“NAS VÉSPERAS DA
REVOLUÇÃO e MEMÓRIAS”
ÁLVARO PEREIRA DE CARVALHO
O livro de Álvaro de Carvalho: “Nas Vésperas da Revolução e
Memórias”, lançado em 1ª edição em 1932 e em 2ª, em 1978, esta última
pela Editora Acauã, contém 184 páginas e rica iconografia. Álvaro Pereira de
Carvalho, 1º vice-presidente da Paraíba, assumiu o governo do Estado, em 26 de
julho de 1930, quando do assassinato do presidente João Pessoa, perpetrado pelo
advogado paraibano, João Duarte Dantas, ocorrido na mesma data, na Confeitaria
Glória, na capital pernambucana. Governou a Paraíba por apenas 70 dias. Seu governo
foi uma gestão tumultuada pelo trágico acontecimento da morte de João Pessoa e
suas consequências, pela falta de apoio político e pela eclosão da Revolução de
1930.
Nesse trabalho literário, Carvalho relata, com detalhes, os
momentos cruciais porque passou o dilacerado estado da Paraíba, acossado pela
Guerra de Princesa, pela morte do presidente João Pessoa, pelo desvario da
população da capital pranteando o líder assassinado, e pelas conspirações
revolucionárias. Com o sentimento de injustiçado, o autor, que não aderiu à
Revolução, faz relatos sobre as difíceis situações que enfrentou nesse
curtíssimo período de sua administração. Faz isso com fidelidade para si e
alguns enganos que maculam a história. Seguindo em tudo a mesma linha do
desditoso antecessor, Álvaro de Carvalho, adotou, inclusive, o conceito de nominar
os rebeldes de Princesa, de cangaceiros.
Quando da ocupação de Princesa, pelo Exército – o que
Carvalho chama de “invasão” : “(...) O
governo federal determinou pôr fim à luta de Princesa, invadindo esta cidade do
setor de Pernambuco, em poder dos cangaceiros (...)”, o presidente
telegrafa ao senador Venâncio Neiva, na Capital Federal, pedindo que faça
pronunciamento no Senado Federal, informando que: “(...) a ocupação de Princesa pelas forças federais e sobre medidas que
a União desejava pôr em prática para evitar derramamento de cangaceiros pelos
estados vizinhos”. Dois enganos comete o autor. Primeiro, pelo fato de que
o que se constata com o conhecimento da história, é que, chegado a Princesa, o
Exército, liderado pelo capitão João Facó, aliou-se imediatamente ao coronel
José Pereira. Ou seja, as forças federais aqui estacionadas, estavam
funcionando mais como garantia da integridade física do coronel e de seus
aliados do que para a manutenção da ordem pública.
Logo que recebeu o telegrama, informando do assassinato do
presidente João Pessoa, Zé Pereira ordenou o cessar fogo e a deposição de
armas, mantendo-se em alerta somente quanto à necessidade de defender-se se
atacado o fosse. Em concerto com o comando do Exército que ocupava a cidade, o
coronel José Pereira escondeu suas armas em local seguro e, o general Lavenère
Wanderley, simpático ao Coronel e simulando obediência ao presidente do Estado,
telegrafou nos seguintes termos, o que encontramos na página 51. Interessante
observar, que o general se refere a José Pereira como deputado e não como
cangaceiro:
“Princesa 19 –
Presidente Estado – participo a V. Exa. que deputado José Pereira dissolveu
suas forças e hoje terminou entrega armamento e munição em poder das mesmas e
existentes depósitos nesta cidade pt. Atenciosas saudações – General Wanderley”.
Animado com essa notícia e tentando credenciar-se junto às
autoridades federais, o presidente da Paraíba, telegrafa ao presidente da República,
Washington Luís, informando que seu Estado se encontrava em situação de
restaurada a tranquilidade “à exceção do município de Princesa”, mas, graças à
ocupação “promovida por V. Exa.”, estava tudo sob controle.
Na página 30, encontramos a reprodução de um telegrama,
enviado pelo presidente Álvaro de Carvalho, endereçado ao senador Epitácio
Pessoa, dando conta de situação que não era verdadeira quando afirma que a luta
continuava e que a polícia da Paraíba, em confronto com os homens de Zé
Pereira, havia repelido mais um ataque:
“(...) Princesa continua sem
alteração, tendo sido repelido, pelos nossos, mais um ataque pt. (7). A custo
venho contendo exaltação próprios amigos. Desejo proclamar País que governo
garantirá vida e propriedade implicados luta que depuserem armas. Capital
dentro ordem. Preciso conselho Vossa Excelência. Afetuosas saudações – Álvaro
de Carvalho”.
