“A REVOLTA DE PRINCESA
– PODER PRIVADO X PODER INSTITUÍDO”
INÊS CAMINHA LOPES RODRIGUES
O livro A Revolta de
Princesa – Poder Privado X Poder Constituído, de autoria da professora
paraibana, Inês Caminha Lopes Rodrigues, é tido por grande parte dos
conhecedores da história da rebelião de Princesa, como talvez o relato mais
isento sobre os fatos daquele importante movimento bélico ocorrido na Paraíba.
A autora divide o livro em três partes: os antecedentes, a luta, e uma breve
conclusão. Porém, o que ganha especial realce nesse trabalho é o exercício
analítico, o que a autora faz sem partidarismo ou emoção. O escrito de Caminha
é sucinto, mas com fugaz densidade no que relata, um rápido estudo sobre o
importante movimento sedicioso que foi a Guerra de Princesa. Louvado por
personalidades de destaque no meio historiográfico, a obra em tela é comentada
pelo historiador José Octávio de Arruda Mello, que diz:
(...) a professora Inês Caminha Lopes
Rodrigues terá escrito com êste A Revolta
de Princesa – Uma Contribuição ao Estudo do Mandonismo Local (Paraíba-1930), o
livro da nossa geração. (...) De mais a mais, como nos refugiarmos nos
sarcófagos da Idade Antiga e sagas do Brasil colônia, quando temos diante de
nós acontecimentos da dimensão do levante de Princesa – Guerra Civil com tôdas
as letras – cujas consequências, pela transição político-social que assinala,
se estendem até os nossos dias?”.
Prefaciando o trabalho, o paulista, Odilon Nogueira de Matos,
professor e importante historiador brasileiro, assinala:
“Eis porque considero do mais alto
valor e interesse o livro que tenho a honra de prefaciar. A autora não se
limitou à crônica de um dos mais curiosos e significativos movimentos do apagar
das luzes da Primeira República. Procurou interpretá-lo e situá-lo em contexto,
não apenas mais amplo, mas mais adequado à compreensão do tema”.
Comentários tão abalizados e de onde vêm, dão força à certeza
de que essa obra se reveste de indispensável importância para aqueles que
desejam compreender a nossa história, além de conceder importante status àquele movimento que foi, sem
dúvida, um dos precursores da Revolução de 1930.
Na parte inicial do livro, Inês Caminha, trata do caldo de
cultura que fomentou a rebelião. Disserta que, em que pese já existirem
antecedentes que punham lenha na fogueira dos relacionamentos dos vários atores
envolvidos naquele episódio (do que trataremos quando da análise de outros
trabalhos literários correlatos), um dos fatores preponderantes para a eclosão
do movimento, foi a investidura de João Pessoa Cavalcanti de Albuquerque no
governo do estado da Paraíba, por indicação de seu tio, Epitácio da Silva
Pessoa. Vindo do Rio de Janeiro, aqui chegou, o sobrinho do ex-presidente da
República e, empossado dispôs-se com a determinação de promover a quebra do
poder hegemônico dos coronéis. Rixas antigas moviam essa vontade e, mesmo antes
de assumir, segundo a autora: (...) Prometera a si mesmo encetar uma
ferrenha campanha de moralização dos costumes, pois, segundo suas próprias
palavras, estava ‘tudo podre’, fazendo-se necessária ‘uma vassourada em regra’
para ‘purificar a vida pública, rebaixada por figuras de significação e aproveitadores
gulosos’”. Além dessa contundente afirmação, o novo presidente anuncia
também medidas drásticas em combate ao cangaceirismo. Segundo a autora, com o
intuito de desprestigiar os chefes locais, sem dar-lhes trégua: “(...)
esteja (o cangaceiro) onde estiver e seja quem for o seu protetor ou o seu
homiziador. (...) Quem se sentir humilhado com a ação da polícia que não o
acolha em suas terras e propriedades”. Além dessas admoestações já
feitas por ocasião do discurso de posse, Caminha realça a questão tributária e
a consequente briga do presidente João Pessoa com seus primos empresários do
Recife, os Pessoa de Queiroz, por conta da proibição do comércio do interior do
estado da Paraíba com a praça do Recife. Esse fato atinge em cheio o coronel
José Pereira, que, na qualidade de amigo dos empresários pernambucanos, a eles
se alia, acendendo aí o estopim da guerra. Não bastassem esses atritos, a
formação da chapa – organizada por João Pessoa -, que concorreria para a
escolha dos deputados nas eleições de 1º de março de 1930, exclui o nome do
amigo do coronel e ex-presidente João Suassuna. Foi a gota d’água.
