JOÃO PESSOA PERANTE A
HISTÓRIA
JOSÉ OCTÁVIO DE ARRUDA
MELLO
O livro, JOÃO PESSOA PERANTE A HISTÓRIA, é
uma coletânea de trabalhos escritos sobre o presidente da Paraíba, João Pessoa
Cavalcanti de Albuquerque. Como bem diz o subtítulo, são “Textos Básicos e
Estudos Críticos”, sobre o período que compreendeu os fatos ocorridos em 1930.
Essa obra foi organizada pelo mais importante historiador paraibano, José
Octávio de Arruda Mello, contida de 365 páginas, composta por quase 80
depoimentos sobre o homem [João Pessoa] e os fatos referentes ao antes, durante
e depois da Revolução de 30, e foi publicada pelo Governo do Estado da Paraíba,
através da “A UNIÃO Cia. Editora” –
1978 – João Pessoa/PB. De forma eclética e isenta, traz textos que versam sobre
aquele período importante da nossa história, escritos pelas mais variadas mãos,
onde encontramos depoimentos contra e a favor daquele que, segundo o
organizador da obra, mitificou-se como “O Grande Presidente”.
Como já foi dito, o propósito dessas resenhas é o de realçar
Princesa no contexto da Revolução de 1930. Daí, já na introdução do livro em
pauta, colhermos, nas páginas 22 e 23, o seguinte comentário do historiador
Celso Mariz, sobre uma visão do que causou aquele movimento revolucionário, dando
luz a um dos motivos que o fomentaram e reconhecendo que começou em Princesa
com o rompimento do coronel José Pereira com o presidente João Pessoa e o
levante do município em armas:
“(...) por fixar-se na problemática
econômica, assinalada pelo nível de nossa exportação algodoeira e a crise
econômica estabelecida com a luta de Princesa, pelo declínio de nossas
exportações que selhe seguiu”.Nas páginas 56 e 57, Mariz acrescenta: “Rompida a
cordialidade entre os govêrnos da União e do Estado, o dissídio tomou aqui
feição especial, culminando a sedição de Princesa, que ameaçava alastrar-se. A
revolução de 1930, tornada geral em outubro, pode se dizer que aqui lavrava desde Fevereiro (grifo
nosso)”.
Mais adiante, sobre a renovação da chapa para concorrer às
eleições para deputados federais e senadores, em 1º de março de 1930, Zé
Octávio cita o ex-presidente Epitácio Pessoa, em admoestação ao impetuoso
sobrinho [João Pessoa]: “Joca: não é na
passagem de um rio que se muda sela de cavalo”. Isso, numa referência às
atitudes do presidente paraibano quanto ao tratamento que, ao assumir o
governo, passou a dispensar aos coronéis do interior do Estado – principalmente
ao coronel José Pereira Lima, de Princesa -, homens que eram aliados fiéis de
Epitácio e quanto ao alijamento de nomes importantes, na renovação da referida
chapa eleitoral.
Ainda na introdução, o autor demonstra, claramente, ser
Princesa o pomo de toda a discórdia, o epicentro de tudo. Destaca parte do
escrito do presidente Álvaro de Carvalho (substituto do desditoso presidente
assassinado na Confeitaria Glória), dissertando sobre suas atribulações quando
do assassinato de João Pessoa no dia 26 de julho de 1930:
“(...) a profunda e sincera dôr
collectiva cedeu passo ao recrudescimento dos ódios, aos ‘meetings’ de salvação
pública, aos boletins incendiários, às passeatas tendentes a exigir do govêrno
vingança contra os adversários e o assalto definitivo de Princeza”.
São vários os depoimentos que encerram descrição sobre os
acontecimentos de 1930. Nessa resenha, traremos à baila alguns mais
pertinentes. Dois ex-presidentes da República, Epitácio Pessoa e João Café
Filho, estão contemplados nesse trabalho. Por interessante, reproduzimos aqui
trechos da carta de Epitácio ao presidente do estado da Paraíba, João Suassuna,
datada de 03 de janeiro de 1928, por ocasião das tratativas para a escolha do
sucessor deste, quando o ex-presidente, Epitácio Pessoa, argumenta em defesa da
indicação de seu sobrinho, João Pessoa Cavalcanti de Albuquerque (Joca), para o
cargo de presidente da Paraíba. Suassuna desejava a indicação de Júlio Lira,
Chefe de Polícia da Capital do Estado, como seu sucessor. Não contava, no
entanto, que Epitácio já havia decidido que o próximo presidente da Paraíba seria
seu sobrinho. Nessa carta, em defesa do sobrinho Joca, Epitácio Pessoa argumenta que o nome de Júlio Lira, indicado
por João Suassuna, poderia causar cizânia no seio da política paraibana:
“Acresce que esse nosso amigo [Júlio
Lira], no desempenho do espinhoso cargo de que está investido, tem criado
ressentimentos e desgostos. Não são raras as queixas. Admito que a razão esteja
do seu lado e não ao lado dos que o acusam; mas a verdade é que as incompatibilidades
existem e melhor será decerto transferir o govêrno a amigo igualmente digno,
mas que não as tenha”.
Mais adiante, Epitácio, advogando pelo sobrinho, pontua sobre
a capacidade de João Pessoa e mente, quando afirma: “A dificuldade será levá-lo a aceitar o encargo e abandonar por quatro
anos as comodidades do seu alto pôsto, perturbar a educação dos filhos e
afastar a família do meio onde já se radicou”. Ora, a essa altura, já
estava tudo em concerto da vontade do tio e do sobrinho.
