sábado, 20 de junho de 2020

90 ANOS DA GUERRA DE PRINCESA – A CRONOLOGIA DE UM CONFLITO A DEBACLE DE ÁGUA BRANCA




No dia 05 de junho de 1930, o presidente João Pessoa sofreu a maior derrota da guerra civil que empreendeu contra o coronel José Pereira e seus comandados do Território Livre de Princeza. Empenhada em ocupar a cidade rebelada desde o dia 28 de fevereiro daquele ano -, a polícia paraibana organizou uma expedição, partindo de Campina Grande, com o intuito de dar o golpe fatal na cidadela rebelde. Formaram uma expedição composta por 220 homens acondicionados em 12 caminhões que transportavam também vasta munição, muitas armas, gasolina e gêneros alimentícios tais como: farinha, charque, etc., além de uma ambulância. Essa expedição, comandada pelo coronel Elysio Sobreira, auxiliado pelos tenentes: Francisco Genézio, Manoel Benício, João Francelino e Ascendino Feitosa e pelo capitão Irineu Rangel atendia a um pedido do capitão João Costa, estacionado e sitiado no povoado de Tavares, para que, reunida aos 80 praças que se encontravam sob seu comando, fizessem uma investida de surpresa e tomassemem definitivo, Princesa das mãos dos homens do coronel José Pereira. À expedição, os comandantes da polícia deram o nome de “Coluna da Vitória”. Chamavam-natambém de “Coluna de Honra”, pois, seria essa a definitiva e vitoriosa investida para a retomada do reduto rebelde. Extraído do livro do escritor princesense Paulo Mariano: “Princesa – Antes e Depois de 30”, pp. 123, temos:

“O governo do Estado prepara o golpe que supunha fatal, e envia a Princesa duzentos e vinte homens em doze caminhões e farta munição, sob o comando do coronel Elysio Sobreira e do tenente Francisco Genézio. Para espanto de leigos e estrategistas, um feiticeiro, ia servindo de guia e a todos orientava. Segundo José Américo de Almeida, o feiticeiro era um pobre diabo de seus 38 anos, moreno e de boa altura, à paisana, como fiel do sucesso da operação”.

Para os comandantes da polícia paraibana, a operação se apresentava com a vocação de sucesso total. Contavam, os homens do presidente João Pessoa, com o fator surpresa. Seguiram tão animados em busca da vitória final que rejubilavam-se, ao longo do caminho, com discursos efusivos dos comandantes da expedição e prédicas proferidas pelo feiticeiro a bordo, que prometia, através de orações e de suas alegadas forças sobrenaturais, “fechar os corpos” da soldadesca, garantindo que nenhum tiro os atingiria. A animação e a perspectiva de sucesso da operação eram grandes. Porém, não sabiam que o coronel José Pereira tinha um forte esquema de espionagem plantado no seio do serviço de telegrafia do estado da Paraíba. É tanto, que após a debacle da expedição, o jornal “A UNIÃO”, órgão oficial do governo do Estado, publicou matéria, no dia 27 de junho de 1930, denunciando uma: “espionagem pró Princeza feita pelo telegrapho”:

“(...) Estamos alludindo a evidente cumplicidade dos Telegraphos com o movimento armado que alliciou em Princeza os mais temíveis bandidos do Nordeste... O Sr. José Pereira prescinde de outros orgams de informação tanto na Capital como nas cidades do interior, porque sabe desse criminoso abuso das linhas telegraphicas em seu benefício. Nesta cidade (Capital) o chefe da espionagem é o próprio chefe do districto, esse sr. Durval Tinoco, que do alto do edifícioda repartição, que fica próximo ao quartel da Força Pública, vigia a remessa de contingentes da mesma para o sertão e acto contínuo redige os despachos delatórios... Essas manobras deram resultados que culminaram na emboscada preparada para o reforso daqui sahido com destino a Tavares, sob o comando do tenente Genézio, brava victima do cumprimento do dever (...)”.  

Na verdade, desde o início do conflito, o deputado estadual e coronel José Pereira Lima, contava com informações privilegiadas que lhes eram enviadas pelo serviço de telegrafia que operava na capital paraibana. O Telégrafo, órgão federal, sob as vistas grossas das autoridades da República e com a clara anuência do presidente Washington Luís, auxiliava os rebeldes de Princesa passando-lhes todas as informações necessárias sobre as movimentações das tropas da polícia paraibana e não foi diferente com relação à preparação da expedição da “Coluna da Vitória”. Embora os preparativos logísticos tenham ocorrido, em sua maioria na cidade de Campina Grande, todas as comunicações daquela intendência com o Comando Geral da Polícia, na capital do Estado, eram interceptadas e passadas para o telegrafista-chefe de Princesa, Richomer Barros, que imediatamente as reproduzia para o Estado Maior dos “Libertadores de Princeza”. Com essa privilegiada informação, quando a expedição partiu de Campina Grande, partiram também de Princesa - à tardinha do dia 04 de junho, todos a cavalos -80 homens fortemente armados, sob o comando geral do cunhado e sobrinho do coronel Zé Pereira, Marcolino Florentino Diniz (O “Caboclo Marcolino”)auxiliado por Luís do Triângulo, João Paulino, Zé Maurício, Gavião e Ronco Grosso, com destino ao povoado de Água Branca,com o desiderato de armar uma emboscada em espera da “redentora” expedição. 

