sexta-feira, 7 de maio de 2021

LER PARA ENTENDER A NOSSA HISTÓRIA

 




DOM SERTÃO, DONA SECA

OTÁVIO SITÔNIO PINTO

Sobrinho-neto do coronel José Pereira Lima, Otávio Augusto Pereira Sitônio Pinto, autor do livro: DOM SERTÃO, DONA SECA, 481 páginas, Editora Patmos – João Pessoa – 2016, lançado em 2ª edição, é princesense da gema e um dos intelectuais mais refinados da Paraíba. O Ensaio que ora resenhamos, foi lançado, em 1ª edição em 2003. Segundo o jornalista, Luiz Augusto Crispim: “É livro para se ler em praçapública, em tom de comício. Como faziam os gregos em suas eleições no Ágora”. Completa: “(...) não vai faltar quem o compare a ‘Os Sertões’ e a ‘Casa Grande & Senzala’. Na verdade, a proposta desta resenha não é a de analisar ou comentar o seminal ensaio de Otávio Sitônio Pinto. Não me vejo intelectualmente preparado para tanto. Nos ateremos a pequena parte dele. Aqui, trataremos apenas do contido na Quinta Parte do livro - A Saga que, a exemplo das referências de Euclides da Cunha, no antológico “Os Sertões” quando trata da Guerra de Canudos, Sitônio Pinto faz referência à Guerra de Princesa, inserindo aquele movimento insurrecional no contexto do seu trabalho sobre o semiárido brasileiro, que ele denomina de Sair – Semiárido Irregular.

Num realce da importância do conflito princesense que, segundo ele ajudou grandemente a desencadear a eclosão da Revolução de 1930 (a que Otávio chama de Golpe), o conterrâneo anota, nas páginas 221/222:

“As guerras de coronéis contra o poder estabelecido, sempre com o apoio da parentela e por motivos políticos e/ou econômicos. (...) e a guerra do Território Livre de Princesa, que espoletou o Golpe de 1930. Esta última [a de Princesa] teve um componente nacionalista: a resistência do capitalismo regional (liderado pelos Pessoa de Queiroz) e local (liderado por José Pereira e João Suassuna) ao trust multinacional do algodão – o cartel que englobava Machine Cotton, Sanbra e Anderson, Clayton, cujos interesses eram defendidos pelo governo estadual”.

Na página 226, Sitônio Pinto, dá uma pista sobre o relacionamento amigável do coronel José Pereira com o padre Cícero Romão Batista, do Juazeiro, o que justifica, mais tarde, as negociatas, entre ambos, para o recrutamento de homens para a luta de Princesa contra o governo paraibano. Com relação à posição do coronel Zé Pereira quanto ao Cangaço, Sitônio Pinto, na qualidade de parente próximo do caudilho sertanejo, evoca situações em que sai beneficiado, o coronel, em socorro da vexatória situação em que lhe colocou, Lampião, em entrevista concedida em 1926, quando de sua estada em Juazeiro/CE. Na página 253, o autor, escreve:

“O coronel de Princesa tinha seu próprio convênio com a polícia de Pernambuco, ‘firmado’ com o chefe da repressão ao banditismo [cangaceiros], sediada em Villa Bella, coronel Teófanes Ferraz Torres (que capturou Antônio Silvino), e outros oficiais da luta contra o Cangaço. A força mais ou menos privada de Princesa podia adentrar o estado de Pernambuco e policiava a região do Navio periférica a Serra Talhada (Villa Bella)”.

Sobre a Guerra de Princesa, Sitônio Pinto dedica todo o Capítulo XXV, que começa pela página 297: “A sedição de Zé Pereira levou João Dantas a matar João Pessoa, detonando o Golpe de 30”. Nomina o conflito de “A Guerra do Algodão”, justificando os principais motivos com base na economia e na política. Elege como fatos provocadores do conflito, o arrocho fiscal promovido pelo presidente João Pessoa e a preterição do ex-presidente, João Suassuna, na composição da chapa que concorreria aos cargos eletivos proporcionais, nas eleições de 1º de março de 1930. Segundo o autor, na página 298:

“A política  fiscal que discriminava as exportações do algodão paraibano para Pernambuco vinha em benefício das empresas algodoeiras estrangeiras – Machine Cotton, Sanbra e Anderson, Clayton – e atendia, ainda, a uma briga íntima, de família: João Pessoa Cavalcanti de Albuquerque, presidente da Paraíba, conservava ressentimentos contra seus primos Pessoa de Queiroz, industriais do algodão em Pernambuco, que pleitearam junto ao seu tio Epitácio Pessoa, ex-presidente da República, a indicação de um Pessoa de Queiroz para a presidência da Paraíba. Epitácio preferiu outro sobrinho, João Pessoa Cavalcanti de Albuquerque, e este não perdoou os primos Pessoa de Queiroz pela disputa à sucessão paraibana dentro da ‘convenção’ familiar”.

Como é sabido, essas brigas todas, familiares e econômicas, culminaram com a Guerra de Princesa e, consequentemente com o assassinato de João Pessoa, o que mais tarde seria, a culpa, imputada ao tio Epitácio Pessoa. Na página 299, o autor reproduz excerto de depoimento dado por João Pessoa de Queiroz, ao seu genro, Joaquim Inojosa de Andrade: “O responsável pela morte de Joca [João Pessoa] é única e exclusivamente o Dr. Epitácio, porque sendo Joca um doente semilouco, jamais deveria tê-lo empregado como Presidente da Paraíba”.

