Por Domingos Sávio
Maximiano Roberto
No escurinho do cinema
A primeira sala de cinema de Princesa foi instalada ainda na
década de 1920, por um princesense chamado Belisário Florentino. A chamada
“Sétima Arte” (termo cunhado em 1912 pelo italiano Ricciotto Canudo,
1877-1923), criada pelos irmãos Lumière em 1895 e que chegou ao Brasil em julho
de 1896. Em Princesa, transformou-se em Cinema, propriamente dito, e foi
inaugurado no começo da década de 30. Inicialmente chamado de “Cine Princesa”,
era administrado pelo comerciante José Ferreira Dias, mais conhecido por “Ferreirão”
e, a partir dos Anos 50, passou para o comando dos frades Carmelitas, sob a
coordenação de frei Fernando e, depois, administrado por frei Alberto Carneiro
Leão, que mudou o nome para “Cine Santa Maria”. A Sala de Projeções, era
localizada à Praça Epitácio Pessoa, no prédio vizinho ao, onde hoje, funciona a
Rádio Princesa FM.
Nesse tempo, havia somente o salão e a tela. Os assentos,
fossem cadeiras ou tamboretes, tinham de ser conduzidos pelas pessoas que iam
assistir às películas. No início da década de 1970, o Cinema foi transferido daquela
Praça para a Rua “Coronel Marcolino”, quando foi instalado num prédio moderno,
uma construção apropriada para tal, dotado de equipamentos também modernos, a
exemplo da tela de 35 milímetros, chamada à época “cinemascope”. A partir daí,
as pessoas abandonaram a obrigação de levar as cadeiras para o Cinema, uma vez
que, o novo imóvel, era dotado de confortáveis poltronas acolchoadas.
Além disso, o prédio possuía também bilheteria, banheiros, confeitaria,
portas distintas de entrada e de saída, iluminação apropriada, cabine para
projeções, etc. Frei Terésio vendia os ingressos, “Luís Dedinho” controlava a
entrada e frei Bonifácio cuidava da confeitaria. O operador das projeções
cinematográficas era o inteligente técnico Expedito Leandro de Carvalho, mais
conhecido por “Tozinho”. Os rolos de filmes vinham da cidade do Recife
transportados pela composição do trem que fazia a linha Recife/Salgueiro e,
toda semana, frei Alberto mandava o motorista do Convento para recolher as
fitas na estação do trem, na vizinha cidade pernambucana de Flores. Na parede
da frente do prédio, nichos iluminados onde eram exibidos grandes cartazes
coloridos dos filmes do momento. Na calçada, Nana de Vigó com seu balaio de rolete
de cana; João Passarinho com sua tábua de castanhola e “seu” Manezim Pereira
com sua banquinha de cavaco chinês.
Quando das exibições - que ocorriam em quase todos os dias da
semana - muitos acorriam para assistir aos filmes que eram – no mais das vezes
-, de ação, comédia, bang-bang (faroeste), ou religiosos. Nunca se exibiam os
chamados “Filmes de Amor” uma vez que, os frades carmelitas, em defesa da moral
e dos bons costumes, não o permitiam a pretexto de evitar estarem promovendo
atentado ao pudor. Porém, quando escapava alguma película que envolvia cenas
menos ardentes, em que ocorriam singelos beijos na boca, mesmo assim frei
Alberto interrompia a projeção e mandava Tozinho extirpar aquela parte. Cortava
a fita!
Vários filmes foram exibidos no Cine Santa Maria, causando
grande sucesso de público, a exemplo de: “O Gordo e o Magro”; “Os Três
Patetas”; “...E o Vento Levou”; “Ben-Hur”; “Os Dez Mandamentos”, “Girassóis da
Rússia”, “A Vida é Bela”, “Romeu e Julieta”, “Os Canhões de Navarone”, dentre outros.
No entanto, os filmes de maior sucesso foram: “Coração de Luto” e “Marcelino
Pão e Vinho”. Para nós - quando crianças – a maior sensação eram os grandes
cartazes coloridos e os Seriados de “Buffalo Bill”, “Durango Kid”, “As
aventuras de Rin-tin-tin”, “Flash Gordon no Planeta Marte” e os filmes de
Tarzan. As películas que davam maior rentabilidade aos padres, eram: “O
Nascimento de Jesus”; “A Paixão de Cristo” e, “Os Milagres de Loredo”. Esses
três rolos pertenciam ao frei Alberto e eram exibidos todos os anos, em várias
sessões, por ocasião da semana do Natal e da Semana Santa.
