sexta-feira, 28 de fevereiro de 2020

COMEÇA A GUERRA DE PRINCESA







Na madrugada de 28 de fevereiro de 1930, uma sexta-feira, partiu da capital do Estado então cidade de Parahyba, um pelotão da Polícia Militar, composto por cerca de 20 homens, sob o comando do delegado de polícia de Campina Grande, tenente Ascendino Feitosa, obedecendo a ordens expressas do presidente João Pessoa Cavalcanti de Albuquerque, para invadir os municípios sertanejos de Teixeira e Princesa. Isso ocorreu a exatos 90 anos. Após o rompimento político do coronel José Pereira Lima com o presidente paraibano, em 24 de fevereiro daquele ano – o que descrevemos em artigo publicado por este Blog semana passada -, ambos os lados começaram a se preparar. O presidente para retaliar a rebeldia do coronel e este, para se defender da sanha vingadora do chefe do Estado. Zé Pereira, simpatizado pelas autoridades que comandavam os poderes federais na capital do Estado, a exemplo do Telégrafo Nacional, articulado e detentor de informações privilegiadas, obteve notícias dando conta de que João Pessoa preparava um grupo de homens da polícia paraibana para invadir Princesa, sob o pretexto de garantir as eleições que se realizariam no dia 1º de março. Em face desse conhecimento, o coronel de Princesa começou a articular-se em promoção da defesa de seu município buscando arregimentar homens para a formação de um pequeno exército com capacidade de garantir a segurança de seus munícipes, amigos e correligionários. Para tanto, contou com o efetivo apoio de seu compadre, o industrial pernambucano, João Pessoa de Queiroz que era primo do presidente paraibano e que, desligado deste, já se fazia inimigo por motivo das perseguições de João Pessoa, desde sua posse no Governo do Estado em 1928, contra os industriais e comerciantes do vizinho estado de Pernambuco quando estabeleceu  a proibição da comercialização do que era produzido pelos municípios do interior da Paraíba diretamente com os empresários pernambucanos, além de majorar todos os impostos dos negócios feitos sem passar pela capital do Estado. Rapidamente, já no dia 26 de fevereiro detinha, o coronel, um contingente de aproximadamente 300 homens em armas.

O primeiro tiro

Há 90 anos da chamada Guerra de Princesa, sobrevive uma pergunta traduzida em polêmica, sobre quem nesse conflito disparou o primeiro tiro. Até hoje, ninguém escreveu sobre aquela contenda dando prioridade aos detalhes da revolta princesense. Sempre que se aborda o assunto o foco se atém à formação da chapa eleitoral, assinada exclusivamente por João Pessoa, que excluiu o nome do ex-presidente João Suassuna; ao assassinato do presidente paraibano por João Dantas na confeitaria Glória no Recife e à eclosão da Revolução de 30. Hoje, completados 90 anos, resolvi abordar o assunto com algumas reflexões. Qual a intenção verdadeira de João Pessoa em invadir as cidades de Teixeira e Princesa? Para garantir as eleições não poderia ser, pois, sabedor que naqueles feudos eleitorais, sob o comando das famílias Dantas e Suassuna e atendendo à inquestionável liderança do coronel e então deputado estadual, José Pereira Lima, os votos seriam quase que unanimemente depositados em favor das candidaturas de Júlio Prestes e Vital Soares para presidente e vice-presidente da República respectivamente e em prol dos candidatos ao Senado Federal e à Câmara Federal inscritos no Partido Republicano Paulista, chamados de “perrepistas”. Na verdade, o que João Pessoa queria mesmo era impedir as eleições, tumultuando o ambiente para inviabilizá-las e, consequentemente ocupar os dois municípios em retaliação à “desobediência” do coronel em relação às suas perseguições políticas, quando destituiu várias autoridades municipais, a exemplo do prefeito e do vice-prefeito e, mesmo assim, Zé Pereira as manteve nos cargos. Ademais, desejava, o presidente paraibano, de uma cajadada só, matar vários “coelhos”, pois, cumprindo o seu intento, puniria também os “Pessoa de Queiroz” seus primos e desafetos. Nesse caso, fica claro que quem disparou o primeiro tiro foi o presidente da Paraíba.