Interessante observar que a autora deste trabalho – que não
tem a pretensão de contar a história, mas sim de analisar os fatos -, é uma das
poucas pessoas que escreveram sobre o movimento sedicioso de Princesa, que vai
a fundo nos detalhes da preparação daquela guerra civil, definindo, de forma
desapaixonada os fatos que culminaram com a eclosão da luta armada, inclusive
quanto às intrigas entre os primos do Recife e o presidente paraibano.
Na segunda parte do livro, a professora Inês Caminha trata da
luta. Inicia traçando o perfil do coronel José Pereira Lima:
“Em primeiro lugar, ele era um grande
‘coronel’. Era considerado um dos maiores chefes sertanejos do Nordeste e o
maior da Paraíba. Seu prestígio transcendia os limites do seu município,
atingindo as esferas estadual e federal. (...) Era muito generoso e, ao
contrário do que normalmente ocorria com os ‘coronéis’, era gentil, polido,
avesso à violência. E, alicerçando sua liderança, estava um grande carisma”.
Nessa parte do livro, Caminha discorre sobre os contingentes
de lutadores, tanto da polícia paraibana, quanto dos “cabras” de Zé Pereira;
sobre as escaramuças por todo o território conflagrado; sobre o material bélico
e estratégias, etc. Para não fugir à regra quanto à detecção de imperfeições no
escrito, a autora afirma que o bombardeio de Princesa só não aconteceu porque o
presidente João Pessoa, ao saber do alto poder destrutivo da bomba que seria
usada contra a cidade rebelada, proibiu o seu uso. Na verdade, o prometido
bombardeio não aconteceu pela inviabilidade logística da empreitada, quando o
aviãozinho que deveria ser usado na sua execução, quebrou uma asa e, mesmo que
não houvesse acontecido esse imprevisto, tal empresa não se faria possível,
pois, segundo José Américo de Almeida, a pequena aeronave sequer suportaria o
peso do artefato.
Quando trata da guerra midiática, encetada pelo órgão oficial
do governo da Paraíba, A UNIÃO, e o Jornal do Commercio, pertencente aos
irmãos Pessoa de Queiroz, Caminha disserta que o intuito das acusações desses
últimos, era a consecução de repercussão nacional, com o fito de provocar a
intervenção no governo da Paraíba. Porém segundo a autora, a briga de letras
descambou para o campo pessoal, o que culminou com o assassinato do presidente
paraibano, perpetrado pelo advogado João Duarte Dantas, o que, em consequência,
acendeu o estopim que culminaria com a eclosão da Revolução de 1930. Na esteira
do trágico crime, Caminha relata, em poucas palavras, sobre as consequências do
nefasto acontecimento da Confeitaria Glória, no Recife e discorre, também com
economia de palavras, sobre a ocupação de Princesa pelo Exército brasileiro e
pela Polícia da Paraíba. Noticia ainda, de forma sucinta, sobre a fuga do
coronel José Pereira e sobre o seu retorno a Princesa em 1936.
O livro A Revolta de Princesa, da professora Inês
Caminha Lopes Rodrigues, graduada em história pela Universidade Federal da
Paraíba (1968), mestra em História pela Universidade de São Paulo (1976) e
doutora pela mesma instituição (1985), está, sem dúvida, no rol das leituras
indispensáveis para os que desejam um conhecimento mais profundo daquele que
foi um dos mais importantes acontecimentos bélicos do interior do Brasil.
DSMR, em 23 de dezembro de 2020.
Nenhum comentário:
Postar um comentário