domingo, 28 de julho de 2024

Domingo eu conto

Por Domingos Sávio Maximiano Roberto

Masturbação: O pecado que deixou de ser

Segundo O livro do Gênesis (...), Deus criou o homem à sua imagem e semelhança. Após a instituição e organização do cristianismo como se conhece hoje, através dos esforços do apóstolo Paulo e dos interesses políticos do imperador romano Constantino, a Igreja Católica criou as regras que comandam o funcionamento dos comportamentos. Depois da realização do Concílio Vaticano II (1962-1965), a Igreja de Roma flexibilizou, no seu chamado “Aggiornamento”, vários conceitos que, rigorosos antigamente, passavam agora a serem abrandados em nome da adaptação aos novos tempos da modernidade. No exercício de sua contumaz vulnerabilidade hipócrita, a Igreja Católica abunda na falta de escrúpulos quando a questão é sua sobrevivência.

Aquele Concílio, convocado pelo papa João XXIII (1958-1963) e encerrado pelo papa Paulo VI (1963-1978), teve o condão de mudar algumas práticas e regras tradicionais da Igreja, a exemplo da missa, que era celebrada pelo padre de costas para os fiéis e proferida em latim – à exceção da homilia que era feita, no caso do Brasil, em português, quando o padre interpretava os evangelhos ao seu bel prazer, e que passou a ser realizada no idioma vernacular de cada país. Dentre outras modificações, foi abolida também a obrigatoriedade da confissão auricular (aquela em que o padre postava-se no confessionário, totalmente fechado, e ouvia os pecados do povo), adotando-se a prática da confissão comunitária em que os católicos fazem um exame de consciência e pedem perdão diretamente a Deus.

A essa altura, o leitor, intrigado, deve estar-se perguntando o que tem a ver Concílio, papa, missa, confessionário, etc., com masturbação. Pois bem, foi através do confessionário que a prática masturbatória foi demonizada quando considerada um grave pecado que ofendia a Deus e, também, à saúde dos praticantes. Lembro-me, quando adolescente - eu que faço parte da última geração de jovens pós-conciliares que ainda sofreram com os preconceitos da Igreja Romana e que fui criado por mãe extremamente católica que seguia à risca as determinações dos padres -, que tinha a obrigação de ajoelhar-me no confessionário, semanalmente, para contar os pecados ao padre, pedir perdão, cumprir a penitência e receber o sacramento da eucaristia.

O problema é que, a maioria dos adolescentes, se diverte diariamente com a prática da masturbação em busca do solitário prazer. Isso faz entender que o perdão obtido no confessionário só tinha a validade de um dia, o que não era entendido, nem pela minha nem pelas demais mães católicas. Víamo-nos, portanto, obrigados a receber a comunhão, apenas uma vez, em estado de graças e, nas demais, em grave pecado, o que nos trazia grande peso na consciência e desconforto espiritual. A hipocrisia da necessária pureza nos remetia a viver, seis, dos sete dias da semana, em grave situação pecaminosa.

Pelo menos a mim, o que me acalentava, era saber que Deus criou o homem como um seu igual e, assim sendo, tinha Ele o conhecimento das nossas fraquezas e das nossas necessidades fisiológicas. Se o Próprio não praticava atos pecaminosos, sabia que nós o fazíamos apenas por divertimento e não com o intuito de prejudicar outrem. Se Ele pôs em nós essa vontade, não poderia ser isso um pecado. Essa reflexão era feita por mim, como que em busca de alguma justificativa sempre que me preparava para receber a hóstia consagrada em pecado, pois, na condição de coroinha, assistia missas diariamente e recebia o corpo de Cristo todos os dias.

Na confissão seguinte, a mesma coisa, o padre dizia: “Meu filho, conte seus pecados”, ao que eu respondia: “Fiz ‘coisa feia’”. Aí, o sacerdote já entendia que, “coisa feia” era punheta, e dizia: “Vá rezar três padre-nossos e três ave-marias e não peques mais”. Eu cumpria a penitência determinada pelo padre e comungava em estado de graças. O problema é que, tanto eu quanto o padre, sabíamos da mentira, pois, o pecado era o mesmo toda semana. Será que o reverendo imaginava que o cara só batia punheta na véspera da confissão? E, se assim fosse, para que dizer: “não peques mais?” O padre sabia que aquilo era uma farsa, uma vez que já havia sido adolescente e, principalmente, pela condição de celibatário, por certo, ainda se divertia também. Mesmo sabendo que aquele perdão era pra inglês ver, que era circunstancial, momentâneo e que, o “arrependimento”, era uma forma deliberada para continuar pecando o mesmo pecado, o sacerdote absolvia para cumprir uma praxe sua, mas, sabia que a praxe do confessado era pecar de novo.

