O DIÁRIO SECRETO DE
OSIAS GOMES: A morte anunciada de João Pessoa.
JOSÉ CAITANO DE OLIVEIRA
No início dos anos 2000, o neto de Osias Nacre Gomes, Cleanto
Gomes, confiou ao escritor cajazeirense, José Caitano de Oliveira, o “Diário Secreto”
de seu avô. Osias Gomes, foi peça importante no quebra-cabeças dos acontecidos
de 1930. Naquele momento histórico, Osias, era o diretor do jornal,A UNIÃO, órgão oficial do Governo da
Paraíba e veículodas diatribes do presidente João Pessoa Cavalcanti de
Albuquerque com o advogado paraibano, João Duarte Dantas e demais adversários.
O livro de Caitano, lançado pela Sal e Terra Editora, João Pessoa/PB - 2017,
tem 205 páginas. Em que pese recheado de rebuscamentos grafológicos, o que
torna, às vezes, ininteligível o texto, o escrito é rico em informações que há
muito estavam guardadas no recôndito da conveniência dos vencedores. O livro
trata, principalmente, da conjuminância dos fatos que resultaram no assassinato
do presidente João Pessoa. Na página 18, o autor anota:
“Pois não é que o rumo da história
mudou? Abruptamente, num minuto de loucura, de intolerância. A insensatez de
João Dantas deu ensejo ao movimento ‘revolucionário’ já recolhido, que se
encontrava enferrujado nos quartéis, asfixiado e desestruturado. Contudo, o
talentoso advogado, em face de seu ato impensado, oriundo de emoção desvairada,
alterou a ordem dos acontecimentos políticos do país”.
Além do foco no assassinato de João Pessoa, são várias as
páginas que tratam dos acontecimentos que antecederam a Guerra de Princesa. Na
obra, José Caitano, por demais isento, narra as anotações de Osias Gomes sem,
portanto, se deixar levar pelo facciosismo do autor do Diário. Na página 45, o
autor reputa a sedição de Princesa como “(...)
o episódio mais atrevido da história paraibana: a guerra de Princesa. Essa
durou de fevereiro de 1930 até o assassinato do presidente (26.07.1930)”.Na
página 79, anota, sobre Princesa: (...)
pedaço de terra mais aguerrido de que se tem conhecimento na história da Paraíba”.
Nas páginas 63 a 68, Caitano, discorre sobre a formação da
famigerada chapa eleitoral para a disputa das vagas de deputados federais e
senador nas eleições de 1º de março de 1930.A formação dessa chapa foi o pomo
da discórdia, ou melhor, a “gota d’água”, quando o alijamento de João Suassuna
de sua formação,o que estimulou o rompimento do coronel José Pereira Lima com o
presidente João Pessoa. O escritor dá uma atenção especial à visita eleitoral
de João Pessoa a Princesa, quando realça a determinação do presidente paraibano
em busca de seus objetivos, e da sua arrogância naquele momento em que, na
qualidade de candidato à vice-presidência da República, se ungia de tal
importância que pouco se incomodava em ferir ou não as suscetibilidades alheias
(leia-se do Coronel Zé Pereira). Quanto ao périplo eleitoral do presidente da
Paraíba, particularmente sua ida ao reduto que havia desprestigiado , o autor
reproduz o diálogo – contido no Diário de Osias Gomes -, do Secretário de
Segurança Pública, José Américo de Almeida, com o presidente paraibano quando
saíam de Monteiro em direção a Princesa:
“- Como é? Vamos mesmo
a Princesa?
Olhou-me admirado da pergunta. Com a
voz alterada pelos balanços do carro que saltava no cascalho, ponderei.
- Pensei que não fosse.
Ele fungou e virou-se bruscamente
para mim:
- Não vejo motivo. Nem abriria
exceção”.
