Por Domingos Sávio
Maximiano Roberto
Choque de gerações
“Pai, perdi minha virgindade”. Foi com essas palavras que
Patrícia, em telefonema de São Paulo, comunicou ao pai que havia trepado pela
primeira vez. Para os jovens da geração atual, nada mais normal do que um
comunicado dessa natureza. Porém, para “seu” Francisco, um senhor de 68 anos de
idade, nada poderia ser mais chocante do que uma notícia desta. A menina, já com
18 anos de idade, saiu de Água Branca, na Paraíba, em busca de emprego na
capital paulista. Lá, se arranchou na casa de uma tia materna e, logo na semana
seguinte, arranjou um emprego numa fabriqueta de roupas onde já trabalhavam
alguns conterrâneos seus.
Com pouca experiência, mas já com o viço à flor da pele,
Patrícia, engraçou-se logo pelo gerente da firma. Nada mais normal, não fora a
situação em que essa empatia aconteceu. João, o gerente, era um homem de meia
idade, algo em torno dos 45 anos, casado e pai de dois filhos. Esse detalhe a
moça omitiu ao pai. “Mas, minha filha, como foi isso acontecer? Por que você
não teve cuidado? Patrícia era uma mulher feita, mas com ares ainda de menina.
De média estatura, branca, cabelos pretos e longos e dona de um corpo
escultural. Um pouco tímida, parecia até meio sonsa, mas tinha uma vontade
férrea de vencer na vida parecendo até que, para ela, os fins sempre
justificariam os meios.
Foi nessa onda que a moça embarcou. Mesmo sem se apaixonar
por João, perdeu o cabaço e logo saiu da vassoura e passou a ser fiscal e conferencista
de peças de roupas; uma ascensão que a expôs à ojeriza dos demais empregados da
fabriqueta. Patrícia, amparada na proteção do amante, passou a tratar todos com
rigor e indiferença. O objetivo dela era crescer mais ainda.
Depois da estarrecedora notícia, Francisco ficou exasperado
naquele sertão longínquo a matutar como sua filha estaria depois de haver
perdido a virgindade. A moça fez-lhe apenas um comunicado seco, sem detalhes e
com a maior naturalidade. Para Francisco, aquilo era um horror. “Onde já se viu
tamanha falta de respeito!”, Pensou o velho. “No meu tempo, um atrevimento
desse era punido com uma surra e até com o banimento da desavergonhada”. Para
completar, com a chegada de um parente vindo de São Paulo e que trabalhava na
mesma fabriqueta, Francisco ficou sabendo de toda a verdade, o que o deixou
mais aperreado com a situação. Sem saber o que fazer, o homem procurou a mãe da
menina, de quem era separado, para comentar o assunto.
A mãe de Patrícia chamava-se Solange, uma mulher ainda jovem,
com seus quarenta e poucos anos, morava numa cidade vizinha, no estado de
Pernambuco e, lá, convivia com um homem mais novo do que ela, um desocupado a
quem sustentava com o que auferia da vida que levava nos cabarés das cidades
próximas quando frequentava nos dias de feira. Procurada por Francisco, que lhe
deu a “triste” notícia e lhe contou toda a história, qual não foi a surpresa do
velho quando ouviu da boca da mulher: “E daí? Ela fez certo. Quem tem
mercadoria de qualidade deve lucrar com ela. Lavou, enxugou, tá novo!” Acabrunhado,
o pai voltou para casa se lamentando: “Onde foi que eu errei? Criei essa menina
com tanto cuidado e me acontece uma tragédia dessas...” Religioso que era,
Francisco resolveu procurar o vigário de sua paróquia para com ele tomar
conselhos.
Chegado à igreja, num dia de domingo de manhã, o homem
esperou que a missa terminasse e, na sacristia, aproximou-se do frei Pio que se
desincumbia dos paramentos e disse: “Padre, preciso conversar com o senhor”. “É
confissão, meu filho?” Perguntou o sacerdote. “Não, padre, uma conversa
informal”. “Pois não, pode começar”. Sentaram-se os dois e Francisco contou
todo o fato ocorrido com sua filha. Depois de ouvir atentamente, frei Pio, de
forma pausada e calma, começou: “Francisco, eu sei o que passa pela sua cabeça.
Você é de uma geração em que um caso dessa natureza tem uma conotação
gravíssima, mas, hoje em dia, isso é normal, natural”. E continuou, o vigário: “É
claro que é difícil para você, mas tem de se conformar. Ademais, você teve
sorte de ela ter tido a ousadia em lhe dizer, isso significa que ela confia no
pai. Para ela, isso não está errado, é apenas uma consequência natural da vida”.
Frei Pio encerrou aconselhando: “Conforme-se, homem, isso não é o fim do mundo.
Vá para casa e verá que o tempo conserta tudo”.
Ao mesmo tempo surpreso e aliviado, Francisco, que era muito
religioso, tomou as palavras do cura como um lenitivo para as suas agruras. “Se
o padre não via pecado naquilo, quem sou eu para recriminar minha filha?”
Pensou o homem. Intrigado, ficou a pensar: “As duas pessoas com as quais
compartilhei esse problema, ambas, a mãe e o padre, não deram qualquer
importância ao fato. Meu Deus, que tempos são esses?” Ainda triste, resolveu
telefonar para Patrícia para contar de sua agonia. A menina atendeu ao telefone
e, diante de sua alegria no falar, o velho viu que tudo estava bem e passou a
se conformar com a situação. “Pai, eu quero crescer, eu quero ser gente” disse
Patrícia e acrescentou: “Vou lhe pedir uma coisa: não conte a ninguém essa
história”. “Sim, minha filha, pode ficar tranquila” disse Francisco. “Pois é,
pai, o que eu não quero é que o povo daí saiba que eu só perdi a virgindade
agora, aos 18 anos de idade, senão, vão mangar de mim”. E desligou o telefone.
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