José Pereira Lima, mais conhecido como coronel Zé Pereira de
Princesa, figura emblemática e de grande importância na história contemporânea
da Paraíba, foi sempre envolta em brumas pela historiografia oficial e, muitas
vezes, preservada de algumas verdades que tentam esconder para não manchar a
figura do mito. Como história não se faz assim, aos poucos e, ao longo dos
anos, verdades vêm à tona e mistificações caem por terra. Nada que possa
desabonar a importante figura do Coronel que proclamou a independência de
Princesa, separando-a do resto do estado da Paraíba, fato que contribuiu por
demais para a eclosão da Revolução de 1930. Mas, os fatos devem ser contados,
mesmo que em desacordo com as conveniências particulares.
Destoando do figurino por décadas traçado pelos admiradores
do coronel Zé Pereira, dando conta de que se tratava de um homem pacífico, educado,
polido e de fino trato; avesso a qualquer tipo de violência ou de conivência
com ela, pesquisas recentes revelam que o Coronel não era esse primor de “paz e
amor”. Educado sim, polido e de fino trato, idem. Porém, pacífico? Nem tanto.
Malgrado haver sido ele [Zé Pereira] o provocado, o coronel nada fez para
evitar a Guerra de Princesa. Pelo contrário, sem se intimidar com as
retaliações e perseguições políticas promovidas pelo então presidente João
Pessoa, não se imiscuiu em reagir às idiossincrasias daquele momento. Armou
2000 homens e enfrentou a polícia paraibana, em luta feroz, resistindo durante
longos cinco meses à pretensa ocupação de Princesa. Mas, isso é outra História.
O que abordaremos aqui, são posições tomadas pelo líder princesense e que nunca
foram publicadas, ou analisadas corretamente.
Zé Pereira - que segundo depoentes contemporâneos
ligadíssimos a ele por laços familiares ou de dileta amizade –, como dissemos
acima, não era um homem pacífico por excelência, o que não significa dizer que
era um beligerante ou violento. Era sim, um normal daquele tempo. Quando, de
forma bajulatória, foi sempre dito pelos que o admiram, que nunca portou uma
arma, cai por terra esse argumento quando dito por um dos seus mais fiéis
amigos, Joaquim Gomes de Lima Filho, que o Coronel, sem fugir à regra comum
daquele tempo, não se apartava de uma arma de fogo que levava à cinta como
apetrecho indispensável. Além disso, é notória a realidade de que, o Coronel de
Princesa, era um grande coiteiro de criminosos de alto costado social.
Pelo menos em quatro casos conhecidos, o coronel José Pereira atuou no escondimento de homens importantes que cometeram crimes de homicídio nos estados da Paraíba e de Pernambuco. O mais notório, foi o crime cometido pelo sobrinho do ex-presidente Epitácio Pessoa, homônimo do tio, chamava-se Epitácio Pessoa de Queiroz Sobrinho, “Epitacinho” que, após o cometimento do delito, aproveitando da amizade do tio ilustre com o coronel Zé Pereira, procurou-o em busca de amparo. Epitacinho era casado com Laura Matos e, no dia 05 de novembro de 1922, por ciúmes da esposa, em face de comentários que davam o médico José Bandeira de Melo Filho como amante de sua mulher, Laura, assassinou aquele profissional da saúde – que era casado com uma sua prima em primeiro grau, chamada Clarisse Santiago Pessoa de Melo -, com dois tiros pelas costas.
Esse crime aconteceu na cidade do Recife.
Para fugir das garras da Justiça, o assassino foi encaminhado, por seu
poderoso irmão, o industrial pernambucano, João Pessoa de Queiroz, para
homiziar-se em Princesa, na casa do coronel Zé Pereira. Ali ficou, Epitacinho,
durante longos seis anos, chegando a construir um palacete para tomar como
residência, somente retornando ao Recife quando absolvido do crime que
cometera. Esse homízio, foi um dos motivos causadores das indisposições futuras
entre o Coronel Zé Pereira e o presidente João Pessoa.
Em 1919, o coronel José Pereira Lima e o industrial pernambucano, João Pessoa de Queiroz, foram acusados de conivência com o assassino do ex-prefeito e chefe político da cidade pernambucana de Triunfo, coronel Deodato Monteiro, que foi morto numa emboscada, em 24 de junho daquele ano, nas proximidades da cidade de Flores/PE, por um grupo de 15 homens, sob o comando do bandoleiro e desafeto de Deodato, Luiz Leão. O motivo desse crime remontava ao mês de janeiro de 1910 provocado por uma desavença política, em Triunfo, comandada pelo chefe político Deodato Monteiro, o que provocou várias mortes e colocou como inimigos, o coronel Deodato e Luiz Leão.
Morto, Deodato Monteiro,
o assassino Luiz Leão, escondeu-se na Casa de Caridade daquela cidade e, logo
depois, a pedido do industrial João Pessoa de Queiroz, foi acolhido, em homízio,
na fazenda “Morais”, nas imediações do povoado de Patos (Irerê), de propriedade
do coronel José Pereira, em Princesa. Indiciados como participantes no crime do
coronel Deodato Monteiro, Zé Pereira e o industrial João Pessoa de Queiroz,
foram, mais tarde, absolvidos pelo juiz Joaquim Correia de Oliveira Andrade
Lima, que julgou improcedente a denúncia contra os dois, por falta de provas.
