domingo, 22 de setembro de 2024

Domingo eu conto

 

Por Domingos Sávio Maximiano Roberto

A visita do presidente João pessoa a Princesa

No dia 18 de fevereiro de 1930, o presidente da Paraíba, João Pessoa Cavalcanti de Albuquerque visitou a cidade de Princesa. Acompanhado de alguns auxiliares de seu governo, o chefe do Poder Executivo estadual aqui chegou à frente de uma comitiva composta por José Américo de Almeida, Secretário do Interior e Justiça; coronel Elísio Sobreira, Comandante da Força Pública do Estado; Antenor Navarro, Diretor de Saneamento da Capital e Adhemar Vidal, Chefe de Polícia da Capital. João Pessoa foi o terceiro presidente do Estado a visitar Princesa (antes a cidade havia recebido os presidentes: Solon de Lucena e João Suassuna) e o único, até então, a não trazer obra alguma para o município. A visita teve cunho exclusivamente eleitoral.

Nessa data, completavam-se dois dias que o presidente paraibano havia homologado - com sua única assinatura -, a chapa eleitoral do Partido Republicano da Paraíba, composta dos nomes que disputariam as eleições do próximo dia 1º de março de 1930, tanto para a Câmara Federal quanto para o Senado. O problema é que a chapa, registrada à revelia da Comissão Executiva do Partido, omitia os nomes de vários próceres da política paraibana que, em sua maioria, intencionavam ser reeleitos, inclusive o do ex-presidente do Estado, João Suassuna, que era amigo íntimo e o maior aliado político do coronel José Pereira Lima. Essa exclusão já vinha causando alguns descontentamentos no seio partidário porque, a pretexto de promover a renovação da chapa, o presidente, mesmo assim, manteve o nome de seu primo Carlos Pessoa, que concorreria à reeleição como deputado federal.

Sabendo que o coronel Zé Pereira, deputado estadual à Assembleia Legislativa do Estado, não estava satisfeito com a exclusão, na chapa, do nome de seu amigo o ex-presidente João Suassuna, mesmo assim, João Pessoa resolveu visitar Princesa e o fazia também com o intuito de promover sua própria candidatura à vice-presidente da República na chapa encabeçada por Getúlio Dorneles Vargas. Para os auxiliares mais próximos, essa decisão de visitar Princesa causou alguma apreensão. É tanto que, às vésperas da viagem, o secretário de Segurança Pública, José Américo de Almeida, questionou o presidente, perguntando: “O senhor vai mesmo a Princesa?” “Por que não?”, respondeu, com uma pergunta, João Pessoa. O presidente, ousado e destemido, jamais se apartaria de cumprir essa vontade, gostava de desafios e, autossuficiente que era, não acreditava em desfeitas à sua pessoa.

Chegando em Princesa - em que pese o temor de seus auxiliares de não serem bem recebidos, pela atitude tomada pelo presidente há dois dias passados, quando homologou a chapa sem o nome de João Suassuna –, qual não foi a surpresa de todos quando encontraram a cidade toda engalanada, enfeitada com as cores da Aliança Liberal, o encarnado, e o constante reboar de foguetões, uma recepção de gala. Para receber o presidente, Zé Pereira se fez acompanhar das demais autoridades do município e de vários correligionários, já na entrada da cidade. João Pessoa, vindo de Monteiro, chegou pela estrada que liga Princesa a Flores/PE.

Chegados ao centro da cidade, já estava formada, na calçada da casa do coronel, a Banda de Música “José Pereira Lima”, sob a regência do maestro Joaquim Leandro de Carvalho, a executar dobrados em homenagem ao nobre visitante. À exceção do Juiz de Direito, doutor Clímaco Xavier (que era desafeto do presidente João Pessoa), todos os representantes dos segmentos sociais da cidade estavam presentes, a exemplo do prefeito José Frazão de Medeiros Lima; do vice-prefeito Glycério Florentino Diniz; do presidente do Conselho Municipal (Câmara de Vereadores), Florentino Rodrigues Diniz (Major Floro); do vigário paroquial, padre Francisco López; do Promotor Adjunto, Manoel Medeiros Lima; do Delegado de Polícia, tenente Manoel Arruda, dentre outras autoridades. 

