REVOLTA E REVOLUÇÃO –
CINQUENTA ANOS DEPOIS
JOSÉ JOFFILY
Lançado em 1979, pela Editora Paz e Terra, o livro, REVOLTA E REVOLUÇÃO – CINQUENTA ANOS DEPOIS,
do escritor paraibano, José Joffily, radicado em Londrina, no estado do Paraná,
é talvez, em parelha com o livro de Joaquim Inojosa: REPÚBLICA DE PRINCESA (já resenhado nesta série), o mais completo e
mais abrangente em detalhes sobre os acontecimentos de 1930, especialmente nos
capítulos que tratam da Guerra de Princesa. Contido de 437 páginas, a Parte III
do escrito, trata da Revolta de Princesa. Já no prólogo do livro, o autor
anota:
“Conta-se na Paraíba que a Revolta de
Princesa foi o estopim da afronta a João Dantas; que a afronta a João Dantas
foi o estopim da morte de João Pessoa, enquanto este crime abriu caminho para a
Revolução de 30”.
Segundo Joffily, em preparação para a Revolução, os
aliancistas a justificavam pela necessidade do advento de novos tempos, com
práticas modernizantes, como o voto secreto, o voto feminino e o fim das
fraudes eleitorais, além da abolição do ping-pong da alternância dos mineiros e
paulistas no comando do Governo Central. Excerto da página 104:
“O eixo da pregação revolucionária da
Aliança Liberal era extinguir a fraude eleitoral responsável pela degola dos
deputados eleitos e pela Revolta de Princesa, atribuídas aos ‘sicários do
Catete’. Certa ou errada, a versão serviu também para explicar o trágico fim de
João Pessoa”.
Essas observações de José Joffily, dão conta da importância da
guerra civil ocorrida no interior da Paraíba, conhecida como a Guerra de
Princesa, que teve papel importantíssimo na eclosão do movimento revolucionário
de 1930. No livro, o autor discorre sobre os fatos relativos àquele conflito,
revelando coisas pouco conhecidas. Com relação, por exemplo, à ameaça de
bombardeamento da cidade Princesa, pela polícia paraibana, consta no livro, às
páginas 171/172, notícia veiculada pelo jornal O Liberal de 02/05/1930:
“O Governo contratou com o comandante
Ekner, do Graff Zepelin a vinda a este Estado da grande nave aérea, que com a
esquadrilha do Estado tomará parte no bombardeio de Princesa. O Zepelin
amarrará na torre do Liceu que está quase pronta para esse fim”.
Ora, conforme diz o autor, quanta falta de escrúpulo na divulgação
dessa falácia. Como viria, o Zepelin - a novidade da alta tecnologia aérea do mundo
naquele momento -, ao interior da Paraíba, para bombardear Princesa? Ademais,
juntamente com a “Esquadrilha do Estado”, quando se sabe que, em 1930, a
Paraíba não possuía sequer uma pequena aeronave. Não bastasse isso, se o
Zepelin seria amarrado na torre do Liceu – à época, o maior edifício da capital
paraibana -, onde seria amarrado aqui em Princesa? Era isso a propaganda de
guerra, muito utilizada pelo governo paraibano, para justificar seus fracassos
frente ao poder de fogo revoltosos de Princesa. É sabido por todos que, a
Paraíba, boicotada pelo Governo Central, se via impedida da aquisição de
armamentos e munições, enquanto os homens comandados pelo coronel José Pereira,
lutavam com armas novinhas em folha e utilizavam munições fornecidas pela
fábrica do exército em Realengo, no Rio de janeiro. Até a quantidade de
efetivos da polícia da Paraíba era em torno de metade dos que destacavam ao
lado do Coronel. Joffily narra com detalhes a debacle de Água Branca: “(...) Grotesco porque a responsabilidade da
derrota foi do tenente Genésio, que confiava mais no catimbó do que nas táticas
de guerrilhas”. Às páginas 229, o autor dá conta de como eram tratados os
cabras de Zé Pereira, em relação à penúria em que lutavam os soldados de João
Pessoa. Conforme depoimento de um dos “Libertadores de Princesa”, José Gomes:
“(...) de mais a mais, a gente
ganhava 10 mil-réis por dia, muito dinheiro, comparado com a diária de um trabalhador
de enxada, 2 mil-réis. Por derradeiro, poucos sabiam ler e escrever e quase
ninguém já tinha saído do sertão para conhecer outros lugares”.
Às páginas 230 e 233, o escritor fala do coronel José Pereira
Lima e da prosperidade de Princesa na época do conflito:
“Desde longa data, quase todo o
comércio do sertão da Paraíba, onde o poder aquisitivo era muito superior ao do
litoral, abastecia-se nas firmas atacadistas de Recife, cujo porto assegurava o
intercâmbio com fornecedores nacionais e estrangeiros. (...) Força social e
comercial [o coronelismo] se irradiava pelos Estados vizinhos, principalmente
no sertão da Paraíba, onde pontificava a oligarquia dos epitacistas. Entre eles
avultava a marcante personalidade de José Pereira, que, como estudante de
Direito, na tradicional Faculdade de Recife, tinha sido contemporâneo de João
Pessoa. (...) O ex-ministro do Supremo Tribunal Militar [João Pessoa] trazia na
mente a reforma tributária, que iria dar origem à derrocada do sólido império
mercantil. Em seu desmoronamento arrastaria a fortuna de José Pereira, então
representante da ‘Esso” em Princesa, um dos mais prósperos municípios, onde, na
época, havia 20 automóveis particulares, tantos quantos os da capital”.