Amigo do Coronel de Princesa, João Pessoa de Queiroz, era figadal inimigo do
falecido chefe político de Triunfo, Deodato Monteiro e, Zé Pereira, mais uma
vez, a serviço do industrial, no afã de agradar ao amigo, prestou-se a esconder
o criminoso, Luís Leão, em suas terras.
Doutra feita, mais um crime de assassinato colocou o coronel Zé Pereira sob suspeita. Esse fato envolveu o comerciante, Luiz Siqueira Granja Coimbra, mais conhecido como “Tarugo”, proprietário de uma loja de insumos agrícolas na cidade de Pombal/PB. Homem letrado, bom orador e de fino trato, chegou a ser vice-prefeito daquela cidade por obra e graça do deputado José Queiroga. No dia 10 de janeiro de 1924, Tarugo reuniu alguns amigos e partiu, de Pombal, para a cidade pernambucana de Triunfo com o intuito de visitar Marcolino Pereira Diniz, preso na cadeia daquela cidade por haver assassinado o Juiz de Direito, Ulisses Wanderley.
De volta a Pombal, Luiz Siqueira, o Tarugo, junto aos vários amigos, todos fortemente armados, desfilaram pela rua principal daquela cidade num verdadeiro acinte às autoridades. Incomodado com isso e, em cumprimento da lei, o delegado da cidade, tenente Manoel Cardoso, identificou que quem liderava a caravana de homens era o subprefeito, Tarugo. Na abordagem, o delegado fez ver, aos homens armados, que aquilo não era de bom alvitre e pediu para que recolhessem suas armas.
Isso gerou uma calorosa discussão que culminou com acerbo tiroteio, resultando na morte do delegado em plena rua principal da cidade de Pombal. Temerosos de serem presos, Tarugo e seus companheiros, refugiaram-se na casa do deputado José Queiroga. Este, amigo e colega que era do também deputado, José Pereira Lima, encaminhou os criminosos para que se homiziassem em Princesa. Escondido numa das fazendas do coronel Zé Pereira, Tarugo, desconfiado de que tramavam contra sua vida, demorou pouco em Princesa, partiu para Afogados da Ingazeira/PE e, depois, para o Recife.
Sem nunca haver sido
punido pelo crime que cometera, Tarugo prosperou e, na capital pernambucana
exerceu o cargo de diretor de uma importante empresa multinacional que negociava
carnes; ficou rico e ali viveu até sua morte. Quando do estouro da Revolução de
1930, o que obrigou Zé Pereira a fugir de Princesa por conta da perseguição
policial, este, hospedou-se, discretamente, na casa de Tarugo, no Recife, por
alguns dias, ocasião em que pôde rever sua mulher e seus dois filhos com
segurança. O antes homiziado homiziava, agora, o homiziador.
O derradeiro fato que impõe culpa ao coronel José Pereira, trata-se da execução do cangaceiro Meia-Noite, ocorrida em agosto de 1924. Este, após o ataque à cidade paraibana de Sousa, desentendeu-se com os irmãos do cangaceiro Lampião (Antônio e Livino), debandou do grupo e foi-se esconder no sítio Saco dos Caçulas, numa fazenda de propriedade do coronel Zé Pereira. Sabedor do paradeiro daquele perigoso cangaceiro em suas terras, o Coronel, insatisfeito, mandou que dali se retirasse. Naqueles anos, dar guarida a cangaceiros, já não era mais seu forte.
Já havia uma rixa de Zé Pereira com o bando de Lampião, mais especificamente com o facínora Meia-Noite. Este, havia-se casado com Zulmira, uma mulata do povoado de Patos e, o enlace matrimonial, acontecido à revelia do Coronel, realizou-se na Capela de São Sebastião, naquele Povoado, sob as bênçãos do vigário de Princesa, padre Florentino Floro Diniz. Já contrariado com esse fato, Zé Pereira aborreceu-se com a permanência do cangaceiro em suas terras, mesmo assim, fez vistas grossas. Após alguns dias, sabedor de que o bandido estava “dando trabalho” e, perguntado por um dos seus principais “auxiliares” - chamado Manoel Lopes Diniz, mais conhecido como “Ronco Grosso” -, o que fazer com o facínora?
O Coronel determinou a Ronco Grosso,
que desse um jeito no cangaceiro, sem especificar como ou o quê. Dias depois, o
“auxiliar” adentrou à casa do coronel Zé Pereira, em Princesa, com um saco às
mãos e, em frente a todos os circunstantes, despejou o conteúdo do saco em cima
da mesa da sala de jantar do Coronel. Pasmos, todos observaram a cena dantesca:
duas orelhas decepadas. Eram as orelhas do, já morto, cangaceiro Meia-Noite.
Depoimento da princesense, Hermosa Pereira Sitônio, atesta o fato que lhe
provocou vômitos. Desse crime, o Coronel não recebeu imputação alguma, mesmo
porque, na ausência de implicitude, ele não poderia ser responsabilizado e ficou
o dito-pelo-não-dito.
Desses pecados, o coronel Zé Pereira livrou-se de todos,
inclusive de uma imputação de crime supostamente por ele cometido em 16 de
junho de 1930, contra um alfaiate no distrito de Desterro, do município
paraibano de Teixeira, em que o “morto”, Cícero de Deus Araújo, tempos depois,
apareceu vivo e são. O Coronel não era santo, mas, fidelíssimo aos amigos e,
quanto aos inimigos e desafetos, não era flor que se cheirasse. Não levava
desaforo para casa, tampouco se submetia a quem quer que fosse, a não ser, para
agradar à confraria dos amigos importantes e fiéis.
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