Por Domingos Sávio
Maximiano Roberto
A Princesa do meu tempo
A nostalgia é um sentimento que nos remete a tempos idos
contidos de lembranças que gostamos de rememorar. Esses momentos, vividos no
passado, nos trazem boas recordações quando nos pomos a relembrá-los. Depois
dos sessenta vem-nos uma certa pressa em fazer as coisas ligeiro como se
estivéssemos nos despedindo de tudo, mas, sem tristeza. A memória das coisas
boas é igual a um filme bom que gostamos de reprisar em nossas mentes em busca
das gratas sensações do nosso próprio passado.
Aficionado por história, não poderia deixar de rememorar a
minha e a dos meus contemporâneos. A Princesa bucólica, romântica e inocente do
meu tempo de criança praticamente não existe mais. Aqueles que daqui saíram há
mais de 40 anos, se voltarem, não a reconhecerão mais. Tudo mudou, desde o
físico até o emocional. O casario e os locais por nós usados para nossas
brincadeiras de crianças ou peripécias de adolescentes e jovens, quase todos
estão descaracterizados. A cidade de Princesa é hoje igual a tantas outras, não
tem mais aquela identidade peculiar que era somente sua e nossa.
Quando crianças nós, meninos, brincávamos do lema, do preso,
da peia-quente... Enquanto as meninas, faziam rodas cantando modas inocentes (Ó
que bela laranja, maninha...) ou fazendo o “Passarás”. Quando juntos, nos
deleitávamos com a brincadeira do anel ou do “Tô no Poço”. Aos domingos, o
catecismo na Igreja Matriz e, depois, a matinê no Cine Santa Maria. Quando
rapazes e moças, os “assustados”, animados por radiolas de pilhas, aconteciam
nas casas dos amigos, ocasiões onde surgiam os primeiros namoros e, numa forma
de combater o machismo, havia também o “baile da cebola” quando eram as meninas
que tiravam os meninos para dançar. No Carnaval, o que animava era a Escola de
Samba comandada por dona Celina de doutor Antônio. No São João, a sensação era
a quadrilha de irmã Benigna
Nas calçadas das residências, enquanto nós brincávamos, os
mais velhos conversavam sobre os assuntos do dia-a-dia com preferência pela
política; contavam estórias de trancoso; falavam da vida alheia, tudo isso ao
som da difusora do cinema que, atendendo às preferências musicais de frei
Alberto e de Tozinho, executava Vicente Celestino, Gigliola Cinquetti, Edith
Piaf, dentre outros clássicos. No cinema preferíamos os filmes de faroeste e de
ação. Filmes de amor só para maiores de 18 anos, assim mesmo, sem beijo na boca
porque frei Alberto mandava Tozinho cortar a fita. Na frente do cinema, em vez
da tradicional pipoca, o cavaco chinês de “seu” Manezim Pereira; o rolete de
cana de Nana de Vigó; o cachorro quente e a tapioca com coco de Maria Costa; a
castanhola de Passarinho e outras guloseimas mais.
Sem energia elétrica de Paulo Afonso a luz do motor da Prefeitura
se apagava às 09h30 da noite depois de dar dois avisos. Sem televisão, telefone
nem internet, matávamos o tempo livre na Biblioteca da Praça “Zé Nominando”
lendo livros, sob a indicação de Socorro de “seu” Mano, que não nos deixava ler
os livros de adultos. Intercambiávamos nas leituras dos gibis de Walt Disney e,
as meninas, filhas de pais mais liberais, liam as revistas: “Capricho”, “Sétimo
Céu” e “Grande Hotel”. Quase tudo era censurado, porém, mesmo assim os sarros
aconteciam atrás da igreja ou nas danças sob a luz negra do “Le Bartô”. Tudo
era controlado pelos pais e olheiros, mas nada impedia de os jovens cometerem
transgressões que, comparadas com as de hoje, se apresentam ridículas pela
inocência. A droga era o cigarro escondido o que, naquele tempo, era charmoso.
Quando chegava um circo era uma festa. Os espetáculos
aconteciam à noite, completos de danças, palhaçadas, números de mágica e, o
auge, eram as peripécias dos trapezistas com destaque para Birôco e Dorinha.
Porém, o que mais gostávamos era mesmo acompanhar o palhaço desfilando em pernas
de pau pelas ruas da cidade quando distribuíam carimbos nos braços dos meninos
que respondiam sua cantoria, para ter direito a entrar de graça à noite. Já na
década de 70, começaram a aportar em Princesa grandes parques de diversão
compostos de rodas gigantes, barracas de tiro ao alvo e outras atrações. O que
mais agradava aos jovens era a execução das músicas do momento através de um
potente aparelho de som e, o mais divertido, eram os oferecimentos de “páginas
musicais” aos enamorados.
Mas nem tudo eram flores. A repressão da Igreja Católica nos
punha na mira dos preconceitos religiosos quando nos ensinavam que, quase tudo
era pecado. Isso não se atinha apenas à religião, mas também aos costumes e às
superstições da época. Crianças eram alertadas para temerem o “Papa-figo”: uma
figura lendária que vagava pelas ruas das cidades pequenas em busca de crianças
para retirarem-lhes os fígados que serviam de remédio para um mal que lhes
fazia crescer as orelhas. Outro bicho-papão era o “comunismo” – inventado pela
ditadura militar - quando nos faziam rezar contra o seu estabelecimento no
Brasil, o que provocaria o fechamento das igrejas. A virgindade das meninas era
essencial e, moça deflorada, às quais chamavam de “perdidas”, eram privadas do
convívio social.
Havia também muitas superstições que, vistas de hoje, se
fazem por demais divertidas senão ridículas. Comer buchada e tomar banho
poderia ser fatal. Quem chupasse manga ou laranja não poderia tomar leite.
Tomar cachaça com queijo de coalho era morte certa. Tomar café e sair pro
vento, entortava a boca. Comer carne do passarinho “cabeça vermelha” dava fome
canina. Afora essas superstições opsofágicas, havia também as de costumes quando
não era recomendável que mulheres menstruadas passassem por debaixo de pés de
limão. Tomar banho na Quarta-feira Santa entrevava e, tirar leite de vaca na
Sexta-feira Santa era pecado mortal.
Vale lembrar outras coisas que hoje não existem mais. As ruas
de Princesa eram povoadas por doidos e esmoleres. Os malucos, desamparados,
viviam às custas de quem gostava de fazer caridade e, seus comportamentos,
quando não violentos, divertiam a todos a exemplo de Chico Raposa que dançava,
em rodopios, no adro da Igreja Matriz; ou Arlinda Doida que tirava os meninos
do prego. Os mendigos perambulavam de porta em porta a pedir esmolas em nome de
Deus e, na Semana Santa, mesmo aqueles que não eram contumazes pedintes,
aproveitavam a quadra para comer melhor e saíam pelas casas numa paradoxal
prática, pedindo “jejuns”.
Eram tempos rudes, atrasados, obtusos e preconceituosos, mas
despidos da maldade e dos vícios que hoje grassam em detrimento do bom
funcionamento de uma sociedade sadia. Talvez por falta de informação, o nosso
mundo era restrito e, os valores que nos incutiam nas cabeças eram cultuados à
risca. Havia respeito, obediência e empenho em prol da firmeza dos caráteres.
Sem saudosismo piegas, tampouco fazendo apologia ao que se foi, resta-nos
saudade do que vivenciamos porque fazemos parte da última geração pré-internet,
mas temos de nos adaptar às novas regras porque, os tempos são outros e a fila
anda.
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