Vindo para a Paraíba como um conciliador, João Pessoa, logo
que tomou posse no cargo de presidente do Estado, promoveu o desprestigiamento
dos coronéis, amigos e aliados fiéis de Epitácio Pessoa. Deu especial atenção
ao defenestramento de José Pereira Lima, chefe político de Princesa. Por extensão,
perseguiu também os Dantas de Teixeira e o coronel Santa Cruz de Monteiro. Na
página 50, o advogado, jornalista e historiador pernambucano, José Antônio da
Costa Porto, escreve:
“Embora pertencente a família extremadamente
‘política’, João Pessoa seria não apenas ‘a-político’, mas quase o
‘anti-político’, formando do quadro geral do País idéia sombria, achando ‘tudo
podre’, a reclamar ‘vassourada em regra’ de alto a baixo, tamanho o ardor
‘reformista’ que, ouvindo-o, o Governador Vitor Konder, de Santa Catarina,
ficara a matutar, de si para consigo: tentasse levar a cabo o programa de
‘renovação’ e acabaria ‘deposto ou morto’”. E continua: “Como nos outros
estados, sobretudo do Norte, a Paraíba apresentava robusta constelação de
coronéis, entre os quais avulta José Pereira Lima, de Princesa, a maior força
político-eleitoral do Estado, epitacista de quatro costados, e ligadíssimo ao
ex-Governador João Suassuna”
Em sendo, esse livro, uma obra de abrangência formidável,
elegemos aqui, em excertos, a título de amostragem, o que consideramos
relevante para a contextualização de Princesa quanto aos fatos de 30. Na página
104, encontramos interessante depoimento do ex-presidente da República e então
jornalista potiguar, João Café Filho, que, por ser adversário de Juvenal
Lamartine, presidente do estado do Rio Grande do Norte -em suas palavras: “Lamartine, adversário de João Pessoa,
apoiava em Princesa a facção comandada por José Pereira” -, exilou-se na
Capital paraibana, mas esticou seus tentáculos de repórter até o Quartel General
das operações da Polícia Paraibana, em combate aos rebeldes de Princesa, sediado
em Piancó. Nesse périplo, Café Filho se encontrava na companhia do jornalista
Vítor do Espírito Santo, enviado pelo empresário da imprensa, Assis
Chateaubriand, para cobrir a Guerra de Princesa. Relata, Café Filho:
“Em minhas andanças pelo interior do
Estado, fui a Piancó em companhia de Vítor do Espírito Santo, que, como
representante dos ‘Diários Associados’, estivera antes em Princesa fazendo uma
reportagem. Em Piancó, concentrava-se o grosso das tropas paraibanas. Juntos,
Vítor do Espírito Santo e eu, contamos a João Pessoa a situação real, que
observáramos de perto. Era uma situação de pânico, de fadiga e de debandada. As
tropas da Força Pública da Paraíba lutavam amedrontadas e, sempre que podiam,
escapavam à luta, largando as posições de combate e se recusando a enfrentar o
inimigo. Os contingentes mandados para suprir esses claros, em pouco tempo se
deixavam impregnar do mesmo pavor. João Pessoa, que tudo ignorava – pois os
amigos não ousavam dar-lhe um testemunho verdadeiro – encheu-se de cólera e
determinou ao Chefe de Polícia, Ademar Vidal: “Não poupe ninguém. Se for preciso, mande incendiar as propriedades dos
adversários! De todos os adversários, que estão colaborando com os revoltosos
de Princesa”. Ademar, prudente e hábil, não cumpriu a ordem desesperada do
Governador”.
Na Terceira Parte do livro, o autor exercita sua visão
crítica ancorado em parte da vasta literatura sobre o tema. Quanto à seminal
obra da professora Inês Caminha – A
revolta de Princesa, Uma Contribuição ao estudo do mandonismo local (Paraíba,
1930”. Arruda Mello comenta:
“(...) êsses dois pontos [mandonismo
e cangaço] são fundamentais em relação ao que virá depois. Se afrontando o
coronelismo em tôda sua extensão, João Pessoa levantará contra si os potentados
rurais dos Dantas de Teixeira, Suassuna de Catolé, Gaudêncio do Cariri, Pereira
Lima de Princesa, Cunha Lima de Areia e Ribeiro Coutinho da Várzea. É pelo
afastamento de Suassuna e Oscar Soares de nossa representação federal que se
precipitará a ruptura capaz de conduzir à luta armada de Princesa como véspera
da madrugada redentora da Revolução de
Trinta(grifo nosso”.
Mais na frente, sob o título: “Princesa – o contexto maior”,
nas páginas 310/311, José Octávio cita João Lelis de Luna Freire:
“Aparentemente como um simplório movimento de rebeldia política local, o rompimento
de Princesa era a reação natural do elemento conservador contra a revolução que começava(grifo nosso)”.
O livro: JOÃO PESSOA PERANTE A HISTÓRIA é
talvez, a melhor indicação para iniciantes no entendimento da historiografia
paraibana contemporânea. O que chamamos leitura para os que não gostam de ler,
mas necessitam saber das coisas. Pela sua abrangência, a obra organizada por
José Octávio de Arruda Mello, sucinta e esclarecedora, é leitura indispensável
para todos os que se interessam pelo tema e fonte inesgotável para os que
pesquisam e escrevem sobre os acontecidos de 1930.
José Octávio de Arruda Mello nasceu em João Pessoa em 18 de março de 1940. É historiador, jornalista e professor do Brasil. Bacharelou-se em Ciências Jurídicas e Sociais pela Faculdade de Direito da Paraíba, posteriormente graduou-se em História, também pela UFPB. Obteve o título de doutor em São Paulo. É membro do IHGP – Instituto Histórico e Geográfico da Paraíba e da APL – Academia Paraibana de Letras. É autor de vários livros sobre história, política, sociologia, etc. Atualmente, reside na Capital paraibana.
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