JOÃO PESSOA E A
REVOLUÇÃO DE 30
ADEMAR VIDAL
O livro de Ademar Vidal: JOÃO PESSOA E A REVOLUÇÃO DE 30,
lançado em 1ª edição em 1933 e relançado em 1978, pela editora Graal, trata dos
fatos ocorridos na Paraíba, no período imediatamente anterior à eclosão da
Revolução de 1930. Nesse trabalho literário, dois de seus capítulos (III e IV)
são dedicados, quase que exclusivamente, aos fatos ocorridos em Princesa,
inerentes à Guerra Civil. É uma obra polêmica, porque apologética do presidente
João Pessoa Cavalcanti de Albuquerque, o que compromete a credibilidade do
escrito enquanto instrumento revelador da história. Este livro antagoniza, em
tendência, com o escrito de José Gastão Cardoso (já resenhado por este Blog). O
escritor, que foi Secretário de Justiça e Segurança Pública no período do
governo do presidente assassinado, relata minuciosamente sobre os fatos ocorridos
naquele momento histórico, com um zelo incomum quando trata do que favorece
João Pessoa. Por conta disso, a credibilidade e o valor histórico do escrito
ficam prejudicados, porque o mesmo zelo usado para fazer ode ao presidente da
Paraíba, Vidal adota para desmerecer tudo o que se refere a Princesa, ao
coronel José Pereira Lima, ao ex-presidente João Suassuna e ao advogado João
Duarte Dantas. É claro que o facciosismo é praxe nos relatos históricos, mesmo porque,
cada um reveste sua versão das preferências pessoais, principalmente quando a
história é contada por alguém que dela participou ativamente, como é o caso do
autor do trabalho em tela. Mesmo assim, o livro de Ademar Vidal, não deve ser
leitura dispensável, pois tem o condão de trazer à baila momentos dramáticos
daquele momento histórico, como ele mesmo diz: “(...) sobre o que se passou nos três meses trepidantes que precederam a
Revolução de outubro na minha terra”. Mesmo classificando o movimento
sedicioso de Princesa como um ato de banditismo, às páginas 06, o autor reconhece
a importância daquela Guerra Civil, enquanto contributo à queda da Velha República,
resultado da Revolução de 1930:
“O caso da Paraíba – com Princesa
convocando o banditismo dos estados vizinhos, iniciativa essa alimentada pelo
Governo Central para seu mal e para maior mal do Brasil – foi um dos fatores
principais que precipitaram o advento da Segunda República. Porque o decisivo
se encerra na morte violenta do presidente João Pessoa”.
O terceiro e o quarto capítulos do livro, dedicados aos
acontecimentos em Princesa, estão eivados de informações erradas e de
observações desabonadoras à Guerra de Princesa e aos seus protagonistas.
Inicia, o autor, cometendo um engano e discorrendo sobre uma inverdade.
Confunde-se com relação à data da eclosão da Rebelião de Princesa quando anota:
“(...) a 24 de fevereiro do corrente ano
[1930], José Pereira Lima promoveu um movimento sedicioso em Princesa, armando
grupos de foras-da-lei contra a ordem constituída”. O rompimento do coronel
com o presidente da Paraíba e o levante princesense ocorreram em 28 de
fevereiro de 1930. Quanto à inverdade, trata-se da informação de que a polícia
paraibana foi recebida à bala em Teixeira quando, na verdade, ocorreu o
contrário. Um pelotão da Polícia Militar da Paraíba, comandado pelo tenente
Ascendino Feitosa invadiu aquela cidade, atirando e fazendo reféns mulheres
idosas da família Dantas. Mais adiante, Vidal anota: “(...) achavam-se homiziados em Princesa os criminosos mais notáveis na
história do banditismo no Nordeste”. Nomina o coronel José Pereira de “Chefe dos trabuqueiros” e o movimento
de Princesa, de “Ação anarquizadora”.
As inverdades contidas no escrito do Secretário de Segurança Pública de João
Pessoa são muitas. Com relação à visita do presidente paraibano a Princesa,
ocorrida no final de fevereiro de 1930, às páginas 135, Ademar escreve, baseado
no depoimento da professora Rosita Augusta Carneiro:
“(...) que ouviu do prefeito de
Princesa, José Frazão, a declaração de que o Sr. José Pereira tinha idéia de
hostilizar o Presidente ou mesmo fazê-lo prisioneiro, o que deixou de levar a
efeito pela curta permanência do Presidente naquela localidade, tendo o senhor
José Frazão declarado isso na casa da respondente na ocasião em que lhe fazia
uma visita”.
Desprovido de escrúpulos e a serviço de campanha difamatória
promovida para desmerecer os sertanejos rebelados, Ademar Vidal, reproduz mais
um depoimento mentiroso de outra professora, Joana Augusta Martins Carneiro,
com o intuito medonho de desmerecer mais ainda o coronel Zé pereira (era assim
que grafava seu nome). Consta às páginas 137/138:
“(...) que a agressão, por parte do
sr. José Pereira, chegou ao ponto de querer espancar o menor Rafael Rosas, filho
do administrador da Mesa de Rendas de Patos do Espinhara, pelo fato daquele
menor conservar na lapela do paletó um distintivo liberal”.
É saber de todos que o coronel José Pereira recebeu o
presidente João Pessoa, em Princesa, com festas e muita consideração e respeito
e que o presidente paraibano pernoitou na casa do coronel. Ademais, em escrito
algum, exceto neste livro ora resenhado, há referência a qualquer ato de
violência cometido por Zé Pereira.
