Antigamente...Bem, a palavra antigamente não está sendo empregada no seu sentido literal e, muito menos, lógico. É que as coisas viraram de tal forma ao avesso que até mesmo as palavras, minhas velhas companheiras de ofício, estão numa espécie de greve branca comigo. O meu antigamente aponta para aproximados vinte dias passados, quando os donos do poder constituído deste país mostraram ao mundo o que realmente são. O Brasil, por conta desse vírus real e multiplicado pela força midiática, reeditou, e para muito pior, as Ordenações Filipinas, impôs toque de recolher através de seus governadores e prefeitos, prendeu mulheres pelo infamante crime de opinião, proibiu os trabalhadores informais de trabalhar, e toda a ordem jurídica até então existente foi substituída pela improvisação momentânea e desprovida de lei escrita. Valeu a lei do improviso. Andar na rua, ficar na calçada da casa, e outros crimes de tamanho potencial ofensivo, passaram a ser resolvidos pelo doutor cassetete. Foi um caminhar para trás em busca de algum traço dos primórdios da inexistência do Estado enquanto ente político, tal qual conhecíamos antes do Coronavírus. Os ricos e os da classe média ficaram em suas casas. Eles passaram uma espécie de férias adicionais, e se conectaram com o mundo através de vários meios que a tecnologia propicia a quem pode. Somente aos que podem pagar por ela. E o grade leviatã passou uma mesma régua na cabeça de todos, ricos e miseráveis foram repentinamente levados a uma igualdade inusitada: os ricos iriam ser iguais em suas belas casas, com tudo que o dinheiro pode comprar, e os pobres foram ser iguais em suas cabanas miseráveis, sem o mesmo nada de sempre que normalmente a pobreza é capaz de oferecer. Mas há uma certa lógica nisso tudo: cada qual é igual em suas respectivas igualdades, os ricos são iguais na igualdade rica, e os pobres, obviamente, na igualdade pobre. Há lógica para tudo! Os governadores proibiram tudo. Certos de que o dinheiro cai do céu, e também nasce nas árvores, os mandatários se esqueceram de que há trabalhadores que trabalham todos os dias, de que o turno da manhã paga a refeição da noite, de que o dia de hoje será responsável pela sobrevivência do dia de amanhã. E os do andar de cima também se esqueceram que a roda da economia vai parar, que não haverá mais dinheiro também para eles, que depois da parada geral o recomeço será muito mais tenebroso do que qualquer peste chinesa. A fome será o novo vírus para a justificativa de famintos e ladrões. E nós, os expectadores de televisão, seremos as vítimas derradeiras deste desastre que ganha corpo a cada dia que um canalha, governador de Estado, disser com todo o cinismo do mundo: a partir de agora será crime pensar em voz alta. Quem obedecerá?
Wellington Marques Lima
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