quarta-feira, 3 de fevereiro de 2021

LER PARA CONHECER A NOSSA HISTÓRIA

 




SIGNOS EM CONFRONTO? O Arcaico e o Moderno na Cidade de Princesa (PB) na Década de 1920.

SERIOJA RODRIGUES CORDEIRO MARIANO

O livro de Serioja Mariano, lançado pela Editora da Universidade Federal da Paraíba, em 2010, com 164 páginas, é o escrito mais completo e mais abrangente já divulgado sobre o município de Princesa. O foco da narrativa são os anos da década de 1920 - período mais importante da história recente de Princesa. Adentra no cotidiano das pessoas e nos costumes da época; traz depoimentos de pessoas (principalmente de mulheres), que foram testemunhas oculares dos ocorridos naquele importante espaço de tempo. É leitura indispensável e necessária para aqueles que desejam compreender Princesa sobre qualquer aspecto, seja ele social, econômico, político, etc.

O título da obra já sugere a sua essência. Em análise simples, o confronto do novo de repente chegado, com o velho arraigado nas tradições; o desconforto do apartamento do que era a praxe tradicional com o supetão da mudança provocada pelo moderno. Já na apresentação do trabalho, assinala, a autora:

“(...) verificou-se que a chegada das chamadas invenções modernas alterou profundamente o cotidiano da população princesense. A modernidade chegou construindo seus labirintos, mudando hábitos sociais, comportamentos e sensibilidades, não com a mesma velocidade de outras cidades brasileiras, mas ao seu modo e dentro de sua multiplicidade. Apesar da marcante presença da tradição, o novo e o velho coexistiram com suas contradições, fazendo parte da história da cidade”.

Foi nessa década de ouro [1920/30] que chegaram a Princesa as novidades que já faziam o deleite das grandes cidades do País. Sobre essa modernização, escreve Serioja (p.59):

“A cidade prosperava. De uma economia baseada na agricultura e no criatório, em que o campo se sobressaía, Princesa cresceu e passou por um processo acelerado de modernização, com a alta da economia algodoeira. Transformou-se velozmente. Adquiria ares de moderna, com a construção de casas, ruas, praças, e melhoramentos de estradas; a chegada da iluminação elétrica; concessionária de automóveis e agências de bancos”.

Em seu discurso inicial, Serioja, aborda sobre a importância histórica de Princesa: “Uma cidade que sempre foi conhecida na historiografia brasileira através do aspecto político, em virtude da chamada Revolta de Princesa (1930)”. Acrescenta que Princesa: ”(...) tem uma espacialidade diferente, tem a sua singularidade, com uma duração de tempo que difere de outras cidades do Brasil que, de certa forma, representam cenários de modernidade”.

Na divisão capitular da obra, a autora, nas três partes do livro, discorre sobre “As Origens da Cidade: Lagoa da Perdição, Bom Conselho e Princesa”; “As inquietações Intelectuais e o Modernismo em Princesa” e, “1930: O Ano em que a ‘Modernidade’ Acabou?”. Às páginas 90 e 98, Mariano, realça fato da maior importância, que orgulha a todos os princesenses, uma vez haver sido, Princesa, o único município do interior do Nordeste a aderir, de forma efetiva, ao movimento modernista que eclodiu com a Semana de Arte Moderna, ocorrida em São Paulo em 1922:

“Em meio a toda essa agitação cultural foi criado (em 1925) na cidade de Princesa o Grupo Literário Joaquim Inojosa, uma ‘Sociedade de Letras’ em homenagem ao divulgador do modernismo em Pernambuco e de quem o fundador, o poeta e professor Emídio de Miranda, era admirador”.

Acerca disso, a autora registra entrevista colhida de dona Hermosa Sitônio, que vivenciara aquele momento:

“(...) o coronel Zé Pereira era muito progressista trouxe um professor que era do Recife, mas ele morava em Serra Talhada (...) um rapaz poeta como Castro Alves e nós éramos alunos dele. Então aí veio o movimento modernista de 22 e ele [Miranda] era amigo, quer dizer, admirador e botou o nome do grupo de Joaquim Inojosa (...) aí ele fez do grupo, um movimento conhecido como intelectual meio revolucionário para a época (...)”.

Registro importante, faz Serioja Mariano – o que tem referência também no livro: República de Princesa, de Joaquim Inojosa (já resenhado nesta série) -, sobre os signatários de uma carta enviada a Joaquim Inojosa comunicando a este, a fundação do Grêmio Literário, em 17/05/1925, que leva seu nome. São os seguintes os intelectuais princesenses, fundadores da referida “Sociedade de Letras”: Emídio de Miranda, José Cypriano Maracajá, Manoel Monteiro Diniz, José Vieira de Mello, João Maximiano dos Santos, Manoel Francelino de Sousa, Zacarias Sitônio, Renato de Freitas, Epaminondas Monteiro Diniz, Cláudio Pinheiro Santos, Manoel Lima e Bellarmino Medeiros.

