ILDEFONSO AUGUSTO DE
LACERDA LEITE nasceu
na então Villa cearense de São Vicente das Lavras em 08 de janeiro de 1876. Era
filho de Luiz Leônidas de Lacerda Leite e de dona Joana Augusto Leite, que era
filha do major Ildefonso Correia Lima e da famosa “coronela” do sul cearense,
dona Fideralina Augusto Lima. Casou-se com a princesense Dulce Florentino
Campos, com quem teve uma filha de nome Cecília. Ildefonso criou-se na fazenda
“Peba” de propriedade da sua avó materna, dona Fideralina. Ali aprendeu as
primeiras letras. Aos 13 anos de idade foi matriculado no Seminário São José da
cidade do Crato/CE e lá estudou o curso primário. Concluído o ensino básico,
seguiu para Fortaleza sendo matriculado no Seminário Episcopal da capital
cearense onde estudou humanidades e iniciou os estudos secundários. Após divergências
com os diretores do Seminário, Ildefonso foi transferido para o Liceu do Ceará,
onde concluiu seus estudos secundários em 1894. Finda essa etapa estudantil,
partiu para o Rio de Janeiro onde se diplomou em Medicina e Farmácia, cursos
que concluiu em 1899. Em janeiro de 1900, defendeu sua tese de doutoramento: Análise de Filosofia Natural, na
Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro,
especializando-se em Bacteriologia e Infectologia.
Chegada a Princesa
Já formado, doutor Ildefonso voltou ao Ceará e passou alguns dias na fazenda de sua avó. Sabedor da ocorrência de uma epidemia de Febre Amarela (provocada pela picada do mosquito stegomya fasciata) que grassava na Paraíba, partiu para a cidade de Cajazeiras/PB, onde passou algum tempo a tratar os doentes daquela comuna. Com a notícia de que o mal se fazia muito maior na Villa de Princesa, resolveu Ildefonso, partir para aquele burgo onde sabia não existir médico algum. Chegado a Princesa, em fins de 1900, o médico cearense instalou-se em um sobrado no centro da Villa e estabeleceu também ali o seu consultório médico e o seu laboratório de manipulação. Em que pese sua condição de maçom e ateu e o forte preconceito da época, Ildefonso, inicialmente conseguiu bom relacionamento com algumas pessoas do lugar. Mesmo na condição de agnóstico e anticlerical (o que herdara da avó Fideralina), frequentava a Igreja católica, uma vez serem os ofícios religiosos um dos poucos eventos sociais que ocorriam na atrasada Villa princesense. Foi na igreja que o médico conheceu Dulce Florentino Campos, filha do capitão Erasmo Alves Campos - rico comerciante da Villa – e de dona Belmira Florentino. Apaixonou-se pela moça logo que a conheceu. Pediu-a em casamento, no que foi aceito pelo pai e noivou em seguida. A partir daí começou o calvário de Ildefonso, pois, não sabia ele que um primo de Dulce, chamado Manoel Florentino de Andrade, conhecido por “Neco Florentino” e que era também o delegado da Villa, estava apaixonado por sua noiva numa relação doentia de amor platônico, não correspondido. A notícia do noivado de Dulce com o forasteiro despertou em Neco um ciúme mórbido, que se transformou em ódio incontido pelo médico cearense.
A tragédia
Noivo de Dulce e em preparação para o casamento, Ildefonso continuou clinicando em Princesa quando atendia a todos de forma indiscriminada, salvando pessoas daquela epidemia que já havia ceifado a vida de quase a metade da população. A dedicação do médico cearense era tanta que ele, muitas vezes, se deslocava para atender pacientes à domicílio e o que fazia de forma indiscriminada e gratuita, dando prioridade, principalmente aos pobres e desvalidos de quaisquer recursos. Com isso, Ildefonso tornou-se muito popular em Princesa. Malgrado seu dedicado trabalho em prol do salvamento de vidas, o ódio do delegado se exacerbava com a aproximação da data do casamento de Ildefonso com Dulce Campos. Amigo do delegado, o intrigante e maléfico vigário da paróquia “Nossa Senhora do Bom Conselho”, padre Manoel Raymundo de Nonato Pitta tentou desvanecer o doutor de continuar o noivado com a filha do capitão, entendendo que a moça deveria casar-se (mesmo à sua revelia), com o primo delegado. Em vão. O noivado continuou e o casamento aconteceu em 14 de março de 1901.
