quarta-feira, 14 de abril de 2021

LER PARA CONHECER A NOSSA HISTÓRIA

 




O DIÁRIO SECRETO DE OSIAS GOMES: A morte anunciada de João Pessoa.

JOSÉ CAITANO DE OLIVEIRA

No início dos anos 2000, o neto de Osias Nacre Gomes, Cleanto Gomes, confiou ao escritor cajazeirense, José Caitano de Oliveira, o “Diário Secreto” de seu avô. Osias Gomes, foi peça importante no quebra-cabeças dos acontecidos de 1930. Naquele momento histórico, Osias, era o diretor do jornal,A UNIÃO, órgão oficial do Governo da Paraíba e veículodas diatribes do presidente João Pessoa Cavalcanti de Albuquerque com o advogado paraibano, João Duarte Dantas e demais adversários. O livro de Caitano, lançado pela Sal e Terra Editora, João Pessoa/PB - 2017, tem 205 páginas. Em que pese recheado de rebuscamentos grafológicos, o que torna, às vezes, ininteligível o texto, o escrito é rico em informações que há muito estavam guardadas no recôndito da conveniência dos vencedores. O livro trata, principalmente, da conjuminância dos fatos que resultaram no assassinato do presidente João Pessoa. Na página 18, o autor anota:

“Pois não é que o rumo da história mudou? Abruptamente, num minuto de loucura, de intolerância. A insensatez de João Dantas deu ensejo ao movimento ‘revolucionário’ já recolhido, que se encontrava enferrujado nos quartéis, asfixiado e desestruturado. Contudo, o talentoso advogado, em face de seu ato impensado, oriundo de emoção desvairada, alterou a ordem dos acontecimentos políticos do país”.

Além do foco no assassinato de João Pessoa, são várias as páginas que tratam dos acontecimentos que antecederam a Guerra de Princesa. Na obra, José Caitano, por demais isento, narra as anotações de Osias Gomes sem, portanto, se deixar levar pelo facciosismo do autor do Diário. Na página 45, o autor reputa a sedição de Princesa como “(...) o episódio mais atrevido da história paraibana: a guerra de Princesa. Essa durou de fevereiro de 1930 até o assassinato do presidente (26.07.1930)”.Na página 79, anota, sobre Princesa: (...) pedaço de terra mais aguerrido de que se tem conhecimento na história da Paraíba”.

Nas páginas 63 a 68, Caitano, discorre sobre a formação da famigerada chapa eleitoral para a disputa das vagas de deputados federais e senador nas eleições de 1º de março de 1930.A formação dessa chapa foi o pomo da discórdia, ou melhor, a “gota d’água”, quando o alijamento de João Suassuna de sua formação,o que estimulou o rompimento do coronel José Pereira Lima com o presidente João Pessoa. O escritor dá uma atenção especial à visita eleitoral de João Pessoa a Princesa, quando realça a determinação do presidente paraibano em busca de seus objetivos, e da sua arrogância naquele momento em que, na qualidade de candidato à vice-presidência da República, se ungia de tal importância que pouco se incomodava em ferir ou não as suscetibilidades alheias (leia-se do Coronel Zé Pereira). Quanto ao périplo eleitoral do presidente da Paraíba, particularmente sua ida ao reduto que havia desprestigiado , o autor reproduz o diálogo – contido no Diário de Osias Gomes -, do Secretário de Segurança Pública, José Américo de Almeida, com o presidente paraibano quando saíam de Monteiro em direção a Princesa:

“- Como é? Vamos mesmo a Princesa?

Olhou-me admirado da pergunta. Com a voz alterada pelos balanços do carro que saltava no cascalho, ponderei.

- Pensei que não fosse.

Ele fungou e virou-se bruscamente para mim:

- Não vejo motivo. Nem abriria exceção”.