Ora, após o assassinato de João Pessoa, cessara completamente,
o conflito de Princesa. Uma verdade, porém, está contida no telegrama acima, o
que é corroborado pelo que o autor anota na página 69:
“A polícia, acabada a luta,
desmanda-se no interior. O próprio secretário de Segurança, sr. José Américo de
Almeida, sentia-se impotente diante da arrogância do Capitão João Costa. Os
oficiais, que vinham à capital, a chamado do governo, tinham umas atitudes estudadas,
cheias de reserva, uns ares de estadistas, umas reticências, umas coisas vagas
e uns vagos desejos de recomeçar a luta para combater José Pereira desarmado.
Os incêndios crepitavam em várias localidades do interior, Teixeira,
principalmente”.
Como vemos aqui, o sentimento de vingança palpitava no peito
dos que não conseguiram invadir Princesa e queriam, agora, aproveitar a
vulnerabilidade da cidadela “desarmada”, para ocupá-la. Isso, conforme relata
Carvalho, na página 73 do escrito, somente aconteceria em 1º de outubro daquele
ano de 1930:
“(...) às 11 horas da manhã, entrava
em Princesa um contingente de 300 praças, sem incidente”. (...) Pouco depois de
aquarteladas as forças, dera-se uma luta entre um dos cangaceiros de José
Pereira e um soldado da polícia, sendo imediatamente restabelecida a ordem”.
Falta novamente aqui, o autor, com a verdade. Nessa luta, o
homem de Zé Pereira, a quem Álvaro de Carvalho chama de cangaceiro, João Flor, tombou
morto pela ação do sargento Vicente Chaves. Na mesma página, Carvalho anota
que, no dia 04 de outubro, seguiram para Princesa - por ele nomeados -,
funcionários e autoridades civis que deveriam desempenhar as funções e
reorganizar os serviços públicos do município.
Fato interessante encontramos nesse escrito, nas páginas 21,
22, 100 e 174. O autor discorre, em sugestão, que a viagem do presidente João
Pessoa foi, propositadamente em busca da morte. Anota que, ao lhe transmitir o
governo, na noite do dia 25 de julho de 1930, o presidente João Pessoa pediu-lhe
reservas dizendo que não desejava que se soubesse de sua viagem ao Recife. Dia
seguinte, logo cedo, Carvalho tomou conhecimento de que, o próprio presidente,
orientou o diretor do jornal A UNIÃO
a divulgar nas páginas daquele órgão oficial, a notícia de sua viagem e todo
seu itinerário na capital pernambucana. Na página 174, o autor reproduz
desesperado apelo de João Pessoa ao cônego Mathias Freire:
“Foi nessa situação que, no auge do
desespero, a sós, com o padre Mathias Freire, fitando-o de frente, perguntou-lhe
imprevistamente: -‘Seu Mathias, por que
não me matam’. E abriu-lhe o coração numa confissão dolorosa”.
Outro relato interessante está contido na página 148. Ali, o
autor corrobora a assertiva de que não foi o coronel José Pereira quem deu o primeiro
tiro da Guerra de Princesa. Na referida página, Carvalho anota que, assumindo interinamente
a presidência do Estado, foi procurado por três membros do partido adversário:
José Gaudêncio, João Dantas e JoséFrutuoso Dantas, que lhe advertiram, amigavelmente,
sobre a inconveniência do presidente João Pessoa, em determinar, às vésperas
das eleições de 1º de março de 1930, a ocupação de Teixeira pelo tenente
Ascendino Feitosa (no livro, Carvalho grafa, erradamente, o nome do tenente,
como Francelino), o que provocou a reação do coronel José Pereira e o início da
Guerra de Princesa.
Este livro de Álvaro de Carvalho, apesar de parcialmente
favorável ao presidente João Pessoa, contém relatos inéditos e outras
informações mais detalhadas, porque contadas por quem viveu no epicentro dos
acontecimentos provenientes da morte de João Pessoa. Leitura indispensável.
Álvaro Pereira de Carvalho nasceu no município de
Mamanguape/PB, em 1885.Político, professor, advogado e
escritor, membro da Academia Paraibana de Letras, foi presidente (governador)
da Paraíba, durante o período de 26 de julho a 04 de outubro de 1930. Após
deixar a presidência do estado da Paraíba, transferiu-se para a cidade paulista
de Santos e, depois, passou a residir no estado do Paraná. Faleceu em João
Pessoa, em 1952.
DSMR, em 25 de março de 2021.