quarta-feira, 16 de junho de 2021

LER PARA CONHECER A NOSSA HISTÓRIA

 



1930 – OS ÓRFÃOS DA REVOLUÇÃO

DOMINGOS MEIRELLES

A caudalosa obra de Domingos Meirelles: 1930 – OS ÓRFÃOS DA REVOLUÇÃO, 764 páginas – Editora Record – São Paulo – 2006, versa sobre os acontecimentos de 1930. No entender dos editores, “(...) O livro não se propõe a analisar os desdobramentos históricos do levante, mas a questionar o discurso que legitimou a versão dos vencedores”, e que “A efeméride de outubro não foi uma insurreição popular, mas um golpe de Estado liderado por uma fração da oligarquia dominante em litígio com o chefe da nação”. Encerrando 50 capítulos, o livro de Domingos Meirelles, dedica uma dessas partes, o capítulo 39, exclusivamente à participação de Princesa naquele importante evento nacional. A partir da página 498 até a 509, sob o título: ”A Revolta de Princesa”, o autor discorre, de forma sucinta, mas bastante explicativa sobre os fatos que antecederam e se sucederam à Revolução de 30, contextualizando Princesa.

Já no prefácio, encontramos uma interessante coincidência. Como é sabido, a indicação de João Pessoa Cavalcanti de Albuquerque, pelo tio Epitácio Pessoa, para a presidência do estado da Paraíba, em 1928, foi, para muitos, uma tragédia anunciada. Na página 19 do trabalho de Meirelles, nas letras de Alcione Araújo, prefaciador do livro, encontramos:

“Nascido na cidade fluminense de Macaé, com carreira política em São Paulo, Washington Luís foi o candidato da política do café-com-leite, pacto que selou o revezamento no poder de representantes das oligarquias de Minas Gerais e São Paulo que mantinham inamovível status quo. Seu programa de governo, anunciado por Otávio Mangabeira, foi: “Vosso programa sois vós! ” – Paráfrase de L’État c’est moi. Eleito, quando preparava viagem à capital Federal e sugeriram-lhe mudar os hábitos paulistanos no calor carioca, reagiu: “Então, o clima é que terá que mudar...” – mais que Luís XIV, via-se como uma verdadeira epifania. Eram os primeiros momentos de uma deposição prenunciada”.  

Pelo que vemos, dois dos protagonistas da história contada nesse trabalho - antagonistas nas ações que o ilustram -, estavam, ambos, fadados à queda; um pela morte (João Pessoa) e, o outro, (Washington Luís), pela deposição. Na página 499, o autor, além de expor um quadro geral da situação do Estado, informa que a Guerra de Princesa, fruto de motivos vários, já começou no início da administração de João Pessoa Cavalcanti de Albuquerque:

“As sementes da revolta começaram a brotar logo que Pessoa assumiu a presidência da Paraíba, em 22 de outubro de 1928. A situação econômica do Estado era caótica, os salários do funcionalismo estavam havia seis meses atrasados, e fornecedores reclamavam pagamento de serviços prestados no valor de 1.800 contos de réis. As obras públicas estavam paradas, a dívida flutuante chegava a cerca de 5 mil contos. O Estado estava quebrado. Não havia dinheiro para movimentar a máquina administrativa e honrar compromissos assumidos pelo antecessor”.

Diante desse quadro, João Pessoa passou a publicizar a caótica situação financeiro-administrativa do Estado, o que exacerbou os ânimos dos aliados de seu antecessor, João Suassuna. O coronel José Pereira Lima, amigo e compadre de Suassuna, além de já não simpatizar com o novo presidente, ficou ressabiado com as novas atitudes do governante. Para completar, a implementação da nova política tributária penalizou sobremaneira a hegemonia sertaneja no comércio do Estado. “Indiferente aos chefes sertanejos e à expressão de suas famílias”, o novo presidente promoveu o rompimento das ligações comerciais entre a praça pernambucana (Recife) e os fornecedores e consumidores locais. Isso demonstra que não foi somente a exclusão de João Suassuna e mais alguns amigos, da chapa que concorreria às vagas ao Congresso Nacional, nas eleições de 1º de março de 1930, que provocou o rompimento político do coronel de Princesa com o presidente João Pessoa. Na página 500, o autor exemplifica algumas mudanças na tributação, o que tornava proibitivo o comércio a partir do interior do Estado:

“Alguns exemplos: o querosene que entrasse na Paraíba pelo porto de Cabedelo sofria taxação de 3% sobre o imposto antigo; se viesse pelo interior, a majoração chegava a 40%. No caso da estopa, a tributação era ainda mais perversa: 80% sobre o preço de venda ao consumidor. Pessoa tornara praticamente inviável o comércio das principais cidades sertanejas com outros Estados, ignorando laços econômicos que vinham desde o Segundo Reinado”.

