sábado, 14 de agosto de 2021

LER PARA CONHECER A NOSSA HISTÓRIA


“A velha Paraíba nas páginas de jornais”

WELLINGTON AGUIAR

Este livro é uma coletânea de reportagens veiculadas pelos jornais da Paraíba e de algumas outras Unidades da Federação, sobre fatos históricos ocorridos na Paraíba. Como a proposta das resenhas dessa série é a de retratar temas ligados a Princesa, ateremos nossos comentários acerca dos acontecidos de 1930. O autor dessa obra, jornalista Wellington Aguiar, que nas palavras do prefaciador desse livro, José Octávio de Arruda Mello, “se distingue por uma exaltada dedicação à memória do presidente João Pessoa Cavalcanti de Albuquerque”, realça, principalmente, as notícias favoráveis àquele considerado o mártir da Revolução de 1930. Mesmo diante da parcialidade de Aguiar, é esta uma obra de necessária leitura para conhecimento da história, em detalhes, o que este trabalho traz com muita peculiaridade.

O realce necessário do caso de Princesa, quando de qualquer dissertação sobre a história recente da Paraíba, surge já no prefácio do livro, quando José Octávio anota:

“No processo histórico de 30, essa sequência, que atirou João Pessoa nos braços do sacrifício pessoal, e a Paraíba de encontro à Revolução, representa-se pelas excursões político-eleitorais de seu presidente. (...) Das viagens políticas de João Pessoa, em 1930, a mais dramática foi a de Princesa. Nela, sentindo-se preterido, o big-boss local, coronel José Pereira, passou da luta pelo telégrafo ao rompimento complementado pela irrupção de choques armados na região sudoeste do Estado”.

Na página 420, Aguiar, trata do emblemático discurso de posse do presidente João Pessoa, em 28 de outubro de 1928, quando o novo presidente afirma categoricamente que combaterá o banditismo e seus homiziadores e que promoverá o desarmamento em todo o Estado. Reportando-se a uma publicação do escritor pernambucano, Costa Porto, ex-ministro da Agricultura, no seu livro Os Tempos de Lima Cavalcanti, Aguiar transcreve:

“Embora pertencente a família extremamente política, João Pessoa seria não apenas apolítico, mas quase o antipolítico, formando no quadro geral do País ideia sombria, achando ‘tudo podre’, a reclamar ‘vassourada em regra’ de alto a baixo, tamanho o ardor reformista que, ouvindo-o, o Governador Vitor Konder, de Santa Catarina, ficara a matutar, de si para consigo: ‘tentasse levar a cabo o programa de renovação e acabaria deposto ou morto’”.

Na publicação do dia 29 de outubro de 1928, no jornal oficial do Estado, A UNIÃO, o tópico do discurso do novo presidente que mais chamou a atenção, foi a parte em que João Pessoa afirmou: “(...) Não olhei amigos, não atendi unicamente às aspirações legítimas de correligionários. Procurei cercar-me de elementos partidários de matizes diferentes e de não partidários”. Não bastasse isso, em tom de ameaça, o presidente asseverou: “Não trago a convicção de extinguir o cangaço nos nossos sertões, mas venho com o propósito de não lhe dar tréguas esteja onde estiver e seja quem for o seu protetor ou o seu homiziador. Quem se sentir humilhado com a ação da polícia que não o acolha em suas casas e propriedades”. Isso incomodou, sobremaneira, os coronéis do interior do Estado que mantinham uma relação de, no mínimo, tolerância com os facínoras chamados de cangaceiros.

A despeito dos conselhos encaminhados pelo tio Epitácio, João Pessoa não tergiversou em promover o total desarmamento dos coronéis sertanejos quando, de forma indiscriminada, confiscou todo o armamento e munições possíveis, recolhendo tudo, através de caminhões, para a capital do Estado. Na edição de 11 de julho de 1929, o jornal A UNIÃO, registrou: “O desarmamento geral se fez sem distinção de amigos nem inimigos, chegando até a atingir alguns chefes situacionistas que ainda conservam algumas armas em suas fazendas”.

Não contava, João Pessoa, com a estultice de alguns dos coronéis, a exemplo de José Pereira de Princesa que, altamente municiado de armamentos – fruto das concessões de governos anteriores para o efetivo combate aos cangaceiros e à Coluna Prestes -, disponibilizou à sanha desarmamentista de Pessoa, somente as armas e munições inservíveis. O que havia de bom e em funcionamento, Zé Pereira escondeu em fazendas e até em residências de parentes e amigos. Isso se comprova quando, já na década de 1980, foram encontradas várias munições acondicionadas nas paredes da casa de dona Toinha Carlos de Andrade (cunhada de José Pereira), que foram ali escondidas para burlar aquele confisco oficial.

É sabido que o rompimento do senador e ex-presidente da República, Epitácio Pessoa, com o presidente Washington Luís, em 1929, se deu, principalmente, porque Epitácio desejou ser indicado como um tertius na disputa entre o mineiro, Antônio Carlos de Andrada e o paulista, Júlio Prestes, pela presidência da República, nas eleições de março de 1930. Rejeitado nessa proposta por ele mesmo [Epitácio] insinuada, deu-se a indisposição do chefe paraibano com o presidente Washington. Por conta disso, nas confabulações para a unção de Júlio Prestes como candidato oficial, a Paraíba sequer foi consultada. Baseado em notícia veiculada pelo periódico paulista, Correio da Manhã, na página 465, Wellington Aguiar anota:

“Júlio Prestes governava São Paulo. A vez, porém, de ocupar o mais alto cargo da Nação era de Antônio Carlos Ribeiro de Andrada, presidente de Minas Gerais. Ao se ver preterido, este entrou em entendimentos com o Rio Grande do Sul e lançou o nome de Getúlio Vargas, chefe do Executivo gaúcho. Estávamos em 1929. O Governo Federal contava com dezessete Estados que apoiavam Júlio Prestes. A pequena Paraíba, coitada, nem sequer fora ainda consultada!”.