 

José Caitano narra com detalhes a visita do presidente João Pessoa a Princesa, sobre a calorosa recepção, cidade toda “engalanada de encarnado”(cor da Aliança Liberal), banquetes, Banda de Música, discursos, etc. Reproduz, inclusive, um comunicado feito por João Pessoa, logo após seu retorno à Capital paraibana, ao deputado gaúcho, Araújo Lima:

 

“Cheguei a Princesa a 19 de fevereiro, sendo recebido a 9 Km por um grande cortejo de automóveis e nela com retumbantes festas. A cidade estava toda engalanada de encarnado. Senhoras e senhoritas vestiam de encarnado ou quando não, traziam como os homens distintivos dessa cor”.

 

Segundo o autor, quando da visita de João Pessoa a Princesa, Zé Pereira já sabia dos nomes escolhidos para concorrer na chapa oficial e que, o ex-presidente João Suassuna, estava definitivamente excluído desse rol. Mesmo assim: “Para quem havia sido tratado pela alcunha de cangaceiro, Zé Pereira ofereceu o contrário do que se esperava: mesmo contrariado com as atitudes adotadas pelo Presidente, reagiu com doçura; foi fidalgo: concedeu conforto e segurança ao ilustre visitante”. Nesse capítulo, o autor trata também de factoide criado pelos assessores do presidente João Pessoa, por ocasião da visita presidencial a Princesa - o que foi sempre alimentado pelo Chefe de Polícia da Capital paraibana -, Ademar Vidal, de que o coronel Zé Pereira havia trancado a porta, por fora, do quarto onde dormiu o presidente paraibano. Nesse particular, Caitano faz justiça à verdade. Na página 70, anota, sobre o fechamento da porta do quarto do presidente: “Segundo Ademar Vidal: ‘para concluir que se tratava de fazê-lo prisioneiro, ou matá-lo’. José Américo, no entanto, suavizou: ‘Tenho que foi, ao contrário, uma medida de prudência, com receio de atentado’. Na verdade, pelo que sabemos, não foi uma coisa nem outra. Em seu livro, o filho do coronel José Pereira, Aloysio Pereira Lima, informa que essa famigerada porta nunca foi fechada a chave. Na página seguinte, o autor reproduz uma carta pública, escrita por João Dantas e publicada no periódico pernambucano “Jornal do Commercio”:

 

“(...) e o recente, recentíssimo, daquela noite indormida, passada em Princesa, em que, nos suores frios de um pesadelo, te superaste [João Pessoa] trancado a chave por José Pereira, irremediavelmente destinado à sangria e deixaste em deplorável estado os alvíssimos lençóis de quem fidalgamente te hospedara”.

 

O excerto acima, da carta de João Dantas, também se constitui uma falácia. Naquela noite, o presidente João Pessoa não sofreu nenhuma incontinência intestinal. O cerne desse escrito de Caitano é o contido no Diário Secreto de Osias Gomes. E o que de mais emblemático consta nele, éo anúncio da inesperada viagem do presidente João Pessoa à capital pernambucana, no dia 26 de julho de 1930. Embora várias outras versões indiquem o contrário, Gomes, afirma, em suas anotações que a ordem de anunciar a viagem presidencial no órgão oficial do Estado[A UNIÃO], partiu do próprio João Pessoa:

 

“Com destino ao Recife, viaja hoje o sr. Presidente João Pessoa, que, na vizinha metrópole do sul, vae visitar o seu amigo particular dr. Cunha Mello, juiz federal de Pernambuco e que se acha convalescente após a intervenção cirúrgica a que se submettêra. A demora do chefe do governo será muito curta. Hontem, às 18 horas, ocorreu em Palacio a solenidade da transmissão do poder ao vice-presidente, dr. Álvaro de Carvalho”.