José Caitano narra com
detalhes a visita do presidente João Pessoa a Princesa, sobre a calorosa
recepção, cidade toda “engalanada de encarnado”(cor da Aliança Liberal),
banquetes, Banda de Música, discursos, etc. Reproduz, inclusive, um comunicado
feito por João Pessoa, logo após seu retorno à Capital paraibana, ao deputado
gaúcho, Araújo Lima:
“Cheguei a Princesa a 19 de
fevereiro, sendo recebido a 9 Km por um grande cortejo de automóveis e nela com
retumbantes festas. A cidade estava toda engalanada de encarnado. Senhoras e
senhoritas vestiam de encarnado ou quando não, traziam como os homens
distintivos dessa cor”.
Segundo o autor, quando
da visita de João Pessoa a Princesa, Zé Pereira já sabia dos nomes escolhidos
para concorrer na chapa oficial e que, o ex-presidente João Suassuna, estava
definitivamente excluído desse rol. Mesmo assim: “Para quem havia sido tratado pela alcunha de cangaceiro, Zé Pereira
ofereceu o contrário do que se esperava: mesmo contrariado com as atitudes
adotadas pelo Presidente, reagiu com doçura; foi fidalgo: concedeu conforto e
segurança ao ilustre visitante”. Nesse capítulo, o autor trata também de
factoide criado pelos assessores do presidente João Pessoa, por ocasião da
visita presidencial a Princesa - o que foi sempre alimentado pelo Chefe de
Polícia da Capital paraibana -, Ademar Vidal, de que o coronel Zé Pereira havia
trancado a porta, por fora, do quarto onde dormiu o presidente paraibano. Nesse
particular, Caitano faz justiça à verdade. Na página 70, anota, sobre o
fechamento da porta do quarto do presidente: “Segundo Ademar Vidal: ‘para concluir que se tratava de fazê-lo
prisioneiro, ou matá-lo’. José Américo, no entanto, suavizou: ‘Tenho que foi, ao contrário, uma medida
de prudência, com receio de atentado’. Na verdade, pelo que sabemos, não
foi uma coisa nem outra. Em seu livro, o filho do coronel José Pereira, Aloysio
Pereira Lima, informa que essa famigerada porta nunca foi fechada a chave. Na
página seguinte, o autor reproduz uma carta pública, escrita por João Dantas e
publicada no periódico pernambucano “Jornal
do Commercio”:
“(...) e o recente, recentíssimo,
daquela noite indormida, passada em Princesa, em que, nos suores frios de um
pesadelo, te superaste [João Pessoa] trancado a chave por José Pereira,
irremediavelmente destinado à sangria e deixaste em deplorável estado os
alvíssimos lençóis de quem fidalgamente te hospedara”.
O excerto acima, da
carta de João Dantas, também se constitui uma falácia. Naquela noite, o
presidente João Pessoa não sofreu nenhuma incontinência intestinal. O cerne
desse escrito de Caitano é o contido no Diário Secreto de Osias Gomes. E o que
de mais emblemático consta nele, éo anúncio da inesperada viagem do presidente
João Pessoa à capital pernambucana, no dia 26 de julho de 1930. Embora várias
outras versões indiquem o contrário, Gomes, afirma, em suas anotações que a
ordem de anunciar a viagem presidencial no órgão oficial do Estado[A UNIÃO], partiu do próprio João Pessoa:
“Com destino ao Recife, viaja hoje o
sr. Presidente João Pessoa, que, na vizinha metrópole do sul, vae visitar o seu
amigo particular dr. Cunha Mello, juiz federal de Pernambuco e que se acha
convalescente após a intervenção cirúrgica a que se submettêra. A demora do
chefe do governo será muito curta. Hontem, às 18 horas, ocorreu em Palacio a
solenidade da transmissão do poder ao vice-presidente, dr. Álvaro de Carvalho”.
