domingo, 26 de julho de 2020

O ASSASSINATO DE JOÃO PESSOA


Recife, 17:30 horas do dia 26 de julho de 1930. Nesse fim de tarde, após um dia de compromissos na capital pernambucana, antes de partir de volta à Paraíba, o presidente João Pessoa Cavalcanti de Albuquerque, foi tomar chá na companhia dos amigos e correligionários, Agamenon Magalhães e Caio de Lima Cavalcanti e do comerciante Alfredo Dias, na Confeitaria Glória, situada à Rua Nova, no centro do Recife. Tinha sido um dia cheio. Logo cedo, João Pessoa foi visitar, no Hospital Centenário, o amigo e juiz Francisco Tavares da Cunha Mello que estava enfermo; depois, foi à Joalheria Krause comprar um presente, segundo comentários da época, para uma suposta sua amante, chamada Cristina Maristany. Em seguida, compareceu à redação do jornal Diário da Manhã. Almoçou no restaurante Leite e passou boa parte da tarde no estúdio do fotógrafo Luiz Pierreck, onde se fez fotografar pela última vez. Na Confeitaria Glória, enquanto conversava descontraidamente com os amigos, adentrou ao salão daquele estabelecimento, o advogado paraibano, João Duarte Dantas e, sem que João Pessoa pudesse esboçar qualquer reação (em que pese estar armado de uma pistola, que trazia no bolso traseiro de sua calça), o assassino, munido de um revólver em punho, postou-se de frente à sua vítima e proclamou: “João Pessoa, eu sou João Dantas”. Em seguida, disparou três tiros, sendo que dois deles atingiram mortalmente o presidente da Paraíba. Sem nenhuma reação dos circunstantes, o chofer de João Pessoa, Antônio Pontes de Oliveira, que estava na calçada do estabelecimento, ao escutar os tiros e ver João Dantas sair apressado da Confeitaria, disparou um tiro de revólver contra o fugitivo, que lhe atingiu, de raspão, na cabeça. Imobilizado pelo ferimento que o fez perder os sentidos, o assassino foi preso por Agamenon Magalhães, que estava na companhia do presidente baleado. Houve grande tumulto e, no meio disso, conduziram João Pessoa a uma farmácia próxima, onde já chegou sem vida. Segundo o escritor pernambucano, Joaquim Inojosa, em seu livro República de Princesa, os médicos legistas Arnaldo Marques e Theodorico de Freitas, constaram, no Atestado de Óbito do presidente morto, o seguinte: “Ferimento penetrante no tórax com lesão no coração e pulmão esquerdo. Ferimento penetrante no abdómen com lesão na artéria ilíaca. Lesões externas provocadas por projetis de arma de fogo, na região ilíaca e antebraço”. Quanto ao advogado João Dantas, que estava na companhia de seu cunhado, o engenheiro Augusto Moreira Caldas, ambos foram presos e levados à Casa de Detenção e depois, à Central de Polícia onde prestaram depoimentos. Em seguida foram encaminhados ao Quartel do Derby, pelas suas condições de detentores de cursos superiores.

Tragédia anunciada


Desde há muito já se vislumbrava esse desfecho trágico. Era sabido por todos que João Dantas não deixaria isso por menos. Trata-se do arrombamento de seu apartamento, ocorrido no dia 10 de julho daquele fatídico ano, procedido da divulgação de seus documentos pessoais pelo órgão oficial de imprensa do estado da Paraíba, A União; dos vários artigos escritos, e veiculados pelo mesmo jornal, em ataques a seu pai e demais familiares, isso de acordo com o código de honra vigente naquele tempo, não poderia ter tido desfecho diferente. O que causa grande estranheza é que até hoje, passados 90 anos, ninguém chegou a uma explicação plausível sobre esse trágico acontecimento. Estranha mesmo, foi a decisão de João Pessoa de ir à Capital pernambucana – sem nenhuma segurança -, naquele momento, no auge da Guerra de Princesa, local aonde se homiziavam seus maiores adversários políticos e inimigos. Recife, capital do Estado que era governado por Estácio Coimbra, um desafeto do presidente paraibano, era o local menos indicado para uma visita de João Pessoa. Nas palavras do fotógrafo, Luiz Pierreck, colhido do livro João Pessoa – Uma Biografia, do escritor Fernando Melo, p.p. 264: “- Que temeridade, Presidente! Por que veio? Vir a Pernambuco sozinho?!”. Amigos e auxiliares tentaram, na noite do dia 25 de julho, desvanecer o presidente dessa temerária viagem. Em vão. Além de sua determinação em visitar o Recife, João Pessoa não aceitou fazer-se acompanhar por ninguém e, ainda por cima, permitiu que o jornal A União, divulgasse a seguinte nota:

“Com destino ao Recife, viaja hoje o sr. Presidente João Pessoa, que na vizinha metrópole do sul vai visitar o seu amigo particular dr. Cunha Mello, juiz federal de Pernambuco, e que se acha convalescente após a intervenção cirúrgica a que se submeteu (...)”.

