quarta-feira, 9 de junho de 2021

LER PARA CONHECER A NOSSA HISTÓRIA



 

JOÃO PESSOA PERANTE A HISTÓRIA



JOSÉ OCTÁVIO DE ARRUDA MELLO

O livro, JOÃO PESSOA PERANTE A HISTÓRIA, é uma coletânea de trabalhos escritos sobre o presidente da Paraíba, João Pessoa Cavalcanti de Albuquerque. Como bem diz o subtítulo, são “Textos Básicos e Estudos Críticos”, sobre o período que compreendeu os fatos ocorridos em 1930. Essa obra foi organizada pelo mais importante historiador paraibano, José Octávio de Arruda Mello, contida de 365 páginas, composta por quase 80 depoimentos sobre o homem [João Pessoa] e os fatos referentes ao antes, durante e depois da Revolução de 30, e foi publicada pelo Governo do Estado da Paraíba, através da “A UNIÃO Cia. Editora” – 1978 – João Pessoa/PB. De forma eclética e isenta, traz textos que versam sobre aquele período importante da nossa história, escritos pelas mais variadas mãos, onde encontramos depoimentos contra e a favor daquele que, segundo o organizador da obra, mitificou-se como “O Grande Presidente”.

Como já foi dito, o propósito dessas resenhas é o de realçar Princesa no contexto da Revolução de 1930. Daí, já na introdução do livro em pauta, colhermos, nas páginas 22 e 23, o seguinte comentário do historiador Celso Mariz, sobre uma visão do que causou aquele movimento revolucionário, dando luz a um dos motivos que o fomentaram e reconhecendo que começou em Princesa com o rompimento do coronel José Pereira com o presidente João Pessoa e o levante do município em armas:

“(...) por fixar-se na problemática econômica, assinalada pelo nível de nossa exportação algodoeira e a crise econômica estabelecida com a luta de Princesa, pelo declínio de nossas exportações que selhe seguiu”.Nas páginas 56 e 57, Mariz acrescenta: “Rompida a cordialidade entre os govêrnos da União e do Estado, o dissídio tomou aqui feição especial, culminando a sedição de Princesa, que ameaçava alastrar-se. A revolução de 1930, tornada geral em outubro, pode se dizer que aqui lavrava desde Fevereiro (grifo nosso)”.

Mais adiante, sobre a renovação da chapa para concorrer às eleições para deputados federais e senadores, em 1º de março de 1930, Zé Octávio cita o ex-presidente Epitácio Pessoa, em admoestação ao impetuoso sobrinho [João Pessoa]: “Joca: não é na passagem de um rio que se muda sela de cavalo”. Isso, numa referência às atitudes do presidente paraibano quanto ao tratamento que, ao assumir o governo, passou a dispensar aos coronéis do interior do Estado – principalmente ao coronel José Pereira Lima, de Princesa -, homens que eram aliados fiéis de Epitácio e quanto ao alijamento de nomes importantes, na renovação da referida chapa eleitoral.

Ainda na introdução, o autor demonstra, claramente, ser Princesa o pomo de toda a discórdia, o epicentro de tudo. Destaca parte do escrito do presidente Álvaro de Carvalho (substituto do desditoso presidente assassinado na Confeitaria Glória), dissertando sobre suas atribulações quando do assassinato de João Pessoa no dia 26 de julho de 1930:

“(...) a profunda e sincera dôr collectiva cedeu passo ao recrudescimento dos ódios, aos ‘meetings’ de salvação pública, aos boletins incendiários, às passeatas tendentes a exigir do govêrno vingança contra os adversários e o assalto definitivo de Princeza”.

São vários os depoimentos que encerram descrição sobre os acontecimentos de 1930. Nessa resenha, traremos à baila alguns mais pertinentes. Dois ex-presidentes da República, Epitácio Pessoa e João Café Filho, estão contemplados nesse trabalho. Por interessante, reproduzimos aqui trechos da carta de Epitácio ao presidente do estado da Paraíba, João Suassuna, datada de 03 de janeiro de 1928, por ocasião das tratativas para a escolha do sucessor deste, quando o ex-presidente, Epitácio Pessoa, argumenta em defesa da indicação de seu sobrinho, João Pessoa Cavalcanti de Albuquerque (Joca), para o cargo de presidente da Paraíba. Suassuna desejava a indicação de Júlio Lira, Chefe de Polícia da Capital do Estado, como seu sucessor. Não contava, no entanto, que Epitácio já havia decidido que o próximo presidente da Paraíba seria seu sobrinho. Nessa carta, em defesa do sobrinho Joca, Epitácio Pessoa argumenta que o nome de Júlio Lira, indicado por João Suassuna, poderia causar cizânia no seio da política paraibana:

“Acresce que esse nosso amigo [Júlio Lira], no desempenho do espinhoso cargo de que está investido, tem criado ressentimentos e desgostos. Não são raras as queixas. Admito que a razão esteja do seu lado e não ao lado dos que o acusam; mas a verdade é que as incompatibilidades existem e melhor será decerto transferir o govêrno a amigo igualmente digno, mas que não as tenha”.

Mais adiante, Epitácio, advogando pelo sobrinho, pontua sobre a capacidade de João Pessoa e mente, quando afirma: “A dificuldade será levá-lo a aceitar o encargo e abandonar por quatro anos as comodidades do seu alto pôsto, perturbar a educação dos filhos e afastar a família do meio onde já se radicou”. Ora, a essa altura, já estava tudo em concerto da vontade do tio e do sobrinho.

