Por Domingos Sávio
Maximiano Roberto
Teoria da loucura
Filosofar não é um privilégio dos sábios detentores de alta
instrução. O pensamento vagueia também nas mentes menos ilustradas, daqueles
que, como dizia o famoso filósofo suíço, Jean Jacques Rousseau (1712-1778): “A
pessoa que pouco sabe, pensa que tudo o que sabe é importante e, por isso, quer
contá-lo a todos”. Assim acontecia com um louco, residente em Princesa que, em
seu afã professoral, vivia a “ensinar” nada a todos. De instrução rudimentar,
mas que se achava um cientista do pensamento, um verdadeiro expedito a resolver
as coisas, de forma diligente, usando palavras com as quais estabelecia nexos
causais, os mais estapafúrdios possíveis. Em sua quase total falta de juízo,
vivia a verbalizar palavras inventadas, e o fazia de forma arrogante como se
esses neologismos fossem algo deixado de ser catalogado – por esquecimento ou
ignorância - pelos filólogos nos vários dicionários da língua portuguesa.
Não bastasse sua criatividade mórbida, ele, o louco, criou a
“Teoria dos Movimentos Materiais” e fez popularizar essa aberração pela sigla:
TMM. Baseava-se, o alienado, em suas elucubrações produzidas por uma mente
perturbada, mas extremamente criativa. A teoria dele se baseava nos movimentos
dos corpos e das coisas quando os classificava em situações que nominou-as
como: “fixa-móvel; “fixa-parada”; “fixa-fixa” e, “móvel-móvel”. Uma verdadeira
loucura que ele afirmava ser a “Eureca” de sua vida. Para delinear os
parâmetros dessa esquisita teoria, o louco descrevia em detalhes, com
exemplificações que o punham, em seu devaneio, num verdadeiro deleite ao
explicar o significado de cada um desses teoremas.
Para ele – um aloprado que tinha uma oficina mecânica onde
fazia consertos vários - o “fixo-móvel” se referia a algo que está parado e, ao
mesmo tempo, em movimento. E ilustrava isso, dizendo: “Os passageiros de um
avião, eles estão fixos em seus assentos e, ao mesmo tempo, em movimento por
conta do deslocamento da aeronave!” E dava mais um exemplo: “O mesmo acontece
com um santo quando, fixado em um andor, é carregado por quatro pessoas em
movimento”. Quanto ao conceito do “fixo-parado”, o maluco exemplificava
qualquer coisa que tenha a possibilidade de se mover e, no entanto, se encontra
parada. E exemplificava: “Um automóvel, exposto num museu, portanto, ali fixado
e sem estar em movimento!” Ainda quanto ao “fixo-móvel” e ao “fixo-parado”,
sucedeu um caso por demais interessante e que merece registro. O engenheiro
Eduardo Abrantes mandou um carrinho de mão para que o “filósofo-mecânico”
consertasse seu eixo. De chofre, o louco perguntou ao empregado do engenheiro:
“Você quer que fique “fixo-móvel” ou “fixo-parado”? o encarregado não soube
responder e pediu explicações, ao que o maluco informou: “Fixo-móvel é quando o
eixo está fixo e, a roda, em movimento. Fixo-parado, ocorre quando a roda está
fixada no eixo e somente ela [a roda], está em movimento”. Isso deu um nó no
juízo do empregado, que respondeu: “Faça como o senhor bem entender contanto
que a carroça funcione”.
Para a situação de “fixo-fixo”, o doido se referia a uma
estátua de um vulto histórico quando, em seu pedestal, fixo, se assentava a
estátua, também fixa, presa, estagnada e que permanecia, eternamente, imóvel!” Esclarecendo
sobre a teoria do “móvel-móvel”, o louco dissertava explicando essa situação
com a demonstração de uma pessoa a pedalar uma bicicleta quando, segundo ele,
tanto o veículo quanto o condutor estão em movimento: um pedalando, o outro
rodando! Nada o demovia da certeza de que estava fazendo Escola com suas
teorias estapafúrdias. Ele ignorava todo e qualquer comentário desabonador
quanto às suas convicções “científicas” que lhes fosse dirigido, salvo aqueles
para pedir-lhes explicações sobre o que ele afirmava com certeza absoluta.
Discorria também sobre outros temas conceituais quando inseria, em seus
monólogos, ensinamentos sobre o que era certo e o que era errado afirmando que
nem tudo era completamente certo, tampouco absolutamente errado, enfim, sua
meta era confundir a todos os que se dispunham a escutá-lo. Fazia troça com os
ouvidos alheios quando dizia que, às vezes, o certo não é certo e, o errado,
não é errado. Para ele, existia além do “certo-certo” e do “errado-errado”, o
“certo-errado” e, o “errado certo”.
O “certo-certo”, na concepção do demente, era tudo aquilo,
que dito, não poderia ser contestado por não restar dúvidas quanto à sua
veracidade. O “errado-errado”, o que de total forma saltasse aos olhos quanto à
sua inverossimilhança. Já o “certo errado”, para o louco, se constituía algo
que afirmamos ser correto e, no entanto, pudesse estar contido de mentira. E
exemplificava: “O ‘certo-errado’ ocorre quando um político afirma que quer ser
eleito para fazer o bem à população’”. Abonava a verdade quanto à vontade de
ser eleito, mas discordava quanto à intenção em promover o bem comum. Nesse
particular, ele se locupletava na ânsia em desmerecer os poderosos. Quanto ao
“errado-certo”, o filósofo alienado, tripudiava citando um “dito” atribuído a
Maquiavel quando: “os fins justificam os meios”. Ou seja, agir de forma
incorreta em busca de resultados benéficos.
Cônscio de que era um mestre do pensamento e, vaidoso de sua
criatividade – que estava mais para maluquice -, o doido circulava pelas ruas
da cidade, todo enfatiotado, entonado num surrado paletó de casimira e sufocado
por uma gravata borboleta, sempre de cara fechada, sem dar muito cartaz aos que
o cumprimentavam e, parecendo alguém preocupado apenas em ensinar, só parava
para conversar em roda de pessoas que se dispusessem a ouvi-lo com atenção e
sem interrompê-lo. Arrogante no seu “saber”, acreditava em seu taco e, tudo o
que dizia era contido de muita convicção arrogante.
Toda a sua cultura era de “ouvir dizer”, nunca havia lido uma
linha sequer do que quer que fosse. Talvez, nem soletrar soubesse, no entanto,
a “verdade” que carregava em si era absoluta, inquestionável e refratária a
quaisquer contestações. Ele tinha certeza de que sabia tudo e, na simploriedade
de suas convicções, tinha a todos como ignorantes, babacas, que de nada sabiam
e que precisavam aprender com ele. Errado ou certo; certo ou errado; aficionado
nesses conceitos malucos, ele achava que, com isso, fazia Escola. Com o tempo,
se tornou uma figura folclórica da cidade e, fazendo jus às suas pregações e às
palavras que usava fora do contexto e que não tinham referência nos
dicionários, recebeu o apelido de “Nation” que para muitos, significava: nada.
Ou, por outra, um móvel-errado!