Essa sequência semanal: punheta, perdão, penitência, comunhão e punheta de novo, era o suprassumo da hipocrisia. Hipocrisia que era maior no caso dos meninos do que no das meninas, pois, na circunstância masculina havia o pensamento do pecado dobrado: o da masturbação e o da certeza de que seria repetido. Quanto às meninas, era diferente, pois, naquele tempo sequer se cogitava que mulher praticasse o exercício masturbatório. Ademais, qual a adolescente que teria coragem de dizer ao padre que havia feito “coisa feia?” Seria um escândalo e constituir-se-ia grande perigo, uma vez serem, os padres, solteiros e celibatários, portanto, carentes e poderiam, estes, enxergar nessa confissão, uma possibilidade de enveredar pelo caminho da luxúria. Nesse caso ficavam, as meninas, inimputáveis pelo preconceito e, nessa condição, enganavam, hipocritamente, somente a Deus quando, mesmo em constante pecado, recebiam a eucaristia. Estas passaram a receber o estado de graças somente com o advento da confissão comunitária, quando confessavam seus pecados diretamente ao Criador.

Em tempos mais remotos, ou seja, até a chamada revolução sexual dos anos 1960, a sociedade hipócrita - regida pelos preceitos religiosos - tinha as mulheres como instrumento para a procriação. As moças, ditas de família eram preservadas para o casamento e a consequente procriação. A orientação religiosa determinava que as mulheres ditas “direitas”, não deveriam entregar-se a seus maridos com luxúria, mas sim, somente para satisfazê-lo quando bem aprouvesse ao homem. E mais: não poderiam sentir ou demonstrar sentir prazer sexual. Se não podiam “gozar” no ato da conjunção carnal, imagine através da manipulação recôndita em busca do prazer! Era essa proibição um absurdo, pois, a mulher, como o homem, tem também a condição de sentir prazer. Aliás, a mulher é a única fêmea do reino animal que sente prazer sexual, depreendendo-se daí, que a prática sexual entre homem e mulher não se destina apenas à procriação.

Nos animais irracionais é diferente, a fêmea só permite o acasalamento quando está em período fértil (ocasião em que seu organismo libera um hormônio específico – feromônio na maioria dos animais -, que exala um odor que atrai os machos e permite a penetração sem dor). Observe que, quando um touro cobre uma vaca, ela fica passivamente ruminando; quando um cavalo sobe numa égua, muitas vezes, ela continua pastando normalmente; quando um galo pega a galinha, ela, ao final do ato, sai toda se sacudindo como se quisesse se livrar de algo incômodo.

Quanto aos humanos, é diferente, o sexo é praticado com prazer e isso, claro, com a permissão do Criador, pois, foi Ele quem criou tudo e, no caso específico da mulher, deu-lhe prazer talvez por conta de haver sido a mesma, constituída da costela homem, herdando assim, do macho, a condição de gozar. Quanto aos irracionais, não, pois, foram criados, macho e fêmea, de forma simultânea. A compulsão pela masturbação é intrínseca, principalmente quando se trata de jovens ainda solteiros. Para lustrar isso, vale uma história engraçada: João de Júlia de Paulo de Zefinha, dois adolescentes, costumavam irem para o Açude Velho olhar as mulheres lavando roupas, de cócoras com a genitália à mostra. Aproveitavam para se masturbar. Certo dia, cada um numa moita, se deliciavam com as mãos quando Paulo gritou: “João, tu já gozou?” Não, respondeu o outro. “Pois, num goza num não que essa daí é mãe!”

A prática da masturbação é mais comum entre os animais que são monogâmicos (aqueles que se acasalam com um único parceiro), tanto os irracionais quanto os humanos. Estes, por conta das convenções sociais e dos ditames da religião católica, não devem fazer sexo com mais de um parceiro simultaneamente, tampouco fora do casamento. Talvez por conta disso, aqueles que cumprem esses preceitos, praticam com maior frequência a masturbação. No caso dos homens religiosos, mesmo disciplinados quanto à obrigatória monogamia, acreditam que estão a cometer pecado quando se masturbam, pois, a Igreja entende e determina que a ejaculação só deve ser exercida no coito procriativo ou, em poluções noturnas.

A masturbação, em tempos idos, era censurada não somente pela Igreja católica, mas também pela medicina. Antigamente acreditava-se até que os jovens que se masturbavam poderiam desenvolver doenças mentais e que, a prática contumaz da masturbação causava debilidade física e até tuberculose. Era comum também os homens mais velhos, brincarem com os adolescentes, pedindo-lhes para ver suas mãos, dizendo que, muita punheta fazia criar cabelos na palma da mão. Com o fim do mandonismo religioso acabou-se o preconceito e, hoje, já se diz que a masturbação é até benéfica à saúde. Quanto à Igreja Católica, frente às reivindicações pela abolição do celibato dos padres - no que resiste ferozmente -, decidiu fazer vistas grossas à masturbação por saber que é ela a prática mais comum dentro de seu próprio seio ministerial e é agora um pecado que deixou de ser.



 

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