Esse novo sistema tributário, que foi mais tarde anulado pela Justiça, penalizava e condenava os coronéis à ruína. Infenso aos protestos dos correligionários, que nele depositaram seus votos em 1928, João Pessoa respondia com rispidez: “os descontentes que se mudem para o Ceará ou Pernambuco”. Não bastasse o ônus tributário, o presidente promoveu também, sob a alegação de que “a lei era para todos”, o desarmamento dos chefes políticos do interior da Paraíba. Designou soldados de polícia para vasculharem as propriedades dos grandes chefes políticos rurais, acusados também de coiteiros do Cangaço, “à procura de garrunchas, revólveres, espingardas e carabinas”. Essa determinação de buscas era, na verdade, endereçada principalmente, ao coronel José Pereira e aos seus principais aliados: Os Dantas de Teixeira e os Santa Cruz de Monteiro.

Na esteira dessas ações que fustigavam os amigos de Epitácio Pessoa, o presidente da Paraíba, em campanha como candidato a vice-presidente da República, na chapa encabeçada por Getúlio Vargas, (as eleições aconteceriam em 1º de março de 1930), visitou Princesa em 18 de fevereiro daquele ano. Bem recebido por Zé Pereira, mesmo assim, João Pessoa não tratou de política com o coronel, ferindo o orgulho do anfitrião quando, além de haver excluído o nome de João Suassuna da chapa proporcional, sequer comunicou, o que se constituiu séria grosseria com o coronel, encontramos, na página 501:

“No dia 18 de fevereiro de 1930, Pessoa visitou o município de Princesa. Mesmo ferida no seu orgulho, a pequena cidade o recebera ‘com bailes, banquetes e discursos’. Rico produtor de algodão, que sofrera perdas significativas com a reforma tributária, o coronel José Pereira foi um anfitrião impecável. Atencioso, gentil e hospitaleiro, chegou a organizar ‘um bota-fora animado’ quando Pessoa lhe comunicou que pretendia regressar à capital na manhã de sábado, 22 de fevereiro, para ‘comemorar em família as bodas de prata do seu casamento”. “Ao deixar a cidade, o presidente cometeu indelicadeza injustificável. Evitou conversar com o chefe político de Princesa sobre os candidatos que, nas eleições de março, deveriam integrar a bancada da Paraíba no Congresso Nacional, transferiu a tarefa para seu ajudante-de-ordens. O coronel sentiu-se humilhado. Além de não ser consultado, ainda recebera a lista com os nomes escolhidos através de um auxiliar de segundo escalão”.

24 horas depois da visita presidencial, José Pereira expediu telegrama rompendo com João Pessoa. Este, surpreso com a notícia, pediu confirmação ao coronel. Em novo telegrama confirmando o despacho anterior, acrescido de outros motivos que o levaram a tomar aquela definitiva decisão, o coronel de Princesa justificou o rompimento: “humilhantes e ofensivas referências que V. Exa. Fez minha pessoa, ocasião reunião comissão executiva”. No final da mensagem telegráfica, Zé Pereira afirmou que estaria pronto para defender Princesa e aos seus amigos. João Pessoa respondeu, encerrando: “Quanto à ameaça final do seu telegrama deve compreender que ela não me atemoriza. E, quanto ao mais, julgue como sua consciência determinar”. Era a declaração de guerra.

Com o apoio dos maiores empresários do Recife – os Pessoa de Queiroz, primos e desafetos do presidente paraibano -, e dos governadores dos estados de Pernambuco (Estácio Coimbra), do Rio Grande do Norte (Juvenal Lamartine) e do Ceará (José Carlos de Matos Peixoto), o coronel José Pereira enfrenta a polícia da Paraíba, recebendo apoio também do Governo Federal e do presidente eleito da República, Júlio Prestes. No dia 09 de junho de 1930, Zé Pereira proclama, através de Decreto, o “Território Livre de Princesa”, separando do estado da Paraíba, o município de Princesa.

