domingo, 2 de junho de 2024

Domingo eu conto

 

Por Domingos Sávio Maximiano Roberto

Paulo Mariano e as apurações

Até o ano de 1998, quando votávamos em cédulas de papel, as apurações das eleições, em Princesa, eram feitas de forma manual, num exercício rudimentar, que dava margem a todo tipo de manobra, tanto em benefício, quanto em detrimento dos candidatos, dependendo do comportamento de cada Mesa Apuradora. Aliás, a fraude eleitoral, antes do advento da urna eletrônica, era a tônica das eleições, principalmente, nos municípios menores. Em Princesa, não era diferente, quando os donos do poder deitavam e rolavam em prol de si e de seus prepostos.

Nas eleições municipais, a coisa era mais escandalosa ainda e, a briga, era de foice: cada um puxava para si, em detrimento do adversário. Houve até caso de urna “pescada”, mas isso é outra história. Quando a eleição era estadual, nas apurações, se estabelecia um tipo de cartel quando, os votos dados aos candidatos de fora, e, os brancos e nulos, eram divididos, equitativamente, entre os candidatos da terra: Nominando e Pereira. A contagem dos votos começava já na noite das eleições, logo após o fechamento das urnas. As apurações obedeciam a um critério: primeiro, apuravam-se os votos de Água Branca, depois Juru, Manaíra, Tavares e, por fim, Princesa.

A única vantagem das apurações manuais, era a animação que esse evento político provocava, quando os resultados eram divulgados a conta-gotas, urna a urna, voto a voto. No mais, era muita fraude e brigas entre adversários. Na condição de sede da Comarca, era em Princesa que aconteciam as apurações. As urnas ficavam guardadas no Cartório Eleitoral – órgão que era comandado pelos chefes políticos em alternância de dois em dois anos. Fechadas as urnas, começavam a chegar os caminhões carregados de eleitores com o intuito de acompanhar a contagem dos votos. Vinham dos dois lados e, a animação, era grande: bandeiras, batucadas, foguetões, aplausos e apupos e, claro, muita cachaça.

Afora Princesa, o eleitorado mais animado era o de Tavares. Naquela cidade, as disputas eleitorais se atinham entre Terto Morais, João Casusa e Zé Félix. Já em Juru, a briga eleitoral era entre o capitão Dalmo Teixeira e os comerciantes Miguel Ramos e Antônio Alves. Em Manaíra, os lados não eram bem definidos e, os atores políticos, variavam entre Betinho, Chico Antas, Luiz de Sousa e, mais recentemente, Tião Mandu. Somente Água Branca era dominada, hegemonicamente, por uma única família: os Firmino, sob a liderança inconteste de Benone.

O escrutínio dos votos, nas décadas de 60 e 70, era feito, via de regra, nas dependências do Fórum, que funcionava onde hoje está instalado o Ministério Público Estadual. Somente em 1951, por motivos que desconhecemos, as apurações ocorreram em local diverso: na casa de Zé de Quincas (onde hoje funciona o restaurante, “O Casarão”). 37 anos depois, nas eleições de 1988, para a escolha de prefeitos e vereadores, o serviço de contagem dos votos aconteceu na Quadra de Esportes, “Ministro Alcides Carneiro”, sob o comando do juiz de direito, doutor Manoel Paulino da Luz.

Nessa quadra, em 1988, nas eleições, em Princesa, além dos candidatos a prefeito: Assis Maria/doutor Zoma, pelo PFL; Doca Ferraz/Valdemar Barbosa, pelo PMDB e, Marconi Campelo/Solon Mariano, pelo PSB, concorreram também, 55 candidatos a vereador em busca das onze vagas na Câmara Municipal. Nesse pleito, as apurações deram guia a uma estória engraçada, inventada pelo escritor e político princesense, Paulo Mariano. Em distorção dos fatos e com boa pitada de bom humor, aliada à conhecida presença de espírito do velho comunista e, realçando a prática contumaz de fraudes nas apurações em Princesa, Paulo inventou estórias mirabolantes sobre essa apuração.

