domingo, 3 de setembro de 2023

O Odorico que não deu certo

Domingo eu conto 

Ele levou uma vida simplória e sem ser digna de nota até o dia em que ascendeu ao maior posto da sua vida. Não tinha pai nem mãe, nunca casou, tampouco teve envolvimento amoroso com quem quer que fosse. Era capão, seco, calado, esquivo e mal humorado. Um filho do nada. Por trás de tudo isso, havia, no entanto, uma ambição desmedida, própria dos que carregam o terrível complexo de inferioridade. Espécie de vontade de se vingar de tudo e de todos. Não se conformava com sua insignificância, se negando até para si mesmo. Parece até, que de forma recôndita, tinha uma inveja que, se não exibia para os outros, se extrapolava dentro de si num constante alimentar do ódio que tinha por tudo e por todos. Em face dessa falta de tudo, inclusive de si, resolveu, a todo custo, se tornar alguém que pudesse ser notado no concerto da sociedade.

“Vou estudar e serei gente na vida, me aguardem!” Disse para si mesmo. Por cima de pau e pedra, pôs dois antolhos e partiu para cumprir seu objetivo. Estudante temporão, sem base rudimentar, aprendeu demais o que deveria deixar por menos. Palavroso que era, adorava usar termos e expressões que achava bonitas. Isso, mesmo sem saber colocá-las nos lugares certos ou com significados corretos. Serem bonitas, as palavras, era bastante para que ele as usasse à exaustão. Sem timidez alguma e movido pela vontade férrea de vencer a todo custo, continuou atropelando tudo e sempre achando que a verdade era sempre ditada pelas suas conveniências. Aprendeu a ler e escrever somente o suficiente para botar no papel ou falar sobre as coisas e ideias nas quais acreditava.

Para ele, o homem deveria ser superior a tudo e, no seu afã de ser grande, achava sempre que estava correto em tudo o que fazia ou dizia. Para ele, não interessava a opinião dos outros. Suas interpretações das coisas eram feitas atendendo aos seus interesses pessoais, principalmente aos que lhes proporcionassem a ascensão social ou lhes acendessem as luzes da ribalta do seu palco. Acreditando já estar versado em quase tudo, resolveu parar de estudar em escolas e passou à prática autodidata. Aí foi que ele se transformou mesmo num dono da verdade. Era para si o próprio professor. Suas verdades, agora, eram somente suas e inquestionáveis. Com mais uns poucos anos de leituras escolhidas a dedo, resolveu se auto diplomar e se considerou já um “doutor” para as coisas da vida.

Estava pronto, agora era só atacar. Partiu para a luta e candidatou-se a vereador na cidade onde nasceu. Nesse intento, não logrou êxito, mas não desistiu em busca da luz. Abdicou da política, mas adentrou na área das malvadezas. Atravessou a fronteira e empanturrou-se de mercadorias baratas. Virou camelô. Como tal, arguindo sempre que os produtos que vendia eram os melhores e seus preços os mais atrativos, logo conseguiu fazer-se popular se tornando um vendedor de sucesso. Bingo! O negócio deu certo. Tanto vendia quanto discursava e tanto discursava quanto enganava aos seus fregueses. Foi ele quem introduziu, naquele pequeno burgo onde nasceu, a venda de artigos de uso pessoal - principalmente coisas que interessavam às mulheres, como lingerie - dos quais os moradores dali nunca tinham ouvido falar. Tudo falso, comprado no Paraguai.

Não pagava impostos, tampouco cumpria quaisquer regras fiscais; nem a taxa municipal de seu tabuleiro ele pagava e, condizente com sua vulgaridade, burlava a fiscalização. Mesmo assim, tornou-se um freelance das calçadas, das esquinas. Vendia como nunca e, para não ser pego nas falcatruas da mercadoria sem qualidade, usou um estratagema: Antes de elas se estragarem, mudava-se para outra praça. O antolho serviu, mas, já nesse tempo, não o usava mais porque pensava em diversificar suas atividades. Já amealhado de algum dinheiro, resolveu ser pastor evangélico. Como tal, abriu uma igreja e, já nos primeiros dois anos, tinha fundado mais de 10 templos nas redondezas da cidade onde nasceu. Já era respeitado e, agora, mais ainda porque pregava a palavra de Deus e, por conta disso, ninguém era capaz de reunir elementos para inferir sua contumaz desonestidade.

Já rico e realizado no seu intento de ser alguém, levado pelos instintos perversos que se escondiam sob a capa da justeza que procurava apresentar, caiu numa esparrela. Contratou um jovem para auxiliá-lo nas coisas de seu templo principal e, certa noite, imbuído da vontade de se divertir um pouco, associado ao acólito, resolveu tomar umas garrafas de vinho. Junto a essa companhia insólita, embriagou-se e pôs os pés pelas mãos quando resolveu fazer uma live catequizadora. O problema é que o álcool ingerido afetou seu cerebelo quando lhe extirpou a disciplina da censura. Descontrolado, ao invés de incitar os fiéis a orarem, os fez ver que o bom mesmo, era namorar, tomar cachaça e fazer coisas ilícitas.

Depois disso, viu-se às voltas com a repercussão negativa desse ato impensado. Tudo o que construiu, viu cair por terra. O pior é que, em sua sanha de fazer-se dono da verdade, não admitiu seu erro. Autossuficiente que se achava e, do alto de sua arrogância, recusou-se em pedir desculpas. Pelo contrário, exercitando seu voluntarismo associado à emética prática de um neologismo vernacular, respondeu às críticas da imprensa dizendo: “Todo ser humano, racional ou irracional, pratica sexo!”. E acrescentou que estava “ingerindo uma droga ‘lítrica’”. Depois dessa pisada na bola, ele passou a conviver com a pecha de “pastor de almas sebosas” e, sempre que aparecia em público, era apontado como um “Sílvio Santos” que mais parecia um Odorico Paraguaçu que não deu certo.

Por:Domingos Sávio Maximiano Roberto 





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