sexta-feira, 3 de julho de 2020

90 ANOS DA GUERRA DE PRINCESA – CRONOLOGIA DE UM CONFLITO TAVARES SITIADO




O então Distrito de Tavares foi o principal palco dos conflitos armados da Guerra de Princesa, em 1930. Completados exatos 30 dias do início das hostilidades (28/02/1930) entre a polícia da Paraíba e os homens comandados pelo coronel José Pereira Lima, aquele povoado, composto de cerca de 200 casas e 1.500 habitantes, foi atacado por um contingente da polícia do presidente João Pessoa, a chamada “Coluna Leste”, comandada pelo tenente João Costa. Numa luta que durou 23 horas, ocorrida entre os dias 29 e 30 de março daquele ano de 1930, Tavares foi ocupada pela Força Pública paraibana, o que obrigou aos homens do Coronel a se refugiarem nas imediações daquele arruado. A Coluna Leste, era composta por 110 praças bem remunerados (o presidente João Pessoa,a título de estímulo e recompensa àquela expedição, determinou, em 22 de março daquele ano, através do Decreto nº 1.653, a majoração do soldo dos soldados em um terço de seus vencimentos),porém, no final da refrega, que tomou Tavares dos insurretos, em que pese vitoriosos, restavam apenas 64 policiais ilesos. 46 era o número de praças mortos, feridos ou desertores. Segundo o escritor João Lelis de Luna Freire, em seu livro: A CAMPANHA DE PRINCÊSA: “A luta era de empenar o chão”. Do lado do coronel José Pereira - nessa refrega para ele inglória -, lutaram cerca de 200 homens, também remunerados à farta, pois, segundo relato do “cabra” Zé Gomes, em entrevista concedida ao escritor paraibano, José Joffily: “(...) de mais a mais, a gente ganhava 10 mil-réis por dia, muito dinheiro, comparado com a diária de um trabalhador de enxada, 2 mil-réis. Por derradeiro, poucos sabiam ler e escrever e quase ninguém já tinha saído do sertão para conhecer outros lugares. (...) mas quando a bala roçava o mato que nem foice, nem no dinheiro a gente podia pensar. (...) a gente podia brigar toda a vida e mais seis meses...”. O erro de estratégia dos comandantes da tropa do Coronel, foi responsável por essa significante derrota. Ao invés de determinarem o posicionamento dos homens em locais apropriados para a defesa - já que sabiam do ataque certo -, à espera da polícia, tomaram a iniciativa de ordenar o ataque em campo aberto, expondo seus comandados em alvo fácil para o inimigo.

Ocupação efetiva

Vencida a batalha da tomada de Tavares, o tenente João Costa telegrafou, através do serviço de rádio, ao presidente João Pessoa, dando conta do sucesso da operação militar que deu à polícia paraibana, o controle do último bastião antes do alvo desejado que era a ocupação da cidade de Princesa. Diante dessa notícia, em 05 de abril, o presidente, em reconhecimento ao feito, promoveu o então 1º tenente João da Costa e Silva, por ato de bravura, ao posto de capitão. Nesse mesmo dia, chegava ao povoado ocupado, sob o comando do 2º tenente Raimundo Nonato, um contingente de 30 homens que ficaram incluídos na Coluna de João Costa. Mais tarde chegaria também o capitão Irineu Rangel, comandando mais 60 homens que se juntaram também aos já estacionados em Tavares em preparo para o ataque final à cidadela rebelde. Imediatamente à ocupação, o agora capitão João Costa instalou um hospital de sangue e providenciou instalações para a tropa já acrescida de vários outros efetivos.Logo após a derrota, os chamados “Libertadores de Princesa”, liderados pelos valentes, Manuel Lopes Diniz, João Paulino e Zeca Ferreira, não recuaram até a sede do “Território Livre”, mas acamparam nos arredores do povoado ocupado e mantiveram um cerco a Tavares que, reforçados por mais homens enviados de Princesa (cerca de 200) e alguns moradores do Distrito ocupado, a exemplo de José Pessoa, José Gonzaga, Severino Valério, Neco Silvino, Manuel Jurity, dentre outros, começaram a atacar a polícia de João Pessoa, agora sitiada no mesmo palco da grande vitória. Nos primeiros dias da ocupação, os homens da Força Pública não tiveram grandes dificuldades, pois encontraram ali muitos grãos de milho, feijão e arroz, além de legumes, água potável e animais próprios para alimentação (galinhas, porcos, cabras, etc.), que lhes garantiram boas e fartas refeições nos primeiros dias do confinamento e de lutas. Mesmo assim, não conseguiram se articular para o ataque final ao reduto rebelde. Colhido do livro do escritor pernambucano, Joaquim Inojosa: REPÚBLICA DE PRINCESA, temos:

“Todavia, entre comunicar-se com Nova Olinda, sendo do comando-geral das forças do governo, e avançar sobre a capital do Território Livre, a diferença era tão grande, que jamais o conseguiram. Tavares continuou sempre semicercado, vigiado e controlado. Somente não fora possível evitar o que o tenente Agripino Câmara registrava no seu diário: - ‘Seguiu-se o saque e a destruição de tudo. Os soldados beberam, fumaram, saquearam (...) estendendo o saque pelos sítios vizinhos numa verdadeira anarquia no seio da tropa’. (...) Depois, com o prolongamento do cerco, ficariam “a feijão e milho e a milho e feijão”.

