“A velha Paraíba nas
páginas de jornais”
WELLINGTON AGUIAR
Este livro é uma coletânea de reportagens veiculadas pelos
jornais da Paraíba e de algumas outras Unidades da Federação, sobre fatos
históricos ocorridos na Paraíba. Como a proposta das resenhas dessa série é a
de retratar temas ligados a Princesa, ateremos nossos comentários acerca dos
acontecidos de 1930. O autor dessa obra, jornalista Wellington Aguiar, que nas
palavras do prefaciador desse livro, José Octávio de Arruda Mello, “se
distingue por uma exaltada dedicação à memória do presidente João Pessoa Cavalcanti
de Albuquerque”, realça, principalmente, as notícias favoráveis àquele
considerado o mártir da Revolução de 1930. Mesmo diante da parcialidade de
Aguiar, é esta uma obra de necessária leitura para conhecimento da história, em
detalhes, o que este trabalho traz com muita peculiaridade.
O realce necessário do caso de Princesa, quando de qualquer
dissertação sobre a história recente da Paraíba, surge já no prefácio do livro,
quando José Octávio anota:
“No processo histórico de 30, essa
sequência, que atirou João Pessoa nos braços do sacrifício pessoal, e a Paraíba
de encontro à Revolução, representa-se pelas excursões político-eleitorais de
seu presidente. (...) Das viagens políticas de João Pessoa, em 1930, a mais
dramática foi a de Princesa. Nela, sentindo-se preterido, o big-boss local, coronel José Pereira,
passou da luta pelo telégrafo ao rompimento complementado pela irrupção de
choques armados na região sudoeste do Estado”.
Na página 420, Aguiar, trata do emblemático discurso de posse
do presidente João Pessoa, em 28 de outubro de 1928, quando o novo presidente
afirma categoricamente que combaterá o banditismo e seus homiziadores e que
promoverá o desarmamento em todo o Estado. Reportando-se a uma publicação do
escritor pernambucano, Costa Porto, ex-ministro da Agricultura, no seu livro Os Tempos de Lima Cavalcanti, Aguiar
transcreve:
“Embora pertencente a família
extremamente política, João Pessoa seria não apenas apolítico, mas quase o
antipolítico, formando no quadro geral do País ideia sombria, achando ‘tudo
podre’, a reclamar ‘vassourada em regra’ de alto a baixo, tamanho o ardor
reformista que, ouvindo-o, o Governador Vitor Konder, de Santa Catarina, ficara
a matutar, de si para consigo: ‘tentasse levar a cabo o programa de renovação e
acabaria deposto ou morto’”.
Na publicação do dia 29 de outubro de 1928, no jornal oficial
do Estado, A UNIÃO, o tópico do
discurso do novo presidente que mais chamou a atenção, foi a parte em que João
Pessoa afirmou: “(...) Não olhei amigos,
não atendi unicamente às aspirações legítimas de correligionários. Procurei
cercar-me de elementos partidários de matizes diferentes e de não partidários”.
Não bastasse isso, em tom de ameaça, o presidente asseverou: “Não trago a convicção de extinguir o
cangaço nos nossos sertões, mas venho com o propósito de não lhe dar tréguas
esteja onde estiver e seja quem for o seu protetor ou o seu homiziador. Quem se
sentir humilhado com a ação da polícia que não o acolha em suas casas e
propriedades”. Isso incomodou, sobremaneira, os coronéis do interior do Estado
que mantinham uma relação de, no mínimo, tolerância com os facínoras chamados
de cangaceiros.
A despeito dos conselhos encaminhados pelo tio Epitácio, João
Pessoa não tergiversou em promover o total desarmamento dos coronéis sertanejos
quando, de forma indiscriminada, confiscou todo o armamento e munições
possíveis, recolhendo tudo, através de caminhões, para a capital do Estado. Na
edição de 11 de julho de 1929, o jornal A
UNIÃO, registrou: “O desarmamento
geral se fez sem distinção de amigos nem inimigos, chegando até a atingir
alguns chefes situacionistas que ainda conservam algumas armas em suas
fazendas”.
Não contava, João Pessoa, com a estultice de alguns dos
coronéis, a exemplo de José Pereira de Princesa que, altamente municiado de
armamentos – fruto das concessões de governos anteriores para o efetivo combate
aos cangaceiros e à Coluna Prestes -, disponibilizou à sanha desarmamentista de
Pessoa, somente as armas e munições inservíveis. O que havia de bom e em funcionamento,
Zé Pereira escondeu em fazendas e até em residências de parentes e amigos. Isso
se comprova quando, já na década de 1980, foram encontradas várias munições
acondicionadas nas paredes da casa de dona Toinha Carlos de Andrade (cunhada de
José Pereira), que foram ali escondidas para burlar aquele confisco oficial.
É sabido que o rompimento do senador e ex-presidente da
República, Epitácio Pessoa, com o presidente Washington Luís, em 1929, se deu,
principalmente, porque Epitácio desejou ser indicado como um tertius na disputa entre o mineiro,
Antônio Carlos de Andrada e o paulista, Júlio Prestes, pela presidência da
República, nas eleições de março de 1930. Rejeitado nessa proposta por ele
mesmo [Epitácio] insinuada, deu-se a indisposição do chefe paraibano com o
presidente Washington. Por conta disso, nas confabulações para a unção de Júlio
Prestes como candidato oficial, a Paraíba sequer foi consultada. Baseado em
notícia veiculada pelo periódico paulista, Correio
da Manhã, na página 465, Wellington Aguiar anota:
“Júlio Prestes governava São Paulo. A
vez, porém, de ocupar o mais alto cargo da Nação era de Antônio Carlos Ribeiro
de Andrada, presidente de Minas Gerais. Ao se ver preterido, este entrou em
entendimentos com o Rio Grande do Sul e lançou o nome de Getúlio Vargas, chefe
do Executivo gaúcho. Estávamos em 1929. O Governo Federal contava com dezessete
Estados que apoiavam Júlio Prestes. A pequena Paraíba, coitada, nem sequer fora
ainda consultada!”.