Vindo para a Paraíba como um conciliador, João Pessoa, logo que tomou posse no cargo de presidente do Estado, promoveu o desprestigiamento dos coronéis, amigos e aliados fiéis de Epitácio Pessoa. Deu especial atenção ao defenestramento de José Pereira Lima, chefe político de Princesa. Por extensão, perseguiu também os Dantas de Teixeira e o coronel Santa Cruz de Monteiro. Na página 50, o advogado, jornalista e historiador pernambucano, José Antônio da Costa Porto, escreve:

“Embora pertencente a família extremadamente ‘política’, João Pessoa seria não apenas ‘a-político’, mas quase o ‘anti-político’, formando do quadro geral do País idéia sombria, achando ‘tudo podre’, a reclamar ‘vassourada em regra’ de alto a baixo, tamanho o ardor ‘reformista’ que, ouvindo-o, o Governador Vitor Konder, de Santa Catarina, ficara a matutar, de si para consigo: tentasse levar a cabo o programa de ‘renovação’ e acabaria ‘deposto ou morto’”. E continua: “Como nos outros estados, sobretudo do Norte, a Paraíba apresentava robusta constelação de coronéis, entre os quais avulta José Pereira Lima, de Princesa, a maior força político-eleitoral do Estado, epitacista de quatro costados, e ligadíssimo ao ex-Governador João Suassuna”

Em sendo, esse livro, uma obra de abrangência formidável, elegemos aqui, em excertos, a título de amostragem, o que consideramos relevante para a contextualização de Princesa quanto aos fatos de 30. Na página 104, encontramos interessante depoimento do ex-presidente da República e então jornalista potiguar, João Café Filho, que, por ser adversário de Juvenal Lamartine, presidente do estado do Rio Grande do Norte -em suas palavras: “Lamartine, adversário de João Pessoa, apoiava em Princesa a facção comandada por José Pereira” -, exilou-se na Capital paraibana, mas esticou seus tentáculos de repórter até o Quartel General das operações da Polícia Paraibana, em combate aos rebeldes de Princesa, sediado em Piancó. Nesse périplo, Café Filho se encontrava na companhia do jornalista Vítor do Espírito Santo, enviado pelo empresário da imprensa, Assis Chateaubriand, para cobrir a Guerra de Princesa. Relata, Café Filho:

“Em minhas andanças pelo interior do Estado, fui a Piancó em companhia de Vítor do Espírito Santo, que, como representante dos ‘Diários Associados’, estivera antes em Princesa fazendo uma reportagem. Em Piancó, concentrava-se o grosso das tropas paraibanas. Juntos, Vítor do Espírito Santo e eu, contamos a João Pessoa a situação real, que observáramos de perto. Era uma situação de pânico, de fadiga e de debandada. As tropas da Força Pública da Paraíba lutavam amedrontadas e, sempre que podiam, escapavam à luta, largando as posições de combate e se recusando a enfrentar o inimigo. Os contingentes mandados para suprir esses claros, em pouco tempo se deixavam impregnar do mesmo pavor. João Pessoa, que tudo ignorava – pois os amigos não ousavam dar-lhe um testemunho verdadeiro – encheu-se de cólera e determinou ao Chefe de Polícia, Ademar Vidal: “Não poupe ninguém. Se for preciso, mande incendiar as propriedades dos adversários! De todos os adversários, que estão colaborando com os revoltosos de Princesa”. Ademar, prudente e hábil, não cumpriu a ordem desesperada do Governador”.

Na Terceira Parte do livro, o autor exercita sua visão crítica ancorado em parte da vasta literatura sobre o tema. Quanto à seminal obra da professora Inês Caminha – A revolta de Princesa, Uma Contribuição ao estudo do mandonismo local (Paraíba, 1930”. Arruda Mello comenta:

“(...) êsses dois pontos [mandonismo e cangaço] são fundamentais em relação ao que virá depois. Se afrontando o coronelismo em tôda sua extensão, João Pessoa levantará contra si os potentados rurais dos Dantas de Teixeira, Suassuna de Catolé, Gaudêncio do Cariri, Pereira Lima de Princesa, Cunha Lima de Areia e Ribeiro Coutinho da Várzea. É pelo afastamento de Suassuna e Oscar Soares de nossa representação federal que se precipitará a ruptura capaz de conduzir à luta armada de Princesa como véspera da madrugada redentora da Revolução de Trinta(grifo nosso”.

Mais na frente, sob o título: “Princesa – o contexto maior”, nas páginas 310/311, José Octávio cita João Lelis de Luna Freire: “Aparentemente como um simplório movimento de rebeldia política local, o rompimento de Princesa era a reação natural do elemento conservador contra a revolução que começava(grifo nosso)”.

O livro: JOÃO PESSOA PERANTE A HISTÓRIA é talvez, a melhor indicação para iniciantes no entendimento da historiografia paraibana contemporânea. O que chamamos leitura para os que não gostam de ler, mas necessitam saber das coisas. Pela sua abrangência, a obra organizada por José Octávio de Arruda Mello, sucinta e esclarecedora, é leitura indispensável para todos os que se interessam pelo tema e fonte inesgotável para os que pesquisam e escrevem sobre os acontecidos de 1930.

José Octávio de Arruda Mello nasceu em João Pessoa em 18 de março de 1940. É historiador, jornalista e professor do Brasil. Bacharelou-se em Ciências Jurídicas e Sociais pela Faculdade de Direito da Paraíba, posteriormente graduou-se em História, também pela UFPB. Obteve o título de doutor em São Paulo. É membro do IHGP – Instituto Histórico e Geográfico da Paraíba e da APL – Academia Paraibana de Letras. É autor de vários livros sobre história, política, sociologia, etc. Atualmente, reside na Capital paraibana.



 

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