As Mesas Apuradoras eram formadas por cidadãos e cidadãs, chamados “de bem”, pessoas idôneas, escolhidas pelo Poder Judiciário para o escrutínio dos votos. Paulo Mariano sempre foi um deles. Porém, desta feita, na qualidade de candidato a vereador, não pôde participar das apurações como escrutinador. Mesmo assim, estava presente aos trabalhos de contagem dos votos o que lhe proporcionou a oportunidade de ter a brilhante ideia de inventar estórias que trouxeram alguns desgostos. Estórias que tiveram também o condão de proporcionar homéricas gargalhadas.

Era no bar de Gera que Paulo Mariano estacionava, todos os dias, para molhar a goela com uma cachacinha e jogar baralho e conversas fora. Prosas que versavam, invariavelmente, sobre política. Naquele ano de 1988, logo após as apurações, Paulo fez a maior galhofa sobre a forma como foi conduzida a contagem dos votos e sobre a proclamação dos eleitos. Muitos foram os candidatos, a vereador, que não obtiveram êxito eleitoral. Dentre eles: Zé de Ana, Pajé, Ana de Benami, Zé do Motor e, o próprio Gera, dono do bar.

Todos já muito revoltados com o resultado negativo das urnas, cada um procurando a causa do insucesso ou o culpado pela derrota eleitoral, ficaram ainda mais chateados e tristes quando souberam, por Paulo, o que motivara seus malogros nas urnas, e mais, que tinham perdido a eleição, nas apurações! Para completar, Paulo Mariano dizia, em alto e bom tom que, alguns dos escrutinadores, a exemplo de: Marçalzinho, Braga, João Florêncio, Dominguinhos, Ilo Cardoso e Eduardo Abrantes, haviam formado um complô para eleger Geraldo Rodrigues vereador, em detrimento dos candidatos acima citados.

Para dar entendimento sobre a maléfica tática adotada pelos escrutinadores, Paulo acrescentava que, esses “mafiosos”, fraudavam quando transferiam as intenções de votos de um desses candidatos, encaminhando os sufrágios deles para o candidato Geraldo Rodrigues, adulterando os números nas cédulas quando, tanto suprimiam como acrescentavam caracteres, sempre com o intuito de prejudicá-los, alterando assim a intenção dos eleitores, em benefício do preferido deles.

Segundo Paulo, a fraude acontecia da seguinte forma: Se o voto estava consignado, na cédula, para PAJÉ (apelido de Nivaldo Siqueira), os fraudadores acrescentavam o termo: “RALDO”, formando a palavra PAJERALDO e assim, o voto era computado para o candidato Geraldo Rodrigues. Quando encontravam um voto escrito: GERA DO BAR, os mafiosos alegavam que esse voto era para Geraldo Rodrigues, pois, este, havia sido balconista de um bar pertencente a sua prima, Odívia Maximiano, na década de 60. Essas estórias eram relatadas aos próprios candidatos derrotados que ficavam irados com a informação, por conhecerem aí, o motivo da derrota eleitoral.

Certa manhã, encontrando Benami, no bar de Gera, Paulo o chamou para uma prosa e começou a relatar sobre a computação dos votos de sua esposa, Ana. Disse, o velho comunista, que, quando o voto estava expresso, na cédula eleitoral, para ANA, "eles“ [os escrutinadores] acrescentavam, antes do nome consignado, a expressão “ZÉ DE”, ficando manifesto, o voto, para ZÉ DE ANA. Já para Zé de Ana, Paulo dizia que, os escrutinadores, quando encontravam um voto grafado: ZÉ DE ANA, apagavam, com uma borracha de tinta, a expressão “ZÉ DE” e deixavam somente “ANA” e, esse sufrágio, ia para a esposa de Benami.

Moral da história: Geraldo Rodrigues foi eleito vereador e, dada a repercussão negativa dessa galhofa promovida por Paulo Mariano, os escrutinadores acusados dessa “fraude”, foram desligados da incumbência apuradora pela Justiça Eleitoral e, jamais, participaram das apurações. Com o tempo, os derrotados, entenderam haver sido uma brincadeira de Paulo, conformaram-se com a derrota e nunca mais concorreram a cargo eletivo algum. Paulo Mariano, que também foi derrotado nesse pleito, concorreu novamente em 1992 e, juntamente com Geraldo Rodrigues que tentava reeleger-se, para deleite dos derrotados de 1988, ambos, não lograram êxito nas urnas.



 

 

 

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