Esses filmes eram de péssima qualidade, tanto pela idade das
fitas quanto pelas condições em que foram produzidos. Eram mudos e com
movimentos muito rápidos. É tanto que, as pessoas mais velhas, ao assistirem à
cena da fuga de São José e Nossa Senhora - da Judeia para o Egito -, ficavam
temerosas de que o Menino Jesus caísse da lua da cela do jumento que o
transportava juntamente com o pai. O chamamento para as exibições cinematográficas
era feito através do som de uma difusora acoplada ao teto da rural de “Toinho
de Frade”, sob a locução do jovem Richomer Barros. O prefixo da difusora do
Cinema era a “Ave Maria” de Gounod a que chamávamos de o “Ó do Padre”.
Antes do toque da Ave Maria, eram executadas, pela difusora
do Cinema, músicas de Saraiva, das cantoras Gigliola Cinquetti, Cony France,
Edith Piaf, dentre outras. No entanto, a preferida de frei Alberto era “O
Ébrio” de Vicente Celestino. Aliás, o gosto musical era ditado pelo padre e
pelo técnico Tozinho. Meninos pobres, ficávamos aflitos quando tocava o “Ó” e
não tínhamos conseguido dinheiro para assistir ao filme. De sorte que éramos
coroinhas e, frei Alberto, concedeu a nós um “Permanente” o que permitia assistíssemos
às reprises das películas exibidas nos finais de semana, que eram projetadas às
segundas-feiras, juntamente com os trailers
dos filmes e das séries que seriam exibidos durante a semana que se
iniciava.
O cinema de Princesa era um ambiente propício e convidativo
para namoros e os chamados “sarros” da juventude da época, mas foi também
protagonista de um episódio por demais emblemático, em meados da década de 70.
Em que pese eivado de preconceito e violência social, esse fato foi também
engraçado. Cicinho, era um homossexual, chegado em Princesa, das bandas das
Alagoas e que passou a fazer ponto no Cabaré de Estrela. Ali, ele funcionava
como cozinheiro nas casas das raparigas. Foi, na verdade, o primeiro gay
explicitamente assumido de Princesa. Em seu ambiente, o “rapaz alegre” usava
roupas de mulher, se maquilava e andava com trejeitos femininos. Isso, lá no
Cabaré, em nada prejudicava a moral e os bons costumes, tampouco atentava
contra o pudor da sociedade retrógrada e hipócrita daquela época.
Certo dia, porém, Cicinho tomou uma carraspana e resolveu ir
ao cinema assistir ao filme “Romeu e Julieta”. Vestido num short curtíssimo,
grandão que era, todo maquilado, visivelmente embriagado, Cicinho subiu, do
“Barracão” para o centro de Princesa, a rebolar sua grande bunda e, chegado à
Rua Nova, já começou a ser vaiado pelos moleques e pela rapaziada. Desinibido
por natureza e movido pelo álcool, continuou, impávido, seu percurso em busca
da Rua Grande onde ficava o Cine Santa Maria. Ali chegando, Cicinho comprou o ingresso,
entrou na sala de projeções que, com as luzes ainda acesas, o fez visto por
todos, o que provocou uma verdadeira algazarra com assovios, vaias e apupos:
“Bicha! Bicha!”. Sorrindo, Cicinho nem ligava.
Acionado para resolver o problema, frei Alberto apareceu e
pediu ao rapaz que se retirasse do recinto. Em vão, Cicinho parecia até que se
deliciava com aquilo. Chamada, a polícia, retirou o rapaz do ambiente e o
conduziu à Delegacia para prestar depoimento pelo suposto crime de atentado ao
pudor. Tempos bicudos aqueles! Fora hoje, diante de uma cena dessa natureza,
incriminados seriam os que apuparam e os que expulsaram o gay do Cinema. Em que
pese o crime de “sodomia” haver sido abolido do nosso Código Penal ainda no
Brasil Império, em 1830, o preconceito prevaleceu até o advento da Constituição
de 1988. Hoje, os tempos são outros quando os casais homoafetivos não precisam
mais do escurinho do cinema para se abraçarem e se beijarem, coisas que fazem
hoje em plena luz do dia, na via pública, sob o amparo da lei.
No início da década de 1980, com o advento da Televisão em
Princesa, a telinha substituiu o telão do Cine Santa Maria, que entrou em
franca decadência pela diminuição de público interessado em pagar para ver as
imagens em movimento que poderiam ser vistas, confortavelmente, em casa, com
muito mais qualidade e, de graça. Em face disso, o Cinema de Princesa perdeu
adeptos, vindo a fechar suas portas no final de 1981, passando a funcionar em
seu prédio, uma loja de eletrodomésticos e, hoje, após total reforma está ali
instalada, no local do antigo Cinema, uma loja de roupas da “Moda K”. No
exercício de um saudosismo salutar, lembramos que foi naquela casa de projeções
que muitos namoros nasceram, muitos beijos na boca rolaram e outras coisas
mais... The End.
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