Com o enlace matrimonial consumado, Neco Florentino jurou
vingar-se daquele que, segundo ele, usurpara seu amor. Incentivado pelo padre e
com o apoio velado das autoridades princesenses, a trama começou a ser urdida
para tirar a vida do médico cearense. Mesmo sabendo do perigo que corria,
Ildefonso insistia em levar vida normal, tratando dos doentes, fabricando suas
meizinhas em seu laboratório e adotando a rotina social de sempre. Certo dia,
mais exatamente no dia 06 de janeiro de 1902, foi lavrado por seus inimigos o
decreto de sua morte. Idos à feira de Tavares (inclusive o padre), voltaram: o
delegado Neco Florentino e um dos filhos do major Feliciano Florêncio, José
Polycarpo, com a determinação feroz de assassinar o médico que salvava vidas na
desvalida Villa de Princesa. Nesse dia, às seis horas da tarde, quando o doutor
Ildefonso se dirigia, da casa de seu sogro para seu consultório, foi atacado
com uma punhalada nas costas desferida pelo delegado ciumento e, logo depois
foi fuzilado com vários tiros disparados por arma de fogo das mãos de José
Polycarpo. Pereceu o doutor caído sobre o lajedo ainda hoje existente, no
centro de Princesa (mais exatamente em frente à atual loja de Ernesto Mangueira).
A vingança que não houve
Morto o médico cearense, sua poderosa avó, dona Fideralina,
decidiu enviar homens armados a Princesa para vingarem a morte do neto. Sabedor
dessa intenção, o mandachuva da Villa, coronel Marcolino Pereira Lima, mandou
recado à “coronela” avisando que, caso tentasse invadir Princesa, haveria forte
resistência. Desvanecida pelos sensatos conselhos de amigos comuns, Fideralina
desistiu da vingança, mandando poucos meses depois da tragédia, buscar o corpo
do neto que havia sido sepultado em cova rasa no cemitério de Princesa para
onde foi conduzido em cima de uma escada, para ser, definitivamente sepultado
em sua terra natal, hoje chamada de Lavras da Mangabeira. Poucos meses após o
assassinato de Ildefonso, seus algozes morreram também, ironicamente acometidos
da famigerada Febre Amarela. Esse crime teve repercussões, tanto na Paraíba,
quanto nos estados do Ceará e de Pernambuco.
A impunidade
Mesmo com a grande influência da avó do desventurado
Ildefonso, o crime ficou impune e, por muito tempo, a Villa de Princesa mal
vista por aqueles que tomaram conhecimento da hediondez dos fatos. O padre
Pitta, acobertado pela Igreja Católica, homiziou-se no Palácio Episcopal da
Parahyba e depois foi ser vigário de uma inexpressiva paróquia do interior do
Ceará. Apesar de não haver nascido em Princesa, doutor Ildefonso Augusto de
Lacerda Leite que hoje é agraciado com seu nome denominando uma das ruas de
Princesa, está a merecer figurar na galeria dos filhos ilustres desta Terra
pelo muito que fez pela saúde dos pobres naquele início de século, quando a
população de Princesa era devastada por uma doença que, não fora aquele médico,
teria consumido muito mais vidas do que as que foram ceifadas. Somado a tudo
isso realçamos a disposição de vir para uma terra desconhecida com o intuito de
servir como o primeiro médico a aportar em Princesa e à coragem apresentada no
enfrentamento do preconceito desairoso que acabou com sua vida. Após a
tragédia, Dulce Campos, que estava grávida de oito meses, foi para a Vila de
Curral velho onde deu à luz sua filha Cecília, que faleceu precocemente aos 25
anos de idade. Como saldo dessa tragédia, constata-se que todos saíram perdendo,
principalmente Princesa que, além de ver-se privada do competente curador da
epidemia em momento tão difícil, viu demorada a sua reabilitação em face de ser
considerada a partir daí como uma Villa por demais violenta.
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