domingo, 24 de setembro de 2023

Domingo eu conto

Por Domingos Sávio Maximiano Roberto

Choque de gerações

“Pai, perdi minha virgindade”. Foi com essas palavras que Patrícia, em telefonema de São Paulo, comunicou ao pai que havia trepado pela primeira vez. Para os jovens da geração atual, nada mais normal do que um comunicado dessa natureza. Porém, para “seu” Francisco, um senhor de 68 anos de idade, nada poderia ser mais chocante do que uma notícia desta. A menina, já com 18 anos de idade, saiu de Água Branca, na Paraíba, em busca de emprego na capital paulista. Lá, se arranchou na casa de uma tia materna e, logo na semana seguinte, arranjou um emprego numa fabriqueta de roupas onde já trabalhavam alguns conterrâneos seus.

Com pouca experiência, mas já com o viço à flor da pele, Patrícia, engraçou-se logo pelo gerente da firma. Nada mais normal, não fora a situação em que essa empatia aconteceu. João, o gerente, era um homem de meia idade, algo em torno dos 45 anos, casado e pai de dois filhos. Esse detalhe a moça omitiu ao pai. “Mas, minha filha, como foi isso acontecer? Por que você não teve cuidado? Patrícia era uma mulher feita, mas com ares ainda de menina. De média estatura, branca, cabelos pretos e longos e dona de um corpo escultural. Um pouco tímida, parecia até meio sonsa, mas tinha uma vontade férrea de vencer na vida parecendo até que, para ela, os fins sempre justificariam os meios.

Foi nessa onda que a moça embarcou. Mesmo sem se apaixonar por João, perdeu o cabaço e logo saiu da vassoura e passou a ser fiscal e conferencista de peças de roupas; uma ascensão que a expôs à ojeriza dos demais empregados da fabriqueta. Patrícia, amparada na proteção do amante, passou a tratar todos com rigor e indiferença. O objetivo dela era crescer mais ainda.

Depois da estarrecedora notícia, Francisco ficou exasperado naquele sertão longínquo a matutar como sua filha estaria depois de haver perdido a virgindade. A moça fez-lhe apenas um comunicado seco, sem detalhes e com a maior naturalidade. Para Francisco, aquilo era um horror. “Onde já se viu tamanha falta de respeito!”, Pensou o velho. “No meu tempo, um atrevimento desse era punido com uma surra e até com o banimento da desavergonhada”. Para completar, com a chegada de um parente vindo de São Paulo e que trabalhava na mesma fabriqueta, Francisco ficou sabendo de toda a verdade, o que o deixou mais aperreado com a situação. Sem saber o que fazer, o homem procurou a mãe da menina, de quem era separado, para comentar o assunto.

A mãe de Patrícia chamava-se Solange, uma mulher ainda jovem, com seus quarenta e poucos anos, morava numa cidade vizinha, no estado de Pernambuco e, lá, convivia com um homem mais novo do que ela, um desocupado a quem sustentava com o que auferia da vida que levava nos cabarés das cidades próximas quando frequentava nos dias de feira. Procurada por Francisco, que lhe deu a “triste” notícia e lhe contou toda a história, qual não foi a surpresa do velho quando ouviu da boca da mulher: “E daí? Ela fez certo. Quem tem mercadoria de qualidade deve lucrar com ela. Lavou, enxugou, tá novo!” Acabrunhado, o pai voltou para casa se lamentando: “Onde foi que eu errei? Criei essa menina com tanto cuidado e me acontece uma tragédia dessas...” Religioso que era, Francisco resolveu procurar o vigário de sua paróquia para com ele tomar conselhos.

Chegado à igreja, num dia de domingo de manhã, o homem esperou que a missa terminasse e, na sacristia, aproximou-se do frei Pio que se desincumbia dos paramentos e disse: “Padre, preciso conversar com o senhor”. “É confissão, meu filho?” Perguntou o sacerdote. “Não, padre, uma conversa informal”. “Pois não, pode começar”. Sentaram-se os dois e Francisco contou todo o fato ocorrido com sua filha. Depois de ouvir atentamente, frei Pio, de forma pausada e calma, começou: “Francisco, eu sei o que passa pela sua cabeça. Você é de uma geração em que um caso dessa natureza tem uma conotação gravíssima, mas, hoje em dia, isso é normal, natural”. E continuou, o vigário: “É claro que é difícil para você, mas tem de se conformar. Ademais, você teve sorte de ela ter tido a ousadia em lhe dizer, isso significa que ela confia no pai. Para ela, isso não está errado, é apenas uma consequência natural da vida”. Frei Pio encerrou aconselhando: “Conforme-se, homem, isso não é o fim do mundo. Vá para casa e verá que o tempo conserta tudo”.

Ao mesmo tempo surpreso e aliviado, Francisco, que era muito religioso, tomou as palavras do cura como um lenitivo para as suas agruras. “Se o padre não via pecado naquilo, quem sou eu para recriminar minha filha?” Pensou o homem. Intrigado, ficou a pensar: “As duas pessoas com as quais compartilhei esse problema, ambas, a mãe e o padre, não deram qualquer importância ao fato. Meu Deus, que tempos são esses?” Ainda triste, resolveu telefonar para Patrícia para contar de sua agonia. A menina atendeu ao telefone e, diante de sua alegria no falar, o velho viu que tudo estava bem e passou a se conformar com a situação. “Pai, eu quero crescer, eu quero ser gente” disse Patrícia e acrescentou: “Vou lhe pedir uma coisa: não conte a ninguém essa história”. “Sim, minha filha, pode ficar tranquila” disse Francisco. “Pois é, pai, o que eu não quero é que o povo daí saiba que eu só perdi a virgindade agora, aos 18 anos de idade, senão, vão mangar de mim”. E desligou o telefone.



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