Reproduzimos parte do contido na página 300 do livro em tela, dando conta das indisposições já havidas entre o coronel José Pereira e o presidente João Pessoa. Nesse caso, Sitônio Pinto faz questão de realçar que não foi um único motivo o causador do rompimento político entre o líder princesense e o governador da Paraíba. Desde a indicação de Pessoa como candidato a presidente da Paraíba, já não se bicavam, não se toleravam e não perdiam oportunidade de discordarem entre si:

“As relações de João Pessoa - José Pereira de há muito vinham estremecidas. Um dos incidentes que veio contribuir para o desgaste entre os dois políticos foi a recusa de José Pereira (deputado estadual), em aceitar a exclusão da frase ‘em nome de Deus’, presente na Constituição da Paraíba. João Pessoa e Epitácio (ambos positivistas), queriam retirar essa invocação piedosa do texto constitucional, na nova carta organizada pelo próprio Epitácio. João Pessoa chegou a cobrar de José Pereira sua amizade a Epitácio, exigindo-lhe a mudança de sua atitude filosófica, ao que o caudilho de Princesa respondeu: ‘Antes de ser amigo de Epitácio, sou temente a Deus’”.

No relato sobre a visita do presidente João Pessoa a Princesa, em 19 de fevereiro de 1930, Sitônio Pinto traz à baila assunto que foi tabu durante muitos anos.: a relação do coronel de Princesa com Nominando Muniz Diniz. Em face das brigas entre as duas famílias (Pereira e Diniz), nas lides políticas de Princesa, sempre se comentavam, alguns assuntos, de forma particular, a boca pequena. No livro, o autor se refere a um importante acontecido quando da estada do presidente paraibano em Princesa:

“Só um incidente negativo aconteceu em Princesa durante a visita de João Pessoa: o comerciante Nominando Muniz negou-se a vender gasolina para o carro de João Porteira (sic), dizendo que ‘não forneceria gasolina a um déspota’, indignado com o arrocho fiscal decretado pelo governo. A comitiva nunca soube do incidente, pois José Pereira mandou buscar algumas caixas de gasolina no estabelecimento de Sebastião Medeiros. Na oportunidade do golpe, Nominando Muniz se apresentou aos vitoriosos como sendo vítima de José Pereira, e foi elevado à condição de gauleiter da cidade”.

Interessante observar, que Otávio Sitônio Pinto, parente do coronel, adota a prática dos “Pereiras” antigos em suprimir o sobrenome “Diniz”, que era também deles, numa negativa proposital de parentesco distante. Ainda nesse contexto de lavagem da roupa suja política, o autor discorre sobre o que o escritor princesense, Sebastião Lucena, chama de “a traição de Nominando”. Na página 309, Sitônio Pinto anota:

“José Pereira tinha informantes em várias cidades, inclusive Santana dos Garrotes, de onde mandava informações, Joaquim Sérgio Diniz, amigo do coronel. Depois do golpe, o cofre de José Pereira foi arrombado para a retirada das cartas comprometedoras do eficiente espião”.

Dando importância merecida à saga princesense, o autor reproduz verbete contido na Enciclopédia Mirador Internacional, São Paulo, Encyclopedia Britannica do Brasil, 1993, Paraíba, 1.58, vol. 16, p. 8585: “A cidade de Princesa Isabel, chefiada por José Pereira Lima (1884-1949), declarou-se Território Livre e resistiu às tropas do governo estadual, incapaz de dominá-la”.Quanto à ameaça do bombardeio de Princesa (06/07/1930) por parte do Governo da Paraíba, Sitônio Pinto escreve: “Princesa, Tavares, Misericórdia [Itaporanga], São Boaventura e Piancó (base aérea e sede do Estado Maior da Polícia na Guerra do Algodão) no Sair da Paraíba, foram as primeiras cidades do Brasil (quiçá da América) a conhecer guerra aérea; dois anos depois, o fenômeno se repetiria na Revolução Paulista”.

Além da abordagem sobre o conflito que envolveu Princesa, no livro, Otávio Augusto, pontua também sobre suas origens familiares quando muitas informações traz sobre a árvore genealógica da família Pereira, além da rememoração de fatos que envolveram aquele período histórico. Dom Sertão, Dona Seca, é obra indispensável para o conhecimento do semiárido brasileiro, pura ciência geográfica e importante estudo sobre o clima da nossa região, mas traz também muitas informações acerca da história recente de Princesa.

Otávio Augusto Pereira Sitônio Pinto nasceu em Princesa, em 06 de maio de 1945, filho de Otávio Pinto e de dona Carmélia Pereira Sitônio Pinto. Sua mãe era sobrinha do coronel e deputado estadual, José Pereira Lima, que proclamou o Território Livre de Princesa, “estopim do Golpe de 1930”. Bacharelou-se em Direito, mas nunca exerceu a profissão. Dedicou-se à agricultura como administrador da fazenda da família. Auditor Fiscal, aposentou-se nessa profissão. Foi dirigente sindical; exerceu a atividade de jornalista e de publicitário nas praças do Recife e de Brasília. Criador dos slogans: “Onde o Sol Nasce Primeiro” (marca da Paraíba) e “Lula-lá” (não lhe foi dado o crédito deste último).É autor de sete livros e de vários artigos veiculados pela imprensa brasileira. É membro da Academia Pessoense de Letras, da Academia Paraibana de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico da Paraíba. Atualmente reside em João Pessoa/PB.

DSMR, em 06 de maio de 2021.

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