domingo, 5 de maio de 2024

Domingo eu conto

Por Domingos Sávio Maximiano Roberto

Tragédias inexplicáveis

Enoque e Rosa, formavam um casal feliz e prolífico. Já tinham cinco filhos, todos homens e, Rosa, já com mais de 40 anos de idade, grávida, trazia a esperança de que, desta feita, fosse uma menina. Enoque torcia por isto. O marido, era um homem branco, alto, forte, brincalhão e com muita presença de espírito e que, no labor, exercia a profissão de marchante. Além de magarefe, Enoque, vivia a percorrer sítios em busca de gado gordo e a preço módico. Ele mesmo matava seus bois, cortava e comercializava no açougue da cidade pernambucana de Flores. Rosa, era do lar, uma mulher também branca, de média estatura, pacífica, paciente, tinha preguiça até de falar. Os dois, moravam com os filhos pequenos, numa grande casa, numa rua na beirada do Rio Pajeú.

A felicidade de Rosa e Enoque era abençoada pela forte religiosidade do casal. A mulher, só saía de casa para ir à igreja e, raramente, acompanhava o marido – a quem chamava de “Dindin” -  para onde quer que ele fosse. O homem não bebia, nem fumava e, vivia, quase que exclusivamente, para o trabalho. Naquele lar, a felicidade parecia ser completa, uma família perfeita. Em face disso, nada fazia crer que, aquele casal, seria abatido por tragédias, que trariam muitos desgostos na vida dos dois. O filho mais velho, Manoel, a quem chamavam de “Maninho”, logo cedo, ainda adolescente, foi mandado para estudar no Recife e, de lá, deslocou-se para Salvador, na Bahia, onde arrumou um bom emprego. Os demais rebentos do casal – à exceção de Vianey, o segundo filho, que, concursado, foi trabalhar nos Correios e Telégrafos, no Recife - permaneceram em Flores e, todos, acompanharam o pai no ofício de matar e vender carne de boi.

No sexto mês de gravidez da mulher, Enoque levou-a para a cidade de Afogados da Ingazeira, com o intuito do fazimento de exames, para averiguação sobre o bom desenvolvimento da gestação. Qual não foi a surpresa dos dois, quando o médico informou que, Rosa, estava grávida de gêmeos. Enoque exultou: “Eita! Duas meninas!” Parideira que era, em pouco menos de três meses, após a consulta médica, a mulher, entrou em trabalho de parto e, em casa mesmo, pariu dois meninos a quem botaram os nomes de Cosmo e Damião. Acabou-se a esperança de Enoque, em ser pai de meninas. Com esses dois, formaram sete filhos homens e, Rosa, já em idade avançada para procriar, não teve mais filhos.

Os gêmeos, foram criados com todo esmero. Enoque não era rico, mas, organizado, gozava de boa condição financeira e, Rosa, além de ser uma mulher bem criada e muito prendada, cuidava dos filhos com muita dedicação. Afora o filho mais velho, nenhum deles apresentou pendores para as letras. Quase todos, fizeram apenas os estudos fundamentais e, logo, se dedicaram ao ofício do pai. Mesmo assim, eram rapazes educados e pacíficos. Da parte deles, nunca se registrou comportamento desabonador. Até porque, a disciplina era uma das coisas que Enoque primava na criação dos filhos. Em casa, o respeito era a tônica. Tudo era feito nos conformes da ordem e da honradez. Muito religiosos, faziam as refeições, todos juntos, em mesa posta, ocasião em que discutiam os assuntos familiares e rezavam, antes e depois do repasto. 

Em Salvador, Maninho, prosperava. Em carta enviada ao pai, o filho informava que havia comprado um carro e um apartamento e que se preparava para casar-se com uma moça de lá, e que fazia questão de que, os pais, estivessem presentes na cerimônia de seu enlace matrimonial. Alegre com a notícia, Enoque, informou à mulher: “Rosa, tu se prepara que, desta vez, não tem desculpa não, tu vai ter que ir para o casamento de teu filho”. Sorrindo, a mulher, para surpresa do marido, disse: “Só Maninho para me fazer sair de Flores, mas, eu vou”. “Pois cuide em se arrumar que, a coisa lá, é bacana”, brincou Enoque. Rosa cuidou. Mandou fazer dois vestidos, comprou sapatos e mais outros apetrechos, enfim, fez-se pronta para o evento. Dois meses depois, Maninho mandou uma carta em que informava a data do casamento e, dentro do envelope, duas passagens aéreas de Recife para Salvador.

Brincalhão que era e, vendo Rosa com as duas passagens de avião às mãos, o marido, foi logo dizendo: “Eita, vai viajar de avião, coisa de rico, né?!” “Pois é, Dindin, só um filho me faria ter tanta coragem”, respondeu a mulher. Corria o ano de 1973. Passaram os dias e Rosa, contando nos dedos para chegar a tão esperada data das bodas do filho. Três dias antes da festa do casamento, os dois, embarcaram, num ônibus da Realeza, para o Recife, de onde voariam, na noite do dia seguinte, para Salvador. Chegados à capital pernambucana, se arrancharam na casa do filho Vianey. Na manhã seguinte, logo depois do café, Enoque e Rosa, foram atingidos pela pior notícia que poderiam ter em suas vidas: Maninho havia-se suicidado, na noite anterior, com um tiro no ouvido. Ao invés de assistirem ao casamento do filho, foram para Salvador para o seu sepultamento. O rapaz não deixou nada escrito, tampouco, fato algum, explicava essa atitude extrema. A moça, que seria sua futura esposa, inconsolável, não tinha a menor ideia do que possa ter causado o suicídio do noivo.