Não bastasse o conflito armado em que se debatia em desvantagem, João Pessoa sofre mais um baque quando a Comissão Verificadora da Câmara dos Deputados, resolve diplomar e dar posse aos deputados da Aliança Liberal, aliados de José Pereira, que foram derrotados nas últimas eleições, em detrimento dos que foram eleitos. Essa manobra eleitoral fez os deputados empossados serem chamados, pela grande imprensa nacional, de os deputados de Princesa. Encontramos nas páginas 503 e 504:

“Em maio (1930), a Comissão de Reconhecimento da Câmara Federal degolara todos os candidatos eleitos indicados pelo presidente da Paraíba. Apesar do protesto das bancadas de Minas e do Rio Grande, apenas ‘os deputados de Princesa’, como eram chamados pela imprensa, foram diplomados e empossados. A derrota que o Congresso impusera a Pessoa deu novo alento a seus desafetos. Num gesto de audácia, Zé Pereira viola o ordenamento constitucional e decreta a independência provisória de Princesa, que passava a ter hino e bandeira. Com o desmoronamento progressivo da autoridade do governador, pairava sobre o Estado o espectro da intervenção federal”. 

A guerra civil paraibana foi um fato que repercutiu na grande imprensa nacional e até no estrangeiro. Reverberou no Congresso Nacional e era assunto corriqueiro em todas as reuniões populares no Rio de Janeiro, então capital Federal. Mas foi no âmbito do cenário do conflito que proliferaram as principais notícias, no mais das vezes, contidas de inverdades. Registrado na página 505 do livro de Meirelles:

“’Está próxima a rendição de Princesa!’, anunciava O Jornal, que fazia campanha contra o levante. (...) Parte da imprensa pernambucana defendia os insurretos: ‘Não é verdade que (...) estejam saqueando e depredando. (...) Pelo contrário, estão defendendo as propriedades dos seus correligionários ameaçadas pelo governo’, enfatizava o Jornal do Commercio do Recife, ao sustentar que ‘assaltos, incêndios e depredações há muito vêm sendo praticados, mas pela polícia, em sua retirada’. (...) a linguagem dos jornais era agressiva, insultuosa, sem nenhum compromisso com a verdade; chegou-se a anunciar que o governo contratara o Graf Zeppelin para bombardear os redutos de Zé Pereira”.

Na página 506, Meirelles, concede letras a uma verdade histórica: a de que a Guerra de Princesa teve sim, influência fundamental para a eclosão da Revolução de 1930. Escreve, o autor:

“Natural da cidade de Teixeira, onde a família possuía grandes propriedades rurais, Dantas colocara-se desde o início do conflito ao lado do chefe político de Princesa. Com o agravamento das escaramuças, acusado [João Dantas] de conspirar em favor de Zé Pereira, foi aconselhado a deixar a Paraíba. Mudou-se para Pernambuco ao ver expedida contra ele ordem de prisão sem amparo legal. Vivia na casa de um cunhado, em Olinda, quando soube que seu escritório fora varejado sem mandado judicial”.

É saber de todos os que conhecem a história, que as perseguições políticas do presidente João Pessoa contra o advogado João Dantas, culminaram com o assassinato do primeiro pelo segundo, em 26 de julho de 1930, o que acendeu o estopim do movimento revolucionário, ao qual o autor do livro, ora resenhado, chama de golpe militar o levante ocorrido em 03 de outubro daquele fatídico ano. No bojo de todos esses acontecimentos, figura Princesa como um dos protagonistas de primeira linha.

Esse trabalho do escritor carioca – obra por demais abrangente sobre o tema – é leitura necessária para maior ilustração sobre aquele momento tão importante da história princesense, paraibana e nacional.

Domingos Meirelles – um dos mais premiados jornalistas da imprensa brasileira – nasceu no Rio de Janeiro. Iniciou-se na profissão na velha Última Hora, da Praça da Bandeira, e trabalhou em seguida nas revistas Cláudia, Quatro Rodas e Realidade. Passou pelas redações de O Jornal, O Globo, Jornal da Tarde e O Estado de São Paulo. Em 1985, entrou para a Rede Globo de Televisão como repórter especial, com dezenas de trabalhos realizados em toda a América Latina. Foi para o SBT em 1996, retornando à Rede Globo em 1999. Foi apresentador do programa Linha Direta desde agosto de 2000. É autor de Repórteres (obra coletiva) e do excelente livro:  As noites das grandes fogueiras: uma história da Coluna Prestes, que recebeu o Prêmio Jabuti, em 1996 na categoria Reportagem.




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