Noutra asserção - contrariando o correspondente de guerra,
João Lélis de Luna Freire, que era simpático à causa de João Pessoa e que,
estacionado em Tavares anotou tudo, o que transformou em livro mais tarde
publicado (“A CAMPANHA DE PRINCESA”,
já também resenhado nesta série) -, o autor não relata nenhuma vitória das
tropas de José Pereira, quando atribui quase todos os sucessos nas várias
batalhas, à Polícia, invertendo as situações quando diz que o moral da
soldadesca paraibana era altíssimo, enquanto os cabras do coronel, além de
facínoras, assassinos, eram covardes. Por fim, encontramos, às páginas 152 e
153, as seguintes anotações: “As
declarações dos soldados do piquete de Barras deixam crer que o trabuqueiro
José Pereira foi ferido pelas costas quando corria”. Ora, o coronel José
Pereira jamais participou de nenhuma ação armada. E continuam as inverdades: “Soube-se posteriormente que as
comunicações, no gênero da transcrita acima [telegrama de José Pereira ao
presidente Washington Luís], eram da
lavra do sr. Richomer Barros, telegrafista e lugar-tenente de José Pereira que,
por ser quase analfabeto, dele fazia o seu secretário”. José Pereira
estudou até o terceiro ano do curso de Direito e era possuidor de vasta
biblioteca onde se encontravam livros de vários autores clássicos.
Caviloso e bajulador, Ademar Vidal, mesmo tendo conhecimento
da desigualdade de forças entre os comandados por José Pereira e os da Polícia
Militar, quando os primeiros eram em número superior e muito mais equipados
para a luta e que, em momento algum do conflito configurou-se possibilidade
real de a polícia de João Pessoa invadir Princesa, o secretário do desventurado
presidente escreve, às páginas 180/181:
“Foram sempre conhecidas as intenções
de João Pessoa no combate ao banditismo. A preocupação que o dominava frequentemente
era a de evitar tanto quanto possível o derramamento de sangue. Não fora isso e
já se teria consumado a tomada de Princesa pelas forças legais. Recomendando o
assédio do reduto de José Pereira, o Presidente recomendava, outrossim, que se
poupassem choques violentos e consequente morticínio. Não lhe era também
estranha a preocupação do fracionamento dos cangaceiros depois de batida a
cabeça da inglória masorca”.
Demonstrando clara contradição, o autor assertiva às páginas 236,
em dissonância com o que afirmou a testemunha ocular, o jornalista Victor do
Espírito Santo, no já referido livro de João Lelis sobre o desânimo, a incompetência
e as várias deserções ocorridas no seio da polícia em luta no sítio de Tavares,
sobre a “intrepidez” da polícia paraibana:
“(...) Aí está como se conduzia o
intrépido soldado paraibano. Lutava com ardor e sem um só instante de
desfalecimento. Punha cerco aos bandoleiros e jogava-os para longe, aterrados
ante tanto destemor”.
Desmentindo tudo isso, o próprio presidente João Pessoa, no
dia de sua morte, em Recife, respondendo à pergunta do revolucionário Caio de
Lima Cavalcanti: “- Presidente, como vão
as coisas em Princesa?”. Pessoa respondeu: “ - É uma situação trágica. O Governo Federal arma o banditismo e
impede que eu me defenda”.
A campanha difamatória promovida pelo escrito de Ademar Vidal
contra os chamados “Libertadores de Princesa” e seu chefe, o coronel José
Pereira Lima, se excede quando o autor afirma, sem reservas, que os homens de
Zé Pereira, roubavam, violentavam moças, incendiavam fazendas e gados e o
faziam obedecendo ordens do coronel. Acrescenta ainda que os pagamentos aos “jagunços”
de Zé Pereira eram feitos em dinheiro vivo e com cédulas novinhas, vindas
direto do Tesouro Nacional, ainda em folhas completas que eram recortadas por
tesouras na casa do coronel e que, o fruto dos saques efetuados pela “cabroeira”
era dividido, ficando, o coronel, “com a
metade dos objetos e dinheiros arrecadados na pilhagem feita”.
Às páginas 268, o autor reproduz um telegrama que reputo
misterioso. Segundo ele, enviado a si por ‘Zeca Diniz”, pai de Nominando Muniz
Diniz, com o seguinte teor:
“Triunfo (Pernambuco), 08 [abril] –
Cientifico V. Exª. que os bandidos, sob as ordens de José Pereira, acabam de
violar minha residência e propriedade, roubando haveres e prometendo incendiar
e roubar nossa própria vida, pelo único motivo de não acompanhar seus
desmandos. Atenciosas saudações – José Muniz Diniz”.
Esse telegrama causa estranheza, uma vez ser Nominando Diniz,
até o final da Guerra de Princesa, declarado aliado do coronel, porém, não
podemos questionar sua veracidade uma vez que, em face de depoimentos da
família Diniz, poderia já haver sim, desgostos desta com o coronel José
Pereira. Este fato carece, portanto, de pesquisa mais acurada.
Adhemar Victor de Menezes Vidal, nasceu na cidade de Parahyba,
em 07 de outubro de 1897 e faleceu no Rio de Janeiro, em 30 de novembro de
1986. Advogado, Procurador da República, Secretário de Justiça e da Segurança
Pública da Paraíba (1930), Jornalista e Membro da Academia Paraibana de Letras,
publicou muitas outras obras sobre assuntos variados. O livro ora resenhado, em
que pese seu escandaloso facciosismo, o que compromete até a veracidade de
alguns fatos, é leitura necessária para os estudiosos e pesquisadores que
desejam compreender aquele momento da nossa história recente. Recomenda-se,
portanto, uma leitura crítica e comparativa. Mesmo assim, a obra de Ademar Vidal,
escrit
a por quem foi, merece atenção.
DSMR, em 06 de janeiro de 2021
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