Após as exéquias do filho, Enoque e Rosa voltaram para Flores. Ele, muito triste e, ela, sem consolo, entrou num processo de depressão, do qual somente se livrou depois de mais de três anos. Sem esquecer a tragédia, mesmo assim, pensando nos outros filhos, a mulher, superou a perda do seu primogênito. Mesmo assim, se era soturna, ficou mais ainda. O único alento que tinha era o fato de ter ainda, os gêmeos, morando em casa. Os demais: Vianey, Noval, Totonho e Beto, já haviam-se casado e moravam em suas casas. Dos gêmeos, o mais comunicativo e mais alegre, era Damião. Rapaz de 20 anos de idade, bonito, de excelente temperamento e muito namorador. Enoque, não interferia nas escolhas dos filhos, e ficou feliz quando viu, seu caçula, Damião, encetar namoro com uma moça decente da cidade. Veronice, com seus 18 anos, era filha de Abdias Brás, um alto comerciante do lugar. O pai do rapaz fazia gosto no relacionamento e, o namoro, prosperava.

Certo dia, vindo do açougue, Enoque, foi abordado, na porta de sua casa, pelo pai da namorada de seu filho, Damião. “Enoque, preciso falar com você”, disse o homem. “Pois não, Abdias, do que se trata?” Prontificou-se o marchante. O homem, continuou: “Enoque, você sabe que seu filho, Damião, está de namoro com minha filha, né?” “Sim, sei e faço gosto nesse relacionamento, por quê? Você não concorda?” Disse Enoque. Demonstrando impaciência, o pai da moça, foi ao ponto: “Olhe, minha filha está grávida, e nós temos que resolver essa questão”. “Grávida?!” Assustou-se, o pai de Damião. “Sim, grávida, e seu filho vai ter de arcar com suas responsabilidades”, asseverou o pai de Veronice. “Não se preocupe, Abdias, tanto eu quanto meu filho, somos muito homens para cumprir com nosso dever. Fique tranquilo, que eu resolvo isso”, disse Enoque e, o pai da moça, assentiu em tom de ameaça: “Espero que sim, e breve!”

Chegado em casa, Enoque comunicou à esposa Rosa, e ficaram, os dois, no aguardo da chegada do filho. Já era noite quando Damião chegou em casa. Sentados à mesa para o jantar, o pai inquiriu o filho: “Damião, você está sabendo que sua namorada está grávida? O filho é seu?” Pasmo, o rapaz respondeu com uma pergunta: “Mas, quem lhe disse isso, papai?” “O pai dela! E, se for verdade, se prepare para casar-se. Eu não tenho filhas mulheres, mas, não aceito que a casa de ninguém, seja desonrada por um filho meu”, disse o pai em contundentes palavras. Já em prantos, Damião admitiu ser o pai da criança e, obediente que era, disse ao pai: “Tudo bem, papai, isso não estava na minha programação de vida, mas, vou cumprir meu dever, eu caso com ela”. Tranquilo, agora, com a anuência do filho, Enoque procurou o pai da moça e informou que tudo se resolveria na paz, o filho iria casar-se com sua filha.

A partir daí, a namorada de Damião, já com a barriga protuberante, passou a morar, com o, agora, noivo, na casa do sogro. Enquanto o pai da moça providenciava uma casa para os dois morarem, Enoque comprava os móveis e, os dois, vivendo numa felicidade só. Marcado, o casamento, foi uma cerimônia simples, oficiada na Casa Paroquial, sem pompa, nem festa, o que aconteceu num dia domingo à noite. No dia seguinte, segunda-feira, dia da feira livre de Flores, os nubentes, alegres, foram às compras para adquirirem, panelas e utensílios para a nova casa, que deveriam ocupar na semana seguinte.

Depois desse alegre conluio para suprir o novo lar do que era necessário, chegados à casa de Enoque, o casal, tomou banho e sentou-se à mesa para o jantar. Depois da costumeira reza, puxada por Rosa, Damião pediu licença ao pai, dizendo que iria ao seu quarto e que voltaria logo. Nesse ínterim, todos à mesa, em animada conversa, foram surpreendidos por um disparo que ecoou por toda a casa. Atônito, o pai, levantou-se da cadeira que ocupava e partiu para o quarto do filho. Lá, deparou-se com a tenebrosa cena: Damião, caído ao chão, se esvaindo em sangue, nos estertores da morte, atingido por um tiro no ouvido, disparado por ele mesmo, com a arma do pai. Nunca houve explicação para mais essa tragédia familiar. Pouco tempo depois, Rosa morreu, abatida pela tristeza.

*Esta história é baseada em fato verídico. Enoque, era irmão-afim da minha mãe, Osana Roberto.



 

 

 

 

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