, depois de torturado numa via crucis sangrenta, foi morto crucificado. Segundo os que creem, morreu por nós e hoje, com medo de morrer, ninguém vai louvá-lo nos templos, nesse aniversário de sua morte. Aliás, abandono para Ele sempre foi uma praxe. Nos estertores da morte, clamou: “Pai! Por que me abandonaste?”. Hoje, na glória, flexionando o verbo para o plural, deve estar dizendo: “Por que me abandonaram?”. Morreu por nós e ninguém tem coragem de morrer por Ele. Nessa Semana Sagrada, os que creem, já que não podem ver Jesus crucificado nas solenidades de suas igrejas, deveriam enxergar Aquela figura santa na pessoa dos menos favorecidos, dos vulneráveis. Não com a doação de cestas básicas (o que no mais das vezes serve apenas para, numa desobrigação, tirar-lhes o peso das consciências), mas, voltando-se para estes, com mais amor, atenção, compreensão e também caridade. Será que esse abandono a que Ele se impõe nessa Semana Santa é para que, os que creem, entendam o abandono em que se encontram agora? Nesse período de provação, cabe uma reflexão: nos desvãos das igrejas vazias em todo o mundo, o Cristo crucificado vê-se livre do “beijo de Judas” e da hipocrisia daqueles que dizem: “Deus, perdoa-me por eu ter pecado” e se arrependem para pecar de novo. Nesse tempo de igrejas vazias, pelo menos um alento: Ele está livre da hipocrisia.



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