Quanto à polêmica ainda hoje persistente sobre quem deu o
primeiro tiro, na Guerra de Princesa, José Joffily, baseado em fatos lógicos já
narrados por outros historiadores, sobre a quem interessava o ataque de
Princesa, via Teixeira, diz o seguinte, constante às páginas 240:
“A incompetência política de João Pessoa
aliada ao seu reconhecido temperamento impulsivo ficou bem balizada quando, em
meados de março de 1930, ordenou o precipitado ataque a Princesa. Ataque pelas
tropas que tinham sido deslocadas para o alto sertão, com todas as falhas
próprias da improvisação”.
Ao ataque a Teixeira, a resistência do coronel José Pereira
se fez imediata, o que já era esperado, estando, portanto, tudo preparado para a
resistência a um o eventual assalto. No livro, o autor reafirma a efetiva ajuda
do Poder Central aos rebeldes de Princesa, indicando inclusive, de onde vinham
os recursos, quando cita a doação de 170 mil cartuchos e 90 mil réis das
Indústrias Reunidas Francisco Matarazzo; 490 mil réis de Armenio Jouvain, sogro
de Francisco Pessoa de Queiroz, e 200 mil réis do próprio João Pessoa de
Queiroz, além de recursos - considerados pelo autor como inconfessáveis -,
advindos do Tesouro do Governo de São Paulo, tudo isso com ao conhecimento e a
anuência do presidente da República, Washington Luís.
O propósito principal da Guerra era provocar a anarquia no
Estado, o que possibilitaria a intervenção federal que nunca veio. Mesmo assim,
Joffily registra comunicações que davam como certa a ação interventora do
Governo Federal na Paraíba. Às páginas 238, está reproduzido telegrama de João
Dantas a José Pereira, com o seguinte teor:
“Deputado José Pereira - Princeza – 5 de maio de 1930, às 22:30 horas
- Positivado intuito intervenção federal governo ordenou concentração forças
Capital chegada aqui hoje cinco caminhões soldados Felicito altivo povo Princeza
sua heroica defesa. Abraços – João Dantas”.
Aliados de José Pereira, os presidentes de Pernambuco,
Estácio Coimbra, e do Rio Grande do Norte, Juvenal Lamartine, estavam sempre a
informar o coronel, por intercepção do Serviço Federal de Telegrafia, sobre as
ações da polícia paraibana. Telegrama do presidente Juvenal Lamartine:
“Natal, 5/3/930 – Deputado Pessoa de
Queiroz – Recife – Celso chegou bem. Convém avisar José Pereira que até 18
Princeza será atacada. Abraços – J. Lamartine”.
Telegrama de João Pessoa de Queiroz a José Pereira:
“Recife, 7/3/930 – Zé Pereira –
Princeza – Recebi telegrama presidente Lamartine pedindo avisar você que João
Pessoa está concentrando forças em Patos, Souza, com objetivo de atacar
Princeza, Piancó. Nesse sentido Lamartine telegrafou também Washington. Não sei
se terá procedência informação. Continue vigilante. – João Pessoa de Queiroz”.
Por esse último telegrama, dá-se conta do conhecimento e
participação do presidente Washington Luís em favor da causa princesense. O
presidente nega, declarando categoricamente, o que Joffily reproduz às páginas 245
do livro em tela, quando Washington Luís afirmou em relação ao conflito que
gerou a Guerra de Princesa: “Não o criei,
não o mantive, não o auxiliei”. Acrescentando: “Tive conhecimento do que se passava no sertão da Paraíba por telegrama
do Presidente João Pessoa que considerava o caso exclusivamente policial”.
No entanto, o presidente mentia e, como prova disso, temos o depoimento de dona
Alexandrina Pereira Lima (dona Xandu) esposa do coronel José Pereira, constante
no livro de Adhemar Vidal:
“A esposa de José Pereira, d.
Alexandrina Pereira Lima, solicitou inquérito à polícia, depois da Revolução,
isto é, em outubro de 1930, declarando que seu marido ‘recebeu dos próprios
representantes da República, srs. Washington Luís e Júlio Prestes, dinheiro,
munições e armamentos’. Este trecho consta também de um parecer dado, como
consultor jurídico, pelo deputado Irineu Joffily. Se não fossem conhecidos
outros documentos a respeito da contribuição federal, bastaria o depoimento
acima para ficar demonstrado o amparo agora negado. Este ponto está fora de
dúvida. Passemos ao esclarecimento de outros”.
Este livro de José Joffily, é leitura indispensável para
todos os que desejam tomar conhecimento em detalhes, sobre os acontecimentos de
1930, principalmente quanto à Guerra de Princesa. É um dos trabalhos que pode
ser considerado contido de isenção e farto em documentação e também vasta
iconografia. Conhecer a história da Guerra de Princesa, passa pelo livro de
José Joffily.
José Joffily Bezerra de Mello, político, empresário e
historiador, nasceu em Pocinhos, Paraíba, em 25 de março de 1914 e faleceu em
Londrina, Paraná, em 09 de janeiro de 1994. Era filho de Antônio Bezerra de Mello
e de dona Maria Joffily Bezerra de Mello, formou-se em Ciências Jurídicas, em
1938, pela Faculdade de Direito do Recife. Além dessa importante obra, que ora
resenhamos, escreveu vários outros trabalhos sobre política, economia,
história, etc. Foi membro da APL – Academia Paraibana de Letras, onde ocupou a
cadeira nº 24.
DSMR, em 27 de janeiro de 2021.