 

Osias Gomes afirma ainda que tudo o que se publicava no jornal A UNIÃO, passava pelo crivo do presidente, principalmente, os ataques desferidos aos seus adversários como os que se destinavam ao advogado João Dantas: “A ordem era dele [João Pessoa].A matéria era dele e não raro as próprias expressões de revide...”.Na página 100, Caitano faz observação que reputa à nota do jornal, o palito de fósforo que acendeu a chama do estopim que provocou a eclosão do movimento “revolucionário” (sic):

 

“Embora o movimento ‘revolucionário’ fervilhasse nos quartéis e também nos bastidores civis, se o presidente João Pessoa não tivesse sido assassinado, entraria para a história como fogo de monturo. Mas, uma vez publicada a nota dando ciência da ida do presidente a Recife, não há dúvida: o jornal ‘A União’ mudou o curso da história. Radicalmente. Com isso, tornara-se o marco inicial, a pedra fundamental do processo ‘revolucionário’. Sem a delação jornalística, João Dantas jamais poderia atirar, nem mesmo na sombra do desafeto”.

 

Os assessores palacianos sabiam quão temerária poderia ser a ida de João Pessoa ao Recife. Ali viviam exilados muitos dos inimigos do presidente paraibano. João Pessoa no Recife era um acinte aos seus desafetos e um prato cheio para os que buscavam motivos para fazer renascer os ímpetos revolucionários. Não somente a notícia do jornal, mas também a morte de João Pessoa, era também anunciada. Igual à viagem a Princesa, auxiliares de João Pessoa o admoestaram quanto aos perigos que correria indo à capital pernambucana. No livro em tela, nas páginas 103 e 104, o autor reproduz alerta de Ademar Vidal sobre o perigo da viagem:

 

“- Mas, Presidente, seria bom adiar essa viagem.

Meio ríspido e algo alterado, disse-me:

- Essa é a cantiga do Osvaldo (seu irmão caçula) e de todos que me cercam. Os senhores não pensam noutra coisa? Acabem com isso. Não há necessidade de cuidados. Meus inimigos são muito covardes. Eu vou sozinho, para que sintam que não sou o homem que eles julgam. E não quero ninguém atrás de mim! Não me exponham ao ridículo”.

 

Segundo o autor, os ataques, através da imprensa oficial do estado da Paraíba, ao advogado João Dantas, se exacerbaram quando do conhecimento, pelo presidente Pessoa, de que Dantas estava ligadíssimo ao coronel José Pereira e que, além de haver passado uma semana em Princesa, articulava a criação de uma Coluna de guerrilheiros para atacar a Paraíba pelo flanco norte, partindo do estado do Rio Grande do Norte. O ódio presidencial ao advogado exilado em Recife, culminou com o arrombamento do escritório deste, o que provocou a consequência fatal: o assassinato de João Pessoa.

 

Esse livro de José Caitano, traz informações que, se já conhecidas, não tinham ainda o carimbo homologatório. Durante anos imputaram a Osias Gomes a iniciativa de informar a viagem do presidente paraibano a Recife, à revelia deste. Com o Diário, escrito de próprio punho, Gomes, reafirma que a ordem partiu do próprio João Pessoa. É, portanto, essa obra, de grande importância para os que se interessam pelos fatos históricos de 1930. Leitura indispensável.

 

José Caitano de Oliveira nasceu na cidade de Cajazeiras, alto sertão da Paraíba. Filho de Fernando Simão de Oliveira e de dona Bernadete Caitano de Oliveira, obteve sua formação fundamental no Colégio Estadual de Cajazeiras, sob a direção do Monsenhor Vicente de Freitas. No ano de 1976, mudou-se para Campina Grande, a fim de concluir o 2º grau; o que aconteceu no Colégio Estadual da Prata. Aprovado no vestibular de Ciências Jurídicas e Sociais, no ano de 1978, fixou residência em João Pessoa. Casado, é pai de quatro filhos. É representante sindical da categoria dos bancários. Exerce atividade advocatícia nas áreas cível e trabalhista, há 35 anos, na Paraíba. É autor de mais seis títulos literários.

DSMR, em 14 de abril de 2021.

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