segunda-feira, 6 de junho de 2022

O ROMPIMENTO POLÍTICO DO CORONEL JOSÉ PEREIRA COM O PRERSIDENTE JOÃO PESSOA.

     A grande maioria dos livros que tratam sobre os acontecimentos de 1930 e mais especificamente sobre a “Guerra de Princesa” dá como motivo particular para o rompimento político do coronel José Pereira com o presidente João Pessoa, a formação da chapa eleitoral para a escolha dos candidatos que concorreriam às vagas de deputados federais e senador nas eleições de 1º de março de 1930. Num exercício de minimização de fatores, o que cumula o conflito de flagrante desimportância e, na obrigação de resgatar fatos que, ao longo do tempo promoveram o fazimento do caldo de cultura para aquele desfecho, pontuamos aqui alguns, que mesmo já sendo do conhecimento de todos, carecem de ligamentos para que entendamos como tudo começou e aclarar que motivos outros muito contribuíram para o estabelecimento de uma antipatia mútua entre os dois e, acontecimentos de passado recente, conforme abordaremos a seguir, muito contribuíram para o definitivo rompimento.

     João Pessoa Cavalcanti de Albuquerque vivia no Rio de Janeiro, então Capital Federal, onde exercia a função de ministro do Superior Tribunal Militar. Não vinha à Paraíba há muito tempo e não tinha aproximação alguma com o coronel José Pereira, porém, mantinha frequente correspondência com seus familiares na Paraíba, quando se inteirava do que aqui acontecia. Nessa troca de comunicação escrita, o ministro Pessoa tomou conhecimento, ainda no ano de 1923, de um episódio violento ocorrido na cidade de Monteiro, envolvendo seu pai, Cândido Clementino Cavalcanti de Albuquerque e um cunhado do coronel Zé Pereira, Inocêncio Justino da Nóbrega. O fato deu-se por ocasião da prática de jogos de azar em que os dois funcionários da Mesa de Rendas (atual Coletoria), se desentenderam, discutiram fortemente e chegaram às vias de fato quando Inocêncio chegou a esmurrar Cândido. Sabedor do ocorrido, o deputado José Pereira Lima providenciou a transferência do cunhado retirando-o dali com a conivência e anuência do chefe político local, Augusto Santa Cruz Oliveira, que era amigo e aliado do também chefe político da vila de Teixeira, Franklin Dantas. Esse fato, em que pese viver João Pessoa em constantes turbulências com o pai, não deve ter-lhe agradado.

    O segundo incidente, mais grave, causou maior desconforto ainda ao futuro presidente que era pertencente ao ramo familiar dos “Pessoa” de Umbuzeiro. No dia 05 de novembro de 1922, um crime passional envolvendo os dois ramos familiares (Pessoa Cavalcanti e Pessoa de Queiroz) quando Epitácio Pessoa de Queiroz Sobrinho (Epitacinho) assassinou o médico José Bandeira de Melo Filho, casado com Clarice Pessoa, uma prima do futuro presidente João Pessoa, por suspeita de adultério cometido com sua esposa e cliente do médico, Laura Matos. Após o crime, Epitácio Sobrinho, a pedido de seus irmãos Francisco, José e João Pessoa de Queiroz (desafetos de João Pessoa Cavalcanti de Albuquerque),, este último amigo e compadre de José Pereira, homiziou-se em Princesa, aonde chegou em junho de 1923, sob a proteção do coronel Zé Pereira, ali ficando até o início de 1930.

     Tudo isso, somado ao fato da discordância dos primos de Recife quando da indicação de João Pessoa, pelo tio Epitácio Pessoa, como candidato a presidente da Paraíba, já se constituía fator preponderante para a antipatia de João Pessoa com relação ao coronel princesense. Ademais, o desligamento político já se configurava uma realidade pré-anunciada pelo próprio sobrinho do ex-presidente Epitácio Pessoa, já investido da candidatura a presidente da Paraíba, quando afirmou que na Paraíba estava tudo podre e que, quando assumisse o cargo de presidente, de uma vassourada só, poria a casa em ordem, e assim o fez quando assumiu o governo. O foco inicial do novo presidente foi justamente José Pereira e seus aliados mais chegados: Santa Cruz de Monteiro; os Dantas de Teixeira e o ex-presidente João Suassuna. Sem consultar ninguém, uma das primeiras determinações de João Pessoa foi promover o desarmamento de todos os recantos do Estado, começando por Princesa, sem respeitar patentes ou correligionários. A seguir, desmontou todo um sistema de produção e comércio de algodão que era praticado pelos produtores sertanejos diretamente com o estado de Pernambuco, majorando impostos dos produtos comercializados que não através do porto de Cabedelo o que tornou impeditivo o comércio com a praça do Recife, contrariando imediatamente os interesses dos primos “Pessoa de Queiroz”.

     Como se não bastasse, demitiu e transferiu funcionários públicos em todo o interior do Estado sem consulta prévia aos chefes políticos, em revelia de suas vontades, dentre outras medidas intempestivas e arbitrárias. Admoestado pelo tio Epitácio, através de carta expedida do Rio de janeiro em 21 de novembro de 1928, em que o ex-presidente advertia: “Sei bem que as medidas que estás tomando são todas de moralidade e justiça. Não estão acostumados a isto. A grita está sendo e há de ser enorme. Convém, todavia, não exagerar o rigor. Não se extirpam num instante hábitos enraizados desde muitos anos”. João Pessoa fez ouvidos moucos em sua determinação de defenestrar Zé Pereira de seu poder de mando em Princesa e da influência política na região sertaneja. Demitiu o prefeito e o vice-prefeito e todos os funcionários públicos estaduais daquela comuna, inclusive Manoel Carlos de Andrade, irmão do coronel, que era chefe da Mesa de Rendas de Princesa, para a cidade de Patos. João Pessoa já havia dado sinais da vontade de perseguir o coronel desde o início de seu mandato. Como prova disso, remontamos a episódio ocorrido Palácio da Redenção, ainda no começo do governo pessoista, quando, em ocasião da única visita do coronel ao novo presidente (governador), de forma intempestiva, João Pessoa perguntou ao coronel: “É verdade que você homizia cangaceiros em suas fazendas?”. Ao que o coronel-deputado respondeu: “Os homens que guardo lá são os eleitores do seu tio Epitácio”.

     Esses desatinos político-administrativos do presidente, somados ao episódio da composição da chapa eleitoral que, com o pretexto de renovação e rodízio, excluía o nome do ex-presidente João Suassuna, porém, mantinha o do seu primo, Carlos Pessoa, que também já ocupava assento na Câmara Federal, foram bastante para que o vulcão político entrasse em erupção. Na verdade, a essa altura, o rompimento já estava configurado. Zé Pereira carecia apenas de tempo para se preparar para o inevitável enfrentamento, daí a calorosa e enganosa recepção oferecida ao presidente por ocasião de sua visita a Princesa. Já estava tudo consumado. Na noite do mesmo dia da visita presidencial, o coronel se reuniu, na vizinha cidade pernambucana de Triunfo, onde, juntamente com a cúpula dos políticos e lideranças princesenses e João Pessoa de Queiroz, foi deliberado o rompimento. O episódio da chapa não deve ser considerado a “gota d’água”, mas, o ápice de um afadigamento fruto do que já se vinha desenhando desde há muito. A troca de telegramas oficializando o afastamento político dos dois [Zé Pereira e João Pessoa] foi apenas a homologação de uma realidade já consolidada.







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