Além de ser recepcionado com grande pompa, João Pessoa foi agraciado com um banquete de 60 talheres e com a realização de um baile de gala, à noite, oferecidos pelo atento anfitrião. Esse evento teve lugar na casa do coronel José Pereira, situada à Rua Coronel Marcolino (“Rua Grande”), ocasião em que foi lida uma saudação pela estudante Hermosa Pereira Góes e proferido, pelo cunhado do coronel, Inocêncio Justino da Nóbrega (o mesmo que, anos atrás havia-se indisposto com o pai do visitante), um curto discurso de saudação. Após o lauto jantar, o coronel ficou na expectativa de que o presidente lhe informaria a respeito da chapa. Em vão, nada foi dito e, logo após o início do baile, João Pessoa, após tomar parte da dança com uma das damas da alta sociedade princesense, recolheu-se em repouso, ao quarto de dormir a ele destinado.

Um dos acompanhantes do presidente, Adhemar Vidal, após o rompimento político de Pereira com Pessoa, espalhou uma falsa informação de que o coronel, por ocasião dessa visita presidencial, mandara fechar, por fora, o quarto em que João Pessoa se instalara, com a intenção de, talvez, promover um atentado à sua vida. Posteriormente, outro membro da comitiva presidencial, José Américo de Almeida, desmentiu essa versão quando afirmou que o ato de trancar a porta dos aposentos de João Pessoa, foi para garantir segurança ao presidente. Nenhuma das duas versões têm veracidade. O quarto, se foi trancado, foi feito pelo próprio hóspede e pelo lado de dentro. Em que pese as insatisfações de Zé Pereira quanto à formação da chapa e por motivos outros que já vinham há muito causando dissabores e estremecimentos na relação do chefe político sertanejo com o presidente paraibano, jamais o coronel promoveria ou permitiria um atentado à vida de seu ilustre hóspede.

Enquanto o presidente repousava, os membros de sua comitiva fizeram um périplo pelas ruas centrais com o intuito de conhecerem a cidade. Admiraram a estátua de Epitácio Pessoa (a única de corpo inteiro existente no Brasil), o palacete dos “Pereira”, a Igreja e outros prédios.

No dia seguinte, 19 de fevereiro, logo cedo, após o café da manhã, o coronel mandou um dos seus empregados comprar gasolina para reabastecer os veículos da comitiva presidencial. Apenas dois comerciantes negociavam combustíveis em Princesa: Nominando Diniz (“seu” Mano) e Sebastião Medeiros. Segundo consta no livro de Aloysio Pereira: “Eu e meu pai o coronel José Pereira”, Nominando recusou-se a fornecer combustível para os carros de João Pessoa, com o seguinte argumento: “Não vendo gasolina a um déspota”. Interessante observar que dali a mais oito meses, após o assassinato de João Pessoa e a eclosão da Revolução de 30 seria, Nominando Diniz, nomeado prefeito de Princesa por José Américo de Almeida, o principal secretário de João Pessoa.

Ainda na manhã do dia 19, o coronel instou o presidente a lhes dar informações sobre a composição da chapa. Este lhe respondeu, secamente, que um seu auxiliar faria isso e, logo após o embarque do presidente, depois de secas e formais despedidas, um ajudante de ordens entregou a Zé Pereira um papel contido da relação dos candidatos aprovados por João Pessoa e viu, o coronel, que nesse documento não constava o nome do ex-presidente João Suassuna. Essa foi a gota d’água e, o pote cheio de mágoas transbordou. Era a senha derradeira para o rompimento político que ocorreria em brevíssimo tempo e que provocaria a Guerra de Princesa, o assassinato de João Pessoa e a consequente eclosão da Revolução de 1930.

Na mesma noite daquele dia, o coronel José Pereira reuniu-se, na vizinha cidade pernambucana de Flores, na casa do amigo e compadre Antônio Siqueira Campos, com o empresário João Pessoa de Queiroz, ocasião em que decidiram pelo rompimento político com o presidente paraibano e começaram os preparativos para a guerra que se anunciava certa. No dia seguinte, dali mesmo, Zé Pereira mandou o telegrafista, Richomer Barros, redigir e enviar telegrama ao presidente João Pessoa comunicando seu rompimento político. João Pessoa, sem acreditar, ou se fazendo de tanto, telegrafou ao coronel solicitando confirmação da mensagem. Definitivo, Zé Pereira, reafirmou sua decisão e acrescentou que estava pronto para defender seus amigos e correligionários de todas e quaisquer retaliações que porventura fossem promovidas pelo Governo. Era a guerra.



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