A emboscada

Eram 05 horas da manhã, uma quinta-feira, dia 05 de junho de 1930. Posicionados de forma estratégica, distribuídos ao longo da estreita estrada que ligava Água Branca à capital do Território Livre de Princesa, os homens de Zé Pereira, conhecedores daquelas brenhas, aguardavam a passagem da expedição da polícia da Paraíba. Sob o comando de Marcolino Diniz, receberam a orientação de só dispararem seus rifles e fuzis após o primeiro tiro dado pelo próprio comandante. De repente escutaram o barulho dos motores dos caminhões. Fizeram total silêncio e, quando a Coluna se completava na mesma extensão - de mais ou menos dois quilômetros -, em que estavam distribuídos os homens do Coronel, Marcolino deu o primeiro tiro que foi o sinal e, procedido pelos demais atiradores, fez-se cerrado tiroteio o que destroçou completamente o comboio da polícia. Caminhões que transportavam munições (inclusive dinamite), explodiram num grande estrondo, provocando incêndio nos demais. O trucidamento foi geral. Dos doze caminhões que compunham a Coluna, cinco foram incendiados, quatro partiram em disparada em busca do vizinho território pernambucano e três, que vinham atrás, conseguiram retornar à vila de Teixeira. Como resultado da emboscada e da fuzilaria, o número de mortos da polícia foi de aproximadamente 70 homens, deixando número superior a 60 soldados feridos, enquanto as forças comandadas por Marcolino Diniz não tiveram nenhuma baixa, ocorrendo somente o caso de um homem ferido e dois desaparecidos. Os homens de Zé Pereira apreenderam 72 fuzis e 20.000 balas. Conforme relato contido no livro do escritor pernambucano, Joaquim Inojosa: “REPÚBLICA DE PRINCESA (José Pereira Lima X João Pessoa – 1930”, pp. 164 e 165, colhemos o seguinte:

“(...) Quando o grosso da polícia estava bem ao centro do campo onde se achavam entrincheiradas as suas forças, dois tiros esparsos soaram... Rompeu um tiroteio violentíssimo, seguido de uma explosão aterrorizadora, jamais ouvida nos sertões. E, em seguida, uma fuzilaria que parecia produzida por uma seção de metralhadoras em ação constante! O estampido que tudo abalara havia sido de um caminhão carregado de dinamite que explodira ao ser atingido pelos primeiros tiros das forças de Marcolino Diniz e a fuzilaria, que parecera de uma possante seção de metralhadoras, fora a munição que o mesmo caminhão conduzia. As colunas dos tenentes Benício e Francelino, por sua vez, vendo os companheiros tombarem mortos e feridos, em vários pontos, e supondo que a violenta fuzilaria que ouviam era das metralhadoras das forças do deputado José Pereira, debandaram em carreira louca! A mortandade foi grande. O caminhão que explodiu trazia nove soldados, sendo, todos eles, encontrados espedaçados! O segundo caminhão, que conduzia gêneros alimentícios, charque, farinha e gasolina, ficou parado, numa ribanceira, porque o chofer, o sargento que o comandava e três soldados de sua escolha, morreram nosprimeiros tiros. Este caminhão, as forças do deputado José Pereira, na impossibilidade de fazê-lo funcionar e levá-lo para Princesa, incendiaram-no. Todas as colunas da polícia, sem exceção de uma só, debandaram, recuando, desordenadamente. O capitão Irineu Rangel, comandante das forças em operações, e o tenente-coronel Elysio Sobreira, que vinham na retaguarda, quando ouviram o tremendo estampido, seguido da violenta fuzilaria, recuaram incontinenti, deixando as colunas Benício e Francelino serem dizimadas sem auxilio”.   

A operação, realizada com competência, estrategia perfeita e, graças às grandes explosões, deu-se rápida e eficiente. Desbaratou-se a “Coluna da Vitória” em apenas duas horas de combate, e com isso, esvaiu-se a última possibilidade de a polícia de João Pessoa retomar a cidade rebelada. A partir dessa derrocada o presidente João Pessoa entrou em profunda depressão ao se sentir desamparado de recursos financeiros, humanos e logísticos, além da falta do amparodos dois outros Estados (Minas Gerais e Rio Grande do Sul) formadores da Aliança Liberal, somado ao velado apoio do presidente da República, Washington Luís, aos rebelados de Princesa. Foi nessa ocasião que, em Palácio, o presidente João Pessoa, no meio de suas atribulações, exclamou: “Por que não me matam!?”Nas palavras do escritor paraibano, José Américo de Almeida, em seu consagrado livro: O Ano do Nego”, temos:

“(...) A coluna, feita em pedaços, acabou desarticulada. (...) Foi horrível a mortandade. Quem não morreu, se escafedeu. (...) O feiticeiro desmentiu o seu poder, morrendo também. (...) Na segunda quinzena de junho,dei uma chegada à capital. (...) João Pessoa estava mais envelhecido. O desastre de Água Branca – contavam-me seus íntimos -, fora-lhe um golpe penoso”.

