AS DONZELAS E A VACA ENCARETADA
Lagoa da Cruz é hoje o maior Povoado pertencente a Princesa. Carrega uma peculiaridade que lhe dá um certo chame. Pertence a dois Estados: Paraíba e Pernambuco. Tem outra particularidade distinta do normal. A padroeira daquele arruado é Nossa Senhora do Carmo, denominação da Virgem que tem seu dia celebrado em 16 de julho, porém a cerimônia festiva que louva a Santa, ocorre em outubro (mode o frio que ali é intenso em meados do ano). Essa tradição religiosa nunca deixou de ser comemorada e, em tempos idos, quando Tomé Francisco era dali o Intendente, a festa se fazia mais organizada e muito mais animada.
Para termos ideia de quanto se valorizava - tanto o culto religioso quanto o profano, além das novenas que tinham como patrocinadores os chamados “noiteiros”, havia também o furdunço profano. Para ambos, ao gauleiter de Lagoa da Cruz, tomava todas as providências. Enquanto mandava enfeitar a igreja e fazia banquetes para os frades carmelitas que iam de Princesa oficiar as celebrações religiosas, e depois se refestelavam em lautos jantares, Tomé não se esquecia também dos divertimentos populares, inclusive dos da luxúria.
Eram nove dias de festas culminando com a coroação da Santa, missa solene e procissão. Nesses dias, toda noite era rezada uma novena. Enquanto as famílias de bem e as beatas, na pequena capela, se conciliavam com Deus e com a Virgem, os jovens se divertiam “passeando” nas canoas e no juju de Manezim Cristóvão e tomando o capilé de João Costa. Diligente, “seu” Tomé não esquecia dos marmanjos e, numa providência inusitada para a época, o chefe do lugar designava um local, perto do cemitério, para que fosse ali instalada uma franquia do Cabaré de Princesa.
Com a autorização do chefe e sob o comando da matriarca da luxúria - Estrela de Pedro Caboclo -, era instalado um barracão, onde funcionava um bar repleto de mesas, com chão batido para a realização de danças, que eram animadas por um sanfoneiro chamado Cordeiro de Mané Lopes e, num reservado, algumas camas destinadas ao libidinoso ofício da lascívia. Estrela escolhia as raparigas mais jovens para esse desiderato e, enquanto os decentesrezavam na igrejinha, o amor, livre de qualquer censura, corria solto no barracão.
Certa noite, idas de Princesa e já hospedadas na casa da irmã Donana (esposa de “seu” Tomé), Francisquinha e Domitila, duas solteironas juramentadas, se aprifilaram e foram para a novena noturna. Moças respeitadas e da altíssima sociedade princesense, partiram as duas, da casa do influente cunhado, à pés e de braços dados – como era o costume à época -, rumo à igrejinha. A certa altura do percurso, viram um pequeno tumulto provocado por uma correria animada pelo tilintar de um chocalho de vaca.
Para não perder a postura, as duas donzelas se fizeramimpassíveis e continuaram sua caminhada em busca da casa de Deus. Quando menos esperavam, se depararam com uma vaca encaretada correndo em sua direção. Desesperadas, sem soltarem as mãos, meteram os pés a correr. Naqueles meios, sem saber aonde ir, Francisquinha e Domitila enveredaram num beco (e a vaca atrás delas) e viram um grande barracão iluminado. Pensaram; “é ali que vamos nos proteger”. Em disparada, entraram no cabaré de Estrela. Ao chegarem, um bêbado foi logo dizendo: “Opa, chegaram duas novatas!”. Nessa noite, acontecia um baile à fantasia. O sanfoneiro tocando, as quengas todas de máscaras dançando e, as duas, atônitas, sem entenderem onde estavam, se viram completamente desamparadas (a vaca passou direto).
Nesse momento, pediram, intimamente a proteção de Nossa Senhora do Carmo. E ela veio. No fundo do barracão, encostado no balcão, estava Zé Baião que era casado com Telinha, prima legítima das duas desesperadasirmãs. Imediatamente Baião as reconheceu, porém, aflito para não ser visto por elas naquele ambiente escuso, teve uma luz. Saiu pela porta dos fundos, rodeou o barracão, fez-se que ia passando e adentrou ao ambiente. Gritou logo: “Parem essa sanfona, vocês num tão vendo que se encontram aqui duas moças direitas da sociedade?”Estrela, também mascarada e irritada com a ordem, foi logo dizendo: “E que diabo essas infeliz tão fazendo aqui?”.
Zé Baião, exercendo sua autoridade de esposo da sobrinhade Tomé Francisco, perguntou às “meninas”: “O que houve que vocês vieram esbarrar aqui?” Francisquinha, que era mais afoita - mesmo porque Domitila chorava sem parar, respondeu: “A vaca encaretada!” O tempo fechou. Estrela pensou que era com ela e foi logo disparando: “O que é que essas quenguinhas tão pensando?” Zé Baião falou sério, pediu respeito, pegou as “meninas” pelo braço e as conduziu, aos prantos, de volta para a casa da irmã. Novena, já era.
Ao chegar na casa da irmã Donana, Domitila ainda chorava. Franscisquinha, no entanto, já recomposta, a sorrir, passou a contar a história que, segundo ela, foi a maior aventura de sua vida. Dizia sempre que tinha muito medo de morrer, mas que agora morreria feliz, pois mesmo nunca tendo conhecido um homem, estava alentada porque conheceu um cabaré.