Como vemos, além da divulgação da temerária viagem, a folha oficial divulgou até o itinerário do presidente naquela Capital. Isso causa muita estranheza, principalmente pelo fato de que, à época, muito se falou em conspiração palaciana contra a vida do presidente da Paraíba. A Revolução, mesmo em “banho-maria”, era ainda articulada (para alguns, muito bem articulada). João Pessoa não era um revolucionário, mas vivia rodeado deles. Todos conspiravam e há quem diga que essa viagem se apresentou, de repente, como uma grande oportunidade criadora de um motivo que pudesse viabilizá-la. Ademais, tornam-se plausíveis essas desconfianças conspiratórias contra a vida do presidente paraibano, quando evidências se amontoam. Cerca de um mês antes do assassinato de João Pessoa, em 28 de junho de 1930, a revista carioca O Malho, publicava uma charge premonitória sobre a morte do desventurado presidente, o que reproduzimos abaixo:


Os motivos do crime

Nas palavras do jornalista e político, Barbosa Lima Sobrinho: “A Revolução de Outubro estava morta e a morte de João Pessoa a ressuscitou”. A querela do presidente João Pessoa com a família Dantas vinha de há muito se exacerbando. Desde a prisão de Joaquim Dantas e do incêndio da fazenda de Franklin Dantas (pai de João Dantas), pela polícia paraibana, culminando com o apoio dos Dantas ao coronel José Pereira Lima, durante a Guerra de Princesa. Como se não bastasse tudo isso, as indisposições se aumentaram ainda mais quando do arrombamento do apartamento do advogado, João Dantas, situado à Rua Direita (atual Duque de Caxias), nº 519, no centro da Capital paraibana. A mando de quem, até hoje não se sabe. Sabe-se no entanto, que aquele ato terrorista foi a gota d’água que fez entornar o copo do ódio de Dantas, contra o presidente da Paraíba. Além do arrombamento, documentos públicos e pessoais do advogado foram jogados na rua e expostos à execração pública. Na verdade, o estopim da Revolução de 30 foi a Guerra de Princesa e quem o acendeu foi João Dantas quando disparou contra João Pessoa, o ferindo de morte. Estrategicamente, os articuladores das futura Revolução, decidiram que o sepultamento do presidente morto, seria na Capital Federal - o Rio de Janeiro -, sob a alegação de que ali residiam sua mulher e seus filhos. O périplo organizado pelos liberais, quando percorreram toda a costa brasileira com o esquife do presidente morto, em propaganda revolucionária, reacendeu os ânimos, mobilizou o país, fazendo-se caldo de cultura para a reorganização do movimento que já se fazia morto ou quase impossível de eclodir. Ainda segundo comentário do historiador, Barbosa Lima Sobrinho:

“Nenhuma caravana política, de tantas que percorreram o Brasil das candidaturas aliancistas, pôde fazer pela causa o que esse cortejo fúnebre vai conseguindo. (...) João Pessoa vivo foi uma voz contra a revolução. Mas João Pessoa morto foi o verdadeiro articulador do movimento revolucionário”.

Discursos inflamados foram proferidos nas Capitais de alguns Estados onde aportou o esquife do presidente morto. Colhido do II Volume da Coleção Nosso Século da editora Abril Cultural, p.p. 08, encontramos parte de um discurso de Maurício de Lacerda, proferido no porto de Salvador/BA, já concitando todos à Revolução:

“João Pessoa, tu és o pendão vermelho da nossa revolta! Vós gaúchos e mineiros, vinde cumprir a vossa promessa! O povo está disposto a morrer pela liberdade!”.

A morte de João Pessoa transformou a Capital paraibana num campo de batalha. A mobilização do povo foi geral. Os perrepistas eram atacados em suas residências e em seus estabelecimentos comerciais; sedes de jornais adversários eram incendiadas. Um verdadeiro caos. Nas semanas seguintes, as homenagens ao presidente morto eram muitas, culminando com a mudança do nome da Capital para João Pessoa e a criação de uma nova bandeira em homenagem ao desditoso presidente.


DSMR, EM 26 DE JULHO DE 2020.


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