quinta-feira, 21 de abril de 2022

MEU MUNDO

Eu não tenho mãos finas nem sedosas

Uso roupas da grife ‘mei’ de feira

Meu perfume é da flor da catingueira

Meus passeios são nas serras pedregosas

Meu transporte não tem marcas luxuosas

A linguagem que eu uso é de matuto

Nesse meio fui posto, sou produto

Vou trilhando bem firme minha estrada,

Vitamina pra mim é imbuzada,

E a fruta de palma é o meu fruto.


Minha hora de acordar é manhazinha

Tem um galo que é meu despertador

Com auxílio dum golinha cantador

Que habita por aqui num pé de pinha.

Meu café tem cuscuz com uma graxinha

Tem inhame, batata e carne assada

Não me falta um prato de coalhada

E um rádio ABC pra dar notícia,

Outra vida pra mim é fictícia

A que eu levo não troco ela por nada.


Tem as flores com sua exuberância

Enfeitando o terreiro da morada

A vivenda esperando minha amada

Pra se encher de fervor e abundância.

Pelos cantos da casa tem fragrância

Exalando perfume de canela

Um desejo que me invade e me esfacela

Coração inundado de amor,

Tem moldura que tá no corredor

Pra um dia eu botar a foto dela.


Rena Bezerra

21/04/22

2 comentários:

  1. Caro Dominguinhos

    Já li várias vezes o poema de Rena Bezerra. Derna de anteontem que remoo esse seu hino das coisas simples, essa sua ode à glorificação do campo, essa sintaxe de valorização da vida longe dos centros urbanos e da estúpida sociedade de consumo cujo sentido de vivar está nas gôndolas dos supermercados e nas lojas de departamentos dos shopping centers, uma gente que come hambúrguer e salsicha e caga miojo todo dia. Tudo o que é feito com engenho, verdade e método tende a ficar perfeito e ganhar foros de eternidade. Rena Bezerra salva a matéria rural porque sua sintaxe é elaborada, elegante e contida, sem arroubos de retórica, longe do caipirismo e do pitoresco que compromete a qualidade estética da poesia popular de cordel.

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