sexta-feira, 17 de novembro de 2023

A Fake News de Lampião

Narrativas e notícias falsas não são uma novidade dos tempos de hoje. Em tempos passados, já existiam as hoje chamadas: Fake News. Com essa nomenclatura, essa mazela surgiu agora com o advento da Internet, mas, desde que o mundo é mundo, a propaganda enganosa existe para satisfazer a interesses vários.

A matéria abaixo reproduzida (uma carta, supostamente “escrita” por Lampião em 14/03/1930) que foi veiculada pelo “Jornal do Recife” – periódico que teve vida longa (1858-1938), se notabilizando por seu apoio à Revolução de 1930 – exatamente oito anos antes de encerrar suas atividades. A notícia, com escopo nos acontecimentos da “Guerra de Princesa”, tinha o condão de fazer ver à população brasileira, que o cangaceiro Lampião, formava junto aos homens do coronel José Pereira Lima, em defesa da cidadela princesense.

Interessante observar dois aspectos essenciais dessa carta. Primeiro, o linguajar que, como podemos observar, jamais poderia ter sido usado pelo “Rei do Cangaço” – um homem semianalfabeto. Segundo, pelo argumento ridículo, ao qual Lampião se apega, dizendo-se perseguido pelo governo do presidente João Pessoa, quando o cangaceiro afirma estar sendo atacado pela polícia paraibana: “(...) com evidente menosprezo pelas leis que mandam respeitar a liberdade e os direitos dos cidadãos”.

Mais adiante, Virgulino Ferreira diz que seus homens estão sendo hostilizados pela polícia da Paraíba pelo fato de haverem declarado apoio à candidatura de Júlio Prestes à presidência da República. Afirma ainda ser amigo do coronel Zé Pereira, do ex-governador João Suassuna, de Duarte Dantas de Teixeira/PB e do Padre Cícero Romão Batista. E finaliza dizendo que, em breve, estará em Princesa comemorando o triunfo do Cangaço: “(...) porque, embora tenha nascido em Villa Bela, não me esquecerei de que foi em Princesa que me eduquei na escola do Cangaço”. Com essa assertiva, Lampião lembra de quando tomou posse no Cangaço, numa festa ocorrida na fazenda “Pedra”, no Povoado de Patos Irerê, à época pertencente a Princesa.

Como vemos, já naquele tempo, a propaganda enganosa era exercida, de forma descarada, para macular os que se rebelaram contra o presidente João Pessoa, tentando fazer crer, à nação brasileira, que o grupo liderado por Zé Pereira era formado por cangaceiros e trabuqueiros. Reproduzimos a seguir o texto, na íntegra, daquele famigerado e histórico documento que foi supostamente expedido por Lampião da então cidade sergipana de São Paulo, que hoje se chama Frei Paulo:

 

O célebre caudilho fala aos seus amigos e correligionários sobre a vitória da causa do Cangaço!

São Paulo (SE), 14 de março de 1930.

 

     Prezados amigos e correligionários,

     Muito embora distanciado das plagas nordestinas, onde com reais aproveitamentos, fiz o curso completo do banditismo, não podia, nesta hora grave para a nossa nacionalidade, deixar de dirigir aos meus amigos, correligionários e patrícios, o presente Manifesto em que expresso o meu profundo contentamento pela indisfarçável vitória de nossa causa.

     Até ontem perseguidos e escorraçados pelas polícias de vários Estados, os quais chegaram ao desplante de assinar um convênio mercê do qual nenhum poderia dar asilo ou quartel aos nossos bandos, com evidente menosprezo pelas leis que mandam respeitar a liberdade e os direitos dos cidadãos, temos hoje, neste momento, o prazer de contar com o apoio quase unânime de todos os nossos algozes.

     Um apenas, porém, quebrando a harmonia existente entre quase todos os demais Estados, tomou aos ombros a tarefa inglória e nefasta em mandar que a sua polícia fizesse o extermínio de nossos irmãos, numa campanha sob todos os pontos de vista atentatória de nossos direitos.

    Nós, porém, contaremos com o apoio eficiente, com o amparo de nossos amigos de Pernambuco, Rio Grande do Norte e Ceará. Os nossos correligionários estão presentemente no território paraibano, sofrendo a opressão policial pelo fato de se terem declarado partidários da candidatura do eminente brasileiro Júlio Prestes. Contra a expectativa dos amigos José Pereira, João Suassuna e Duarte Dantas, esses inimigos de nossa ação retomaram posições nossas como Teixeira, Santana dos Garrotes e Imaculada, com perdas de armas e munições que nos foram fornecidas pelos nossos amigos de Pernambuco e Rio Grande do Norte.

     Mas estamos seguros de nossa vitória, não somente porque temos onde conseguir homens, munições, armas; temos tudo a nosso favor! Chegou, correligionários, o momento do Cangaço triunfar, amparado pela imprensa reacionária, pelas polícias estaduais, pela política que prestigia o nosso partido, até que possamos vencer em toda altura.

     Temos atravessado épocas terríveis de opróbrios e humilhações. Durante a última revolução o meu amigo Floro Bartolomeu me deu os galões de capitão a fim de que eu e o meu bando nos empenhássemos em favor da legalidade. Depois das minhas façanhas, não chegaram a reconhecer os meus valiosos serviços e continuamos a sofrer as maiores perseguições.

     As cadeias estão cheias de correligionários nossos. Meu amigo e compadre Antônio Silvino está presentemente cumprindo sentença em Recife. Mas tudo isso terá um paradeiro. A nossa vitória será breve! Princesa não se renderá e os homens de meu amigo padre Cícero aí estão prontos a prestigiar a causa, a fim de que o nosso triunfo seja uma realidade.

     Atendendo ao apelo que recebi dos meus colegas de cangaço, em breve estarei ao lado desses, porque embora tenha nascido em Villa Bella, não me esquecerei de que foi em Princesa que me eduquei na escola do Cangaço.

(a)     Virgolino Ferreira, vulgo “Lampião” (Do Jornal do Recife, ontem)”.

 



 

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