PARAÍBA DE ONTEM,
EVOCAÇÕES DE HOJE
DORGIVAL TERCEIRO NETO
Esse livro de Dorgival Terceiro Neto, contido de 284 páginas,
editado pela Gráfica Santa Marta, 1999 – João Pessoa/PB, já no início, mais
precisamente na página 87, nos faz ver que Princesa, no contexto do nosso
Estado, desde a fundação da Paraíba (1585), até 1930, foi sempre muito mais
identificada com o vizinho estado de Pernambuco. Nesse capítulo a que alude a
página citada, intitulado: “Primeiro Governador da Paraíba a ir ao Sertão”, a
narrativa do autor mostra que, naquela visita governamental, todas as regiões
do Estado foram contempladas, excetuando-se a região polarizada por Princesa. O
governador era o Dr. Luiz Antônio da Silva Nunes, que percorreu, a cavalo, as
regiões do alto Sertão; das Espinharas; do Vale do Piancó; do Brejo; da
Borborema e da Várzea. Princesa, sequer foi citada. Isso demonstra a pouca
importância do nosso município no contexto do Estado. Afinal, até 1930, tudo em
Princesa, se resolvia através do estado de Pernambuco: educação; comércio;
saúde, etc.
A proposta desse trabalho literário do ex-governador
paraibano, Dorgival Terceiro Neto, é uma revista sobre a Paraíba, desde sua
fundação até a década de 1960. Nesse contexto, como não poderia deixar de ser,
realçam sobremaneira, os fatos de 1930 e, nesse meio, conforme relato do autor,
aflora Princesa como tema principal.
Nas páginas 176/177, Dorgival, em referência à Guerra de
Princesa, discorre sobre o bombardeio que não aconteceu:
“(...) adveio a idéia de aquisição de
um aeroplano para bombardear os cangaceiros, assim chamados pelo Governo os
adeptos do coronel e deputado José Pereira, auto-intitulados defensores de
Princesa. Em meio aos aliados e amigos, estavam proprietários rurais, seus
correligionários políticos, mas havia bandoleiros que se apresentaram para a
luta, não somente egressos de grupos de cangaceiros, como também soldados que
desertavam da Polícia. Eram 2000 voluntários em armas, mantidos pelo chefe
político, rompido com o Governador do Estado. Nos seus domínios, era difícil
penetrar. Um avião a bombardear a área infundiria medo aos rebeldes, que
acabariam se rendendo. O efeito seria psicológico”.
Sobre esse bombardeio, vários autores já dissertaram sobre
isso. Dorgival, porém, o faz de forma bem detalhada. Segundo o autor, o
presidente João Pessoa autorizou a aquisição de um pequeno avião para esse fim.
As negociações foram feitas com o governo do estado de Minas Gerais e, ali,
encontraram um pequeno aparelho, um “flit”. Comprado o avião, o governador mineiro,
Antônio Carlos de Andrada – aliado do presidente paraibano -, mandou para a
Paraíba, junto com o pequeno avião, dois italianos, um piloto, Peroni, em
mecânico, Fossati. Não podendo descer no campo de aviação da Paraíba, porque as
tropas do Exército poderiam apreendê-lo, aterrissou na praia de Jacumã. No
pouso, o aviãozinho teve uma de suas asas danificada pelo esbarramento numa
ribanceira. Desmontado e posto na carroceria de um caminhão, partiu dali para
Campina Grande. Em seguida tomou o rumo de Piancó, no sertão do Estado, onde
estava instalado o estado Maior das Forças Paraibanas. Da narrativa de
Dorgival:
“Em Piancó nunca aparecera um avião.
De toda a parte vinha gente para ver o bicho que voava. Afora a curiosidade
popular, havia a ansiedade do pessoal do Governo pela partida do aparelho para
bombardear as posições inimigas. Foi um fiasco. Quando o ‘flit’ fez carreira e
ia se levantando, arreou de repente e saiu a arrastar-se em direção a uma
cerca, onde ficou enganchado”.
Foram grandes a tristeza e a decepção de todos com o fiasco
do teco-teco. Mesmo assim, João Pessoa não desistiu. O presidente paraibano, no
afã de promover o golpe final nos rebeldes de Princesa, providenciou a compra
de outra aeronave. Desta vez, em São Paulo. Negociou a aquisição de um monomotor
do aviador paulista, Reinaldo Gonçalves. Reinaldo mandou o piloto francês,
Charles Astor, piloto da Força Pública paulista, que veio pilotando o avião que
tinha inscrito em sua lateral, o nome “Garoto”. Entregaria a aeronave em
Piancó. Rumou de São Paulo para o Recife, onde ao avião foi apreendido pela
polícia pernambucana que era adversária do governo da Paraíba. Aproveitando um descuido
dos policiais, Astor escapuliu e voou para Campina Grande e, de lá, para
Piancó. Era o dia 25 de junho de 1930.
Logo após a chegada do “Garoto”, outra tragédia acometeu as
Forças paraibanas. O mecânico italiano, Fossati, aparentemente sadio, de
repente adoeceu e, em poucos dias veio a falecer. Esquecido o luto, com a
chegada do novo avião, a euforia tomou conta de todos. As bombas para
bombardear princesa, foram fabricadas na mata do buraquinho, na capital
paraibana e tinha a cor vermelha, denominadas de “liberais”. Anota o autor da
obra em tela:
“O Garoto ia fazer estragos nas
hostes inimigas. José Américo avisou ao capitão Irineu Rangel, Comandante do
Batalhão Provisório da Polícia, que Princesa iria ser bombardeada. A tropa
policial, onde estivesse, tão logo ouvisse o barulