A Guerra de Princesa, ocorrida entre os dias 28 de fevereiro até 26 de julho de 1930, interessava a muitas pessoas e a alguns segmentos sociais, corporativos eoficiais também. Aquele conflito - um dos mais emblemáticos da história da República brasileira -, aconteceu num contexto que muitos não estudaram a fundo ainda, por isso a desimportância a que vem sendo relegado. O levante rebelde foi o estopim da Revolução de 1930. Foi em Princesa onde aconteceu o único movimento bélico (guerra civil) que precedeu a ruptura institucional,que provocou o fim da “República Velha”. Dos três Estados que apoiavam a Aliança Liberal (Rio Grande do Sul, Minas Gerais e Paraíba), apenas na Paraíba houve conflagração armada. A importância daquele conflito se atesta quando sabemos que tudo o que aqui ocorria, repercutia no Congresso Nacional – nessa época, instalado na então capital da República, o Rio de Janeiro. Quando do levante de Princesa, o manifesto expedido pelo coronel e deputado estadual, José Pereira Lima, foi lido no Plenário da Câmara Federal, provocando grande repercussão na imprensa nacional. Dois dias após o rompimento de Zé Pereira com o presidente João Pessoa, o Coronel enviou um telegrama ao senhor presidente da República, Washington Luís – que foi lido da tribuna da Câmara Federal pelo deputado paraibano, Flávio Ribeiro Coutinho -, comunicando o fato e recebendo a pronta resposta do presidente, lhe agradecendo o apoio e realçando a importância do gesto. Até o candidato oficial àpresidência da República, Júlio Prestes, solidarizou-se com o Coronel. A seguir, excertos dos referidos telegramas:
“Presidente Washington Luís – Rio – 24/02/1930 – Levo conhecimento V. Excia. Como primeiro magistrado da nação que em virtude havermos dotado chapa nacional (...) o Dr. João Pessoa, presidente deste Estado, acaba, num gesto ditatorial, de fechar todas s repartições estaduais(...). Está ameaçando de intervir no pleito a mão armada, porque chapa liberal aqui não terá um só voto, não obstante eu conceder plena liberdade de opinião aos meus amigos. Minha adesão arrebanha contingentes de vários municípios ao lado da chapa conservadora – Respeitosas saudações (a) José Pereira”.
O presidente Washington Luís respondeu imediatamente:
“José Pereira – Princesa – 26/02/1930 – Tenho oprazer de acusar a recepção do seu telegrama de 24 do corrente, em que me participa a sua adesão na questão das candidaturas à sucessão presidencial. Ao manifestar-lhe os meus agradecimentos muito sinceros à gentileza da comunicação, desejo realçar a importância da sua atitude, trazendo um valioso concurso como orientador de forças políticas, para a realização de um pleito verdadeiramente republicano em 1º de março - Cordiais saudações (a) Washington Luís”.
Observemos nas entrelinhas do telegrama presidencial, que Washington Luís já outorgava ao coronel José Pereira,a liderança de que necessitava para o enfrentamento aoiminente ataque do Governo do Estado: “(...) desejo realçar a importância da sua atitude, trazendo um valioso concurso como orientador de forças políticas (...)”. Era asenha, a “Carta Branca” de que precisava o Coronel, pois, sabedor de que o presidente João Pessoa já se articulava para impedir a realização das eleições de 1º de março em Princesa, Zé Pereira já realizava confabulações com amigos e correligionários para resistir às intençõesbelicosas do presidente João Pessoa. Deflagrada a Guerra, quando a polícia paraibana invadiu Teixeira, Zé Pereira, já preparado de homens e armas, acudiu aquela Vila com alguns de seus comandados para defendê-la da polícia paraibana. Para tanto, contou com o apoio logístico e financeiro dos amigos industriais e primos do presidente paraibano, os irmãos Pessoa de Queiroz, do Recife. Estes, insatisfeitos com as medidas retaliativas do presidente João Pessoa, contra as atividades e transações comerciais do interior do estado da Paraíba com a praça do Recife - o que em muito prejudicou seus interesses comerciais -, incentivavam a Guerra com o intuito de estabelecer a desordem no Estado e provocar com isso, a Intervenção Federal na Paraíba com a deposição do primo presidente. Aos da Aliança Liberal - derrotados na eleição de 1º de março e que agora começavam a conspirar contra o Governo Central -, interessava o conflito porque viam na luta um caldo de cultura, quando a situação expunha o Governo Federal como algoz de um pequeno Estado indefeso [a Paraíba], na iminência de sofrer intervenção do Governo Central. Instalada a Guerra de Princesa, os partidários de Zé Pereira, deputados com assento na Câmara Federal, começaram a usar a tribuna do Parlamento Federal para fazerem pronunciamentos e apresentarem propostas exigindo a intervenção no estado da Paraíba, com o argumento do restabelecimento da ordem. Embora o presidente Washington Luís demonstrasse indisfarçável simpatia pelos rebeldes de Princesa, resistia em decretar a intervenção, sob a alegação de que esse ato não estava previsto na Constituição Federal. No entanto, ao tempo em que facilitava ou fazia vistas grossas ao abastecimento de armas e munições para o município rebelde, dificultava ao Governo da Paraíba, a aquisição de todos e quaisquer materiais bélicosnecessários para viabilizar as ações da polícia paraibana para a retomada da cidadela princesense. Segundo o historiador paraibano, Oswaldo Trigueiro de Albuquerque Mello, em seu livro A PARAÍBA NA PRIMEIRA REPÚBLICA – pp. 123:
“O que a Constituição não permitia era que, a pretexto de restabelecer a ordem, o Governo Federal afastasse do exercício o governo legal do Estado. Isso não devia ser feito e Washington Luís não o fez. Quando, afinal, ele se resolveu a pacificar o Sertão, agiu com perfeita correção, sem interferir nos negócios peculiares do Estado e sem impedir, por um minuto que fosse, o regular funcionamento dos poderes locais. Esta era a solução lógica e sensata, mas era uma solução que não agradava a ninguém. Para a oposição paraibana e particularmente para os Pessoa de Queiroz, não interessava uma intervenção que respeitasse o mandato de João Pessoa. Para a Aliança Liberal, a pacificação também não convinha, porque a luta de Princesa era o maior argumento em favor da Revolução que se preparava. ”
Na verdade, para o presidente Washington Luís, o tiro saiu pela culatra, pois, se houvera intervindo da mesma forma que fez quando do assassinato do presidente João Pessoa,certamente teria logrado êxito, uma vez que, sem o sacrifício do presidente paraibano, certamente não haveria motivo para o renascimento dos fervores revolucionários. Nas palavras do historiador e jornalista Barbosa Lima Sobrinho: “A Revolução estava morta e a morte de João Pessoa a ressuscitou”. Fica patente, portanto, que aGuerra de Princesa – ironicamente desenvolvida com as bênçãos do então presidente Washington Luís -, contribuiu e muito para a eclosão do movimento revolucionário que o depôs
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