Quando se refere à guerra de secessão, em que se envolveu Princesa, em 1930, contra a polícia paraibana - situação em que, rebelado, o município decretou sua independência do estado da Paraíba, criando o “Território Livre de Princesa”-, Serioja discorre sobre o caricato Decreto, sua leitura na Câmara dos Deputados, no Rio de Janeiro e a repercussão no Brasil. Além disso, faz interessante referência ao livro do intelectual paraibano, Ariano Suassuna: O Rei Degolado ao Sol da Onça Caetana (1977, p.52):

“(...) Princesa, rebelada contra o Estado da Paraíba, manteve-se independente, com hino, constituição, bandeira, jornal e tudo! Pois, assim como José Pereira dominava uma porção do território brasileiro e aí instalou o seu Reino, eu também domino atualmente uma parte e vou instalar, nela, minha República Popular do Brasil, desmembrada e independente da outra, a reacionária”.

Interessantes também são os depoimentos colhidos de “três senhoras com aproximadamente oitenta anos de idade cada e que narram suas histórias de vida”. Esses depoimentos narram a saída das famílias, da Princesa conflagrada, para as cidades vizinhas de Flores e Triunfo; a coragem de dona Toinha Carlos, mandona, “mulher cangaceira”; o embarque dos cabras de Zé Pereira para o campo de luta; o voo rasante do avião que veio bombardear Princesa; sobre o mandonismo incontestável e o endeusamento do coronel José Pereira, pelos princesenses da época, dentre outras histórias.

Às páginas 142 e 143, a autora escreve sobre o declínio a que Princesa foi submetida após a guerra, quando o comércio fechou suas portas; a produção do algodão sofreu grande queda; os negócios dali saíram para outras praças: “A cidade que, antes do fatídico ano de 1930, viveu sua fase áurea, com intensificação do crescimento urbano, não era mais a mesma. Princesa parecia ter entrado em um sono profundo e duradouro, não havia mais diversões e a vida social sofreu”. Acrescenta que, o cinema fechou, o campo de futebol fechou, as apresentações teatrais desapareceram para sempre e que sobreviveu ao ano de 1930, apenas a festa da padroeira Nossa Senhora do Bom Conselho, o futebol o carnaval e as festas juninas.

No livro, Signos em Confronto?...”, a jovem escritora princesense se supera. Trabalho com método, baseado em rigorosas pesquisas, porque resultado final de sua dissertação de mestrado, defendida em 1990, encerra informações importantes, inéditas, portanto profícuas para o entendimento da evolução da sociedade princesense. Antes do trabalho literário em tela, somente seu pai, Paulo Mariano, havia abordado o assunto, no livro: Princesa, Antes e Depois de 30, porém, de forma sucinta e superficial. O livro de Serioja Mariano é o primeiro trabalho a tratar sobre aspectos da evolução de Princesa, nos campos da cultura, dos costumes, da economia e até da política, com acurada competência, riqueza de informações e vasta iconografia. Leitura indispensável.

Serioja Rodrigues Cordeiro Mariano, nasceu em Princesa, em 26 de março de 1969, é filha do escritor e historiador princesense, Paulo Cordeiro e Silva Mariano e de dona Terezinha Rodrigues Cordeiro, viúva de João Azevedo Fernandes e mãe de Paulo. É professora do Departamento e do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal da Paraíba; foi professora da Universidade Estadual da Paraíba entre 2003 e 2007; fez doutorado (2005) e mestrado (1999) em História do Brasil, pela Universidade Federal de Pernambuco, e Graduação em História (1995) na Universidade Federal da Paraíba. Atualmente coordena o grupo de Pesquisa “Sociedade e Cultura no Nordeste Oitocentista”, área em que desenvolve pesquisas e artigos. Mora na capital paraibana.

DSMR, em 03 de fevereiro de 2021.

 

 

3 comentários:

  1. Querido Dominguinhos, obrigada pela leitura cuidadosa e as belas palavras sobre o meu livro, vindo de você fico lisonjeada. Já estou na segunda edição do livro. Um grande abraço.Serioja

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  2. Querido Dominguinhos, obrigada pela leitura cuidadosa e as belas palavras acerca do meu livro, vindo de você fico lisonjeada. Já estou na segunda edição do livro. Um grande abraço.Serioja

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  3. Excelente matéria, uma abordagem competente a respeito de uma obra escrita por quem se aprofundou no assunto e tem o domínio da escrita. O DNA do pai.

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