No dia 05 de julho de 1930, o Jornal de Princeza, noticiava, atestando o saldo negativo da malfadada expedição da polícia paraibana, publicando o seguinte:

“(...) dentre os cadáveres que a debandada deixara insepultos, se encontrava o de um feiticeiro, que jurara penetrar em Princesa ao meio dia, sem ser visto. (...) Água Branca será sempre assinalada como o ponto de partida para a vitória final”. 

A escritora paraibana, Inês Caminha L. Rodrigues, em seu livro: “A Revolta de Princesa – poder privado X poder instituído”, pp. 53, relata sobre o desastre de Água Branca

“O maior insucesso das forças do governo paraibano se deu com a quixotesca coluna da vitória, comandada pelo tenente Genésio que, apesar de corajoso, não dispunha de experiência nem talento para a iniciativa. Foi constituída no início de junho, apressadamente e com os mais precários elementos humanos (refugos de tropas, militares reformados, guardas-civis sem adestramento). Dos 200 homens que se pensou reunir, foram arrebanhados 180. Colocados em nove caminhões, seguiram em direção a Princesa, levando à frente um feiticeiro com um patuá de “rezas fortes” pendurado no pescoço. Seguiam com estardalhaço, a toque de corneta, e a cada parada o feiticeiro (“catimbozeiro”) fazia uma pregação afirmando que todos estavam protegidos e que iriam “pegar Zé Pereira à unha”. 

No livro “REVOLTA E REVOLUÇÃO – Cinquenta Anos Depois” pp. 226, o escritor paraibano José Joffily, reproduz um relato, baseado no depoimento de José Gomes que foi testemunha ocular da debacle de Água Branca. Zé Gomes, como era conhecido, nasceu em Patos (atual Irerê) e participou da emboscada fatal. Aos 71 anos de idade, em 1979, residindo em Nova Iguaçu/RJ, deu entrevista ao referido escritor quando relatou o que vivenciou naquele dia 05 de junho de 1930. Nas palavras de Joffily:

“Depois de 1930, nunca mais Zé Gomes retornou às suas plagas, mas conserva palpitante memória das pelejas. Reproduz com riqueza de pormenores o lance trágico e grotesco de Água Branca (distrito a 60 km de Princesa), em 5/6/1930. Trágico porque entre 7 e 8 horas da manhã a Força Pública perdeu mais de cem homens além de mantimentos, armas e munições. Grotesco porque a responsabilidade da derrota foi do tenente Genésio, que confiava mais no catimbó do que nas táticas de guerrilhas. Assim, o comboio de doze caminhões, que se destinava a Tavares, para reforçar a tropa do capitão João Costa, levando cada um cerca de 15 soldados, foi encurralado pelo piquete de Antônio Paulino, que, na emboscada preparada durante vários dias, não perdeu um só elemento. Dos dois primeiros caminhões, ninguém escapou com vida. Mais arrasador foi o impacto no âmbito da soldadesca.Embora não se valessem de feiticeiros, os de Princesa, igualmente supersticiosos, confiavam na milagrosa religiosidade. Zé Gomes e outros da confiança do célebre Major Sinhô costumavam fazer suas oraçõesnas horas difíceis”.

Como vemos, são várias as versões dadas sobre a derrocada da chamada Coluna da Vitória. Porém, mesmo discordando em números ou em outros detalhes, todos os depoimentos atestam a fragorosa derrota sofrida pela Força Pública paraibana naquela definitiva empreitada. Aexpedição saída de Campina Grande, comandada pelo tenente Francisco Genésio – a quem muitos atribuem a derrota -, era a última cartada de João Pessoa contra os rebelados de Princesa. Foi que chamamos de “a rapa do tacho”. Realçada a inexperiência dos comandantes militares e a incompetência do principal operador-mor [Genésio], somada às crendices e superstições quando confiaram no vaticínio de um catimbozeiro, depreendemos que a famosa citação do filósofo francês, Voltaire, se aplica perfeitamente a esse caso: “Na guerra, Deus não toma partido, mas fica do lado de quem atira melhor”A partir desse insucesso, ao presidente paraibano restava apenas torcer por um milagre. Depois dessa insanável derrota, acuado pelo Governo Federal e sem mais recursos, Pessoa estava num beco sem saída. Mesmo assim, o presidente afirmou: “Não abandonarei a luta, não pedirei a intervenção. Enquanto restar uma única moeda no tesouro do Estado manterei a luta. A Paraíba não fugirá às suas responsabilidades”. E a guerra continuou, até seu sacrifício final.

DSMR, EM 20 DE JUNHO DE 2020.

Nenhum comentário:

Postar um comentário