Por Domingos Sávio
Maximiano Roberto
O Livre Arbítrio
O Livre Arbítrio é um instituto baseado no argumento sempre tão
usado pelos que não conseguem definir ou justificar com precisão o motivo das
desigualdades sociais, comportamentais, dentre outras -, serve como desculpa
para justificar erros, omissões, abandonos, etc. No âmbito das religiões o
“livre arbítrio” justifica situações em que se questiona a aplicação dos
desígnios de Deus na vida das pessoas, principalmente aquelas mais carentes de
meios financeiros, intelectuais ou de discernimento. Para os que defendem essa
maléfica e mascarada tese, a alegação é a de que Ele escreve certo por linhas
tortas quando escarnecem dos desvalidos em benefício de seus confortos
espirituais baseados na hipocrisia religiosa.
Certa vez, participando de uma palestra ministrada por um
pastor evangélico, membro de uma importante Igreja Batista, ouvi o mesmo
afirmar, em resposta a uma pergunta formulada por uma senhora presente, que
questionava sobre o motivo de existirem pessoas que tinham mais sorte do que
outras e que viam seus problemas serem resolvidos com mais e maior facilidade
do que os de outras. Queria, aquela mulher, que o religioso, baseado em seu empírico
ministério e em seu conhecimento teológico, explicasse ou justificasse tal
diferença entre “iguais”.
Contrita e adepta dos ensinamentos religiosos, a mulher,
queria apenas uma orientação. Em face do questionamento da crente, o pastor, de
forma evasiva simplesmente respondeu: isso é o “livre arbítrio”; acrescentando
que Deus não interferia diretamente na vida das pessoas; que cada um detinha o
direito de conduzir sua própria vida da maneira que quisesse; que os
ensinamentos religiosos, serviam como guia para os crentes, porém, cada um
teria a liberdade de segui-los ou não, ou de fazer as coisas em conformidade
com suas vontades.
Ouvindo isso, levantei-me da cadeira em que estava e fiz uma
interpelação, solicitando emitir um comentário sobre o assunto em pauta, no que
fui atendido. Formulei uma pergunta ao pastor, contando uma história. Comecei
dizendo que conhecia algumas mulheres que, em tempos passados, se tornaram
prostitutas porque, quando “perdidas” - termo usado antigamente para definir
moças donzelas que se entregavam à prática sexual antes do casamento -, foram
sumariamente expulsas de casa pelos pais ou irmãos e, diante da severa
recomendação para que nenhum dos familiares seus lhes dessem guarida, caíram no
mundo e, os únicos locais que encontraram para abrigarem-se, foram os cabarés.
Diante do exposto, perguntei ao pastor: teriam essas moças –
algumas ainda impúberes -, “livre arbítrio” para se conduzirem condignamente em
obediência aos preceitos e ensinamentos religiosos e morais daquela época? Ou,
em caso de cometimento do “pecado” capital da luxúria, saberiam elas se
conduzirem pelo mundo afora sem nenhum amparo de terceiros? O pastor,
titubeante, respondeu que os desígnios de Deus são impenetráveis e insondáveis
e que para toda causa existe um efeito e citou a máxima popular dizendo: “às
vezes, Deus escreve certo por linhas tortas”.
Após essa assertiva desprovida de consistência, perguntei ao
reverendo se enquanto isso seria permitido por Deus, aquelas moças se
depravariam, forçosamente, nos bordéis, onde, além de prostituírem-se, viciar-se-iam
na bebida e nas drogas, além de estarem expostas a todo tipo de violência e às
doenças inerentes à profissão mais antiga do mundo e acrescentando, em tom
interrogativo, se tudo isso aconteceria com a permissão de Deus?
Além de nada mais responder, aquele representante do Divino
aqui na terra, nada disse sobre o que fazem ou poderiam [eles] fazer para mudar
esse comportamento ou promover verdadeiramente o famigerado “livre arbítrio”.
Atêm-se, hipocritamente a orar, rezar e louvar a Deus, enquanto suas
“criaturas” – principalmente as mais desamparadas -, sofrem sem nenhuma
assistência espiritual ou financeira das diversas e ricas religiões que, em sua
maioria – principalmente a religião Católica - primam, principalmente, pelo
fausto da solenidade e do poder temporal.
Depreendi que o “livre arbítrio”, para eles, condôminos da
fé, é mais um instrumento acomodadiço para justificar culpas por omissões e
promover o conforto espiritual desses que nada fizeram ou nada fazem para dar
oportunidades àqueles menos favorecidos pela sorte para conduzirem-se
condignamente. Corroborando esse pensamento, lembro aqui a confortável posição
das Igrejas Católica e Luterana com relação à escravidão de negros na era
moderna quando, hipocritamente, não só anuíram quanto à existência da Escravatura,
como também se locupletaram do elemento servil como proprietários de grandes
lotes de escravizados. Teriam esses cativos o poder do exercício do livre
arbítrio?
Além do cerceamento da liberdade de seus escravos, a Igreja
Católica os ungia com o batismo, obrigava-os a professar a fé no seu culto
religioso, enquanto promovia a segregação dos mesmos quando não lhes permitia a
assistência às missas e aos ritos da fé católica em templos e igrejas juntos
com os brancos e, mais adiante, já depois da extinção da Escravidão – no caso
da Igreja Católica -, determinando a proibição de que negros pudessem ser
ordenados padres. O exemplo mais acabado e mais gritante da hipocrisia em que
se constitui o famigerado “livre arbítrio” é o próprio instituto da Escravidão
que antagoniza todas e quaisquer condições de liberdade.
Com efeito, o livre arbítrio pode sim ser praticado por
aqueles detentores das condições necessárias de fazê-lo. Transferir o exercício
desse instituto para todos, de forma generalizada, é arbitrário, portanto
inconcebível. Como pode, alguém cerceado das condições de agir - seja pela
falta de meios ou por incapacidade intelectual ou social - fazer-se dono de sua
vontade? No comando dessa prática, a hipocrisia vadeia quando a norma existe
somente para justificar uma situação que mascara valores e situações
completamente desiguais. Nesse caso, o livre arbítrio é praticado pelos que
podem, contra aqueles que não possuem a mínima condição do exercício do querer.
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