O ataque

Chegado a Teixeira, o pelotão chefiado por Ascendino Feitosa - que era inimigo da família Dantas -, desapeou dos caminhões que os conduziam a dois quilômetros da entrada da cidade e já entraram no pequeno burgo, às pés, e atirando para todo lado. O comandante Feitosa mandou vir à sua presença o Sr. Manuel Silveira Dantas, que se recusou a atender à ordem do tenente e, com isso, Ascendino mandou seus comandados atirarem contra a casa de residência do patriarca daquela importante família, Dr. Duarte Dantas, que era ligado por laços familiares ao ex-presidente João Suassuna e arrancar de lá, de forma violenta, duas irmãs suas já idosas as fazendo de reféns. Recebida a notícia de que uma Coluna, formada por 200 homens, enviada pelo coronel José Pereira de Princesa, já se aproximava para defender Teixeira, preparou seus soldados para a resistência. A tropa enviada por Zé Pereira estacionou nas imediações do povoado de Imaculada e cerca de trinta homens foram designados para retomar a cidade invadida. Travou-se, na tarde daquele dia 28, violento tiroteio, ocasião em que foram resgatadas as reféns e, por interveniência do vigário daquela cidade, padre Antônio Trigueiro, estabelecido um cessar-fogo. Na verdade, nesse primeiro enfrentamento não houve vencedores nem vencidos e, para alento dos dois lados, nenhuma baixa. O pelotão sob as ordens do tenente Ascendino estacionou em Imaculada sem promover quaisquer agressões e, o contingente expedido pelo coronel ficou à espreita entre o distrito de Água Branca e aquela comunidade. Sabedor do ataque a Teixeira, o ex-presidente Epitácio Pessoa telegrafou ao sobrinho presidente em busca de esclarecimentos sobre o ocorrido. João Pessoa respondeu dizendo que atacou a cidade de Teixeira para defendê-la dos cangaceiros liderados por Zé Pereira. Informado depois por telegrama enviado pelo ex-presidente João Suassuna, Epitácio questionou o sobrinho através de outra mensagem telegráfica com o seguinte teor: “Rio – 16 -3 – João Pessoa – Parahyba – Suassuna alega que o official que atacou sua família não foi Arruda, de Princeza, que após rompimento seguiu para Conceição e não Teixeira, mas Feitosa, vindo de Campina, antes da eleição, não sendo, portanto, verdade que a primeira aggressão haja partido dos seus amigos, como eu affirmava por orientação Vossa”. Com isso, fica aqui patente, corroborado pelo próprio tio do presidente agressor que, quem provocou o primeiro ataque do conflito armado da Guerra de Princesa, quem disparou o primeiro tiro, foi João Pessoa e não José Pereira Lima.

A primeira batalha

Nessa primeira batalha da Guerra de Princesa, estavam à frente da Coluna enviada pelo coronel para defender a cidade de Teixeira, os chamados “Libertadores de Princeza”: Manoel Lopes Diniz (“Ronco Grosso”); Marcolino Florentino Diniz; Luiz do Triângulo e Cícero Bezerra. Após o cessar-fogo, intermediado pelo vigário de Teixeira, o tenente Ascendino Feitosa bravateando uma vitória que não houve, enviou telegrama ao Chefe de Polícia da capital paraibana, Dr. Adhemar Vidal, informando de forma mentirosa com os seguintes termos: “Os bandidos, depois de cortarem hoje o fio do telégrafo de São José do Egito e de Patos, atacaram esta cidade, travando-se forte tiroteio, em um só tempo, em todas as frentes. Os nossos soldados foram uns heróis. O tiroteio principiou ao meio dia, tendo terminado às quinze e meia horas, com a recuada dos bandidos (...)”. Como vemos, Feitosa inverte a situação quando informa ao Chefe de Polícia que foram os homens de Zé Pereira que deflagraram o ataque e mente também quando nega o cessar-fogo negociado pelo vigário, afirmando que a polícia venceu a batalha quando da recuada dos que vieram de Princesa. Estacionada em Teixeira e Imaculada a polícia, não avançou daí. A maioria dos comandados do coronel retornou a Princesa e, na volta, com o intuito de manter a ordem, se fizeram distribuir pelos distritos de Belém, Tavares e Alagoa Nova (Manaíra). No dia 1º de março, um sábado de Carnaval, aconteceu as eleições e, no município de Princesa os votos foram unânimes para a chapa eleitoral apoiada por Zé Pereira. Em Teixeira, mais exatamente no distrito de Imaculada, a chapa apoiada pelo presidente João Pessoa teve apenas 09 votos, enquanto os candidatos indicados pela família Dantas foram sufragados por 470 votos.


(ESCRITO POR DOMINGOS SÁVIO MAXIMIANO ROBERTO, EM 28 DE FEVEREIRO DE 2020).


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