Numa demonstração da alta admiração que guardava pelo presidente paraibano, na página 467, Aguiar, com justiça, ressalta a coragem desmedida de João Pessoa. Porém, exagera quando transcreve palavras retiradas da obra de José Américo de Almeida, O Ano do Nego, sobre o desditoso presidente: “Era raro esse estofo humano. (...) Nunca vi ninguém semelhante; não pertencia ao seu tempo”. A coragem de João Pessoa é medida pela ousadia de visitar Princesa (18/02/1930), já sabendo que o coronel José Pereira estava prestes a romper politicamente com ele. E, depois, pela fatídica viagem ao Recife (26/07/1930), quando foi ao encontro de sua própria morte.

Mais adiante, na página 506, o autor, ainda sobre a coragem de João Pessoa, escreve: “A esmagadora maioria do nosso povo tinha amor e veneração a João Pessoa, o líder de suprema coragem, o defensor indormido da autonomia do Estado que governava, o homem que enfrentou, de uma só vez, o coronelismo e o presidente da República! Como já anotei, sobre a coragem de João Pessoa, o autor tem razão. Porém, quanto à veneração, dispensada ao presidente, pela maioria dos paraibanos, não é verdade. A popularidade de João Pessoa era quase unânime na capital do Estado. Na maioria dos municípios do interior, no entanto – principalmente no Sertão -, o presidente era odiado. Isso, motivado por suas medidas fiscais arbitrárias que em muito castigaram o comércio e a indústria do interior do Estado. Naquele tempo, em que não havia comunicação de massa, o povo acreditava e obedecia aos ditames dos coronéis.

Na página 509, Wellington Aguiar faz confusão quando afirma que: “Deixou de haver eleições regulares e legais (1º/03/1930) em Princesa, Santana dos Garrotes e Imaculada, nestes dois últimos pontos por se acharem ocupados por gente de Princesa”. No parágrafo seguinte, para justificar a depuração de que foram vítimas os candidatos a deputados federais e senadores da Aliança Liberal na Paraíba, quando a famigerada Comissão Verificadora não lhes reconheceu a vitória nas urnas, Aguiar afirma: Ressalte-se, entretanto, que a Junta Apuradora, sediada na Capital, e presidida pelo bacharel Eugênio Carneiro Monteiro, resolveu apurar as ‘eleições’ realizadas em Princesa, Teixeira, Santana dos Garrotes e em outros municípios escolhidos a dedo”. Em Princesa aconteceram eleições sim, e os candidatos da chapa perrepista tiveram a unanimidade dos votos. O esbulho que depurou as candidaturas adversárias ao Catete deu, de forma arbitrária, os mandatos aos candidatos da Aliança Liberal, que perderam a eleição, e passaram a ser chamados de os “Deputados de Princesa”.

Sobre a administração de João Pessoa, o autor aflora o grande dinamismo do presidente na execução de obras por todo o estado da Paraíba, afirmando haver sido esse o motivo do prestígio que detinha em todo o território paraibano. Na verdade, a realidade é bem outra. Das 20 obras, realizações ou iniciativas de João Pessoa, elencadas por Wellington Aguiar, na página 518 do livro em tela, apenas uma se destinou ao Sertão.

Por fim, realçamos a importância de Princesa no contexto da Revolução de 1930, o que o próprio autor desta obra faz ver quando cita - retirado do volume de Memórias do revolucionário, João Neves da Fontoura -, a informação de que, uma das causas da Revolução de 30, foi “o crime de José Pereira”. Na página 521, Aguiar escreve: “O crime de José Pereira, de que fala João Neves da Fontoura, foi a Revolta de Princesa, um movimento armado que pretendeu depor o presidente João Pessoa, e durou quase cinco meses”. E encerra, sobre a Guerra de Princesa, com louvores incontidos e inverídicos ao presidente Pessoa: “A resistência e a bravura da gente paraibana em defesa da autonomia do nosso Estado despertaram a admiração de todo o Brasil”.

Wellington Hermes Vasconcelos de Aguiar nasceu em João Pessoa a 04 de maio de 1935. Filho de Hermes Ferreira de Aguiar e de dona Rosa Dalva Vasconcelos de Aguiar. Bacharelou-se pela Faculdade Nacional de Direito da antiga Universidade do Brasil, no Rio de Janeiro, em 1960. Foi Promotor de Justiça, por concurso público. Foi professor secundário e universitário. Licenciou-se (1969) em Letras pela Universidade Federal da Paraíba. Diretor-presidente da Loteria do Estado da Paraíba (1966/71). Procurador Jurídico. Jornalista e escritor, foi autor de seis livros. Presidente da Academia Paraibana de Letras (1996/98); vice-presidente do IHGP – Instituto Histórico e Geográfico Paraibano (1995/98) e do Conselho Estadual de Cultura (1982/86). Membro da API – Associação Paraibana de Imprensa. Faleceu em João Pessoa, vítima de câncer de estômago, aos 79 anos de idade, em 06 de dezembro de 2014.




 

 

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