Luta feroz

Já nos primeiros dias do cerco, ao cair das noites, a fuzilaria era intensa. Os comandados pelo Coronel Zé Pereira na tentativa de retomar Tavares das mãos dos inimigos, e estes, empenhados em manter o povoado sob seu controle lutavam ferozmente. Entendiam, os da polícia, ser aquele entreposto, fator estratégico exponencial para viabilizar a futura ocupação de Princesa. Os tiroteios, sob frio intenso naquele ano de pouca chuva, mas de temperaturas baixíssimas, eram acompanhados de gritos – de lado a lado -, contidos de impropérios e palavrões, acrescidos de batidas em latas (o que no sertão se chama de “latumia”). Extraído do livro: A CAMPANHA DE PRINCESA, do escritor João Lelis de Luna Freire, temos:

“Uma gritaria absurda, assobios, vaias, pilherias brutais, apelidos indecentissimos, alguns dêstes inventados no momento, zabumbas em latas, em garrafas vasias, em tudo que pudesse produzir barulho, eis a resposta obrigatória das forças sitiadas ao tiroteio inominavel dos sitiantes. As posições da igreja local, dominando um horizonte que ultrapassava as posições adversárias mais remotas, por se encontrarem elas situadas numa elevação, tornavam-se as mais vizadas em virtude de serem também as sentinelas mais destacadas da tropa. Qualquer movimento do inimigo os vigias da igreja anunciavam. Raramente um soldado dava um tiro. E esse mesmo tinha que ser certeiro para admitir uma justificativa, senão o castigo vinha por cima, mal se extinguia o éco do disparo. Muitos ficavam nas biocas com o fuzil sem o ferrolho, que era, segundo dizia o comandante, para se acostumar com tiro...”.

Segundo ainda o escritor João Lelis, somente na Sexta-feira Santa, dia 18 de abril, houve uma trégua. Ambos os lados hastearam a bandeira branca, se descobriram e chegaram atéa palestrar entre si: “(...) É quando se reconhecempai e filho na luta, em fileiras adversárias. Filho soldado,pai na rebelião.O velho aconselha ao môço que cumpra com o dever. Sim, êle cumpriria, e o pai o abençoasse. Um toque de corneta no P. C. Dentro de instantes,pai e filho tiroteiavam-se, fatalmente, ferozmente”.

O sítio

As posições ficaram estáveis com o cerco mantido e a polícia, aos poucos, sentindo as dificuldades em se manter sitiada. Nas casas geminadas, foram abertos buracos nas paredes, para viabilizar a comunicação interna dos soldados sem que se expusessem à artilharia inimiga. Nas ruas, sob as ordens do capitão Costa, a soldadesca trabalhou duro na abertura de valas de proteção, acrescidas de sacos cheios de terra. Tudo isso apenas deforma estratégica, pois, a polícia continuava isolada e os homens de Zé Pereira não conseguiam penetrar no povoado ocupado. Para os Libertadores de Princesa, a situação era mais confortável,uma vez que, eram abastecidos de farta comida. No cardápio era servido até bacalhau e queijos. Além disso, havia sempre substituições de homens cansados da luta, por outros que vinham de Princesa para rendê-los. Os pagamentos dos sitiantes eram feitos em dia e em valores bem superiores aos dos destacados da Força Pública do vizinho estado da Paraíba (como se referia o Jornal de Princeza à Unidade da Federação governada pelo presidente João Pessoa Cavalcante de Albuquerque).Não bastassem esses confortos, as tropas de Zé Pereira eram sempre agraciadas com festas regadas a cerveja e animadas por danças ao som de sanfonas, triângulos e zabumbas .Enquanto os Libertadores de Princesa desfrutavam desses mimos, os do lado da polícia, passados dois meses da tomadado povoado, viviam situação que logo começou a se complicar. Sitiados, os homens da Força Pública, viram escassearem comida e água. Passaram a comer milho torrado, e a água que bebiam de uma cacimba, foi envenenada pelos princesenses. Até um pequeno avião enviado da capital paraibana, com víveres e munições, por engano ou falta de pontaria, despejou a preciosa carga num acampamento dos rebeldes de Princesa. Já no final do mês de junho, após o desastre da chamada “Coluna da Vitória”, que foi desbaratada pelos Libertadores de Princesa na altura do povoado de Água Branca, a situação da Força Pública se agravou ainda mais. As deserções do lado da polícia paraibana eram quase em massa. Na verdade, em meados do mês de julho, a situação já se encontrava insustentável e não se pensava mais em atacar Princesa, mas sim, em achar um meio de se livrarem daquele terrível cerco. A solução salvadora foi o trágico assassinato do presidente João Pessoa, em Recife, na tarde do dia 26 de julho. A ocupação do principal Distrito do Território rebelde,o mais importante sucesso da polícia paraibana na Guerra de Princesa, foi uma vitória de pirro.


DSMR, EM 03 DE JULHO DE 2020.

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