Numa demonstração da alta admiração que guardava pelo
presidente paraibano, na página 467, Aguiar, com justiça, ressalta a coragem
desmedida de João Pessoa. Porém, exagera quando transcreve palavras retiradas
da obra de José Américo de Almeida, O Ano
do Nego, sobre o desditoso presidente: “Era
raro esse estofo humano. (...) Nunca vi ninguém semelhante; não pertencia ao
seu tempo”. A coragem de João Pessoa é medida pela ousadia de visitar
Princesa (18/02/1930), já sabendo que o coronel José Pereira estava prestes a
romper politicamente com ele. E, depois, pela fatídica viagem ao Recife
(26/07/1930), quando foi ao encontro de sua própria morte.
Mais adiante, na página 506, o autor, ainda sobre a coragem
de João Pessoa, escreve: “A esmagadora
maioria do nosso povo tinha amor e veneração a João Pessoa, o líder de suprema
coragem, o defensor indormido da autonomia do Estado que governava, o homem que
enfrentou, de uma só vez, o coronelismo e o presidente da República! Como
já anotei, sobre a coragem de João Pessoa, o autor tem razão. Porém, quanto à
veneração, dispensada ao presidente, pela maioria dos paraibanos, não é verdade.
A popularidade de João Pessoa era quase unânime na capital do Estado. Na
maioria dos municípios do interior, no entanto – principalmente no Sertão -, o
presidente era odiado. Isso, motivado por suas medidas fiscais arbitrárias que
em muito castigaram o comércio e a indústria do interior do Estado. Naquele
tempo, em que não havia comunicação de massa, o povo acreditava e obedecia aos
ditames dos coronéis.
Na página 509, Wellington Aguiar faz confusão quando afirma
que: “Deixou de haver eleições regulares
e legais (1º/03/1930) em Princesa, Santana dos Garrotes e Imaculada, nestes
dois últimos pontos por se acharem ocupados por gente de Princesa”. No
parágrafo seguinte, para justificar a depuração de que foram vítimas os
candidatos a deputados federais e senadores da Aliança Liberal na Paraíba,
quando a famigerada Comissão Verificadora não lhes reconheceu a vitória nas
urnas, Aguiar afirma: Ressalte-se,
entretanto, que a Junta Apuradora, sediada na Capital, e presidida pelo
bacharel Eugênio Carneiro Monteiro, resolveu apurar as ‘eleições’ realizadas em
Princesa, Teixeira, Santana dos Garrotes e em outros municípios escolhidos a
dedo”. Em Princesa aconteceram eleições sim, e os candidatos da chapa perrepista tiveram a unanimidade dos
votos. O esbulho que depurou as candidaturas adversárias ao Catete deu, de
forma arbitrária, os mandatos aos candidatos da Aliança Liberal, que perderam a
eleição, e passaram a ser chamados de os “Deputados de Princesa”.
Sobre a administração de João Pessoa, o autor aflora o grande
dinamismo do presidente na execução de obras por todo o estado da Paraíba,
afirmando haver sido esse o motivo do prestígio que detinha em todo o
território paraibano. Na verdade, a realidade é bem outra. Das 20 obras,
realizações ou iniciativas de João Pessoa, elencadas por Wellington Aguiar, na
página 518 do livro em tela, apenas uma se destinou ao Sertão.
Por fim, realçamos a importância de Princesa no contexto da
Revolução de 1930, o que o próprio autor desta obra faz ver quando cita -
retirado do volume de Memórias do revolucionário, João Neves da Fontoura -, a
informação de que, uma das causas da Revolução de 30, foi “o crime de José
Pereira”. Na página 521, Aguiar escreve: “O
crime de José Pereira, de que fala João Neves da Fontoura, foi a Revolta de
Princesa, um movimento armado que pretendeu depor o presidente João Pessoa, e
durou quase cinco meses”. E encerra, sobre a Guerra de Princesa, com
louvores incontidos e inverídicos ao presidente Pessoa: “A resistência e a bravura da gente paraibana em defesa da autonomia do
nosso Estado despertaram a admiração de todo o Brasil”.
Wellington Hermes Vasconcelos de Aguiar nasceu em João Pessoa
a 04 de maio de 1935. Filho de Hermes Ferreira de Aguiar e de dona Rosa Dalva
Vasconcelos de Aguiar. Bacharelou-se pela Faculdade Nacional de Direito da
antiga Universidade do Brasil, no Rio de Janeiro, em 1960. Foi Promotor de
Justiça, por concurso público. Foi professor secundário e universitário.
Licenciou-se (1969) em Letras pela Universidade Federal da Paraíba.
Diretor-presidente da Loteria do Estado da Paraíba (1966/71). Procurador
Jurídico. Jornalista e escritor, foi autor de seis livros. Presidente da
Academia Paraibana de Letras (1996/98); vice-presidente do IHGP – Instituto
Histórico e Geográfico Paraibano (1995/98) e do Conselho Estadual de Cultura
(1982/86). Membro da API – Associação Paraibana de Imprensa. Faleceu em João
Pessoa, vítima de câncer de estômago, aos 79 anos de idade, em 06 de dezembro
de 2014.
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