Osias Gomes afirma
ainda que tudo o que se publicava no jornal A
UNIÃO, passava pelo crivo do presidente, principalmente, os ataques
desferidos aos seus adversários como os que se destinavam ao advogado João
Dantas: “A ordem era dele [João
Pessoa].A matéria era dele e não raro as
próprias expressões de revide...”.Na página 100, Caitano faz observação que
reputa à nota do jornal, o palito de fósforo que acendeu a chama do estopim que
provocou a eclosão do movimento “revolucionário” (sic):
“Embora o movimento ‘revolucionário’
fervilhasse nos quartéis e também nos bastidores civis, se o presidente João
Pessoa não tivesse sido assassinado, entraria para a história como fogo de
monturo. Mas, uma vez publicada a nota dando ciência da ida do presidente a
Recife, não há dúvida: o jornal ‘A União’ mudou o curso da história.
Radicalmente. Com isso, tornara-se o marco inicial, a pedra fundamental do
processo ‘revolucionário’. Sem a delação jornalística, João Dantas jamais
poderia atirar, nem mesmo na sombra do desafeto”.
Os assessores
palacianos sabiam quão temerária poderia ser a ida de João Pessoa ao Recife.
Ali viviam exilados muitos dos inimigos do presidente paraibano. João Pessoa no
Recife era um acinte aos seus desafetos e um prato cheio para os que buscavam
motivos para fazer renascer os ímpetos revolucionários. Não somente a notícia
do jornal, mas também a morte de João Pessoa, era também anunciada. Igual à
viagem a Princesa, auxiliares de João Pessoa o admoestaram quanto aos perigos
que correria indo à capital pernambucana. No livro em tela, nas páginas 103 e
104, o autor reproduz alerta de Ademar Vidal sobre o perigo da viagem:
“- Mas, Presidente, seria bom adiar
essa viagem.
Meio ríspido e algo alterado,
disse-me:
- Essa é a cantiga do Osvaldo (seu
irmão caçula) e de todos que me cercam. Os senhores não pensam noutra coisa?
Acabem com isso. Não há necessidade de cuidados. Meus inimigos são muito
covardes. Eu vou sozinho, para que sintam que não sou o homem que eles julgam.
E não quero ninguém atrás de mim! Não me exponham ao ridículo”.
Segundo o autor, os
ataques, através da imprensa oficial do estado da Paraíba, ao advogado João
Dantas, se exacerbaram quando do conhecimento, pelo presidente Pessoa, de que
Dantas estava ligadíssimo ao coronel José Pereira e que, além de haver passado
uma semana em Princesa, articulava a criação de uma Coluna de guerrilheiros para
atacar a Paraíba pelo flanco norte, partindo do estado do Rio Grande do Norte. O
ódio presidencial ao advogado exilado em Recife, culminou
com o arrombamento do escritório deste, o que provocou a consequência fatal: o
assassinato de João Pessoa.
Esse livro de José
Caitano, traz informações que, se já conhecidas, não tinham ainda o carimbo
homologatório. Durante anos imputaram a Osias Gomes a iniciativa de informar a
viagem do presidente paraibano a Recife, à revelia deste. Com o Diário, escrito
de próprio punho, Gomes, reafirma que a ordem partiu do próprio João Pessoa. É,
portanto, essa obra, de grande importância para os que se interessam pelos
fatos históricos de 1930. Leitura indispensável.
José Caitano de
Oliveira nasceu na cidade de Cajazeiras, alto sertão da Paraíba. Filho de
Fernando Simão de Oliveira e de dona Bernadete Caitano de Oliveira, obteve sua
formação fundamental no Colégio Estadual de Cajazeiras, sob a direção do
Monsenhor Vicente de Freitas. No ano de 1976, mudou-se para Campina Grande, a
fim de concluir o 2º grau; o que aconteceu no Colégio Estadual da Prata.
Aprovado no vestibular de Ciências Jurídicas e Sociais, no ano de 1978, fixou
residência em João Pessoa. Casado, é pai de quatro filhos. É representante
sindical da categoria dos bancários. Exerce atividade advocatícia nas áreas
cível e trabalhista, há 35 anos, na Paraíba. É autor de mais seis títulos
literários.
DSMR, em 14
de abril de 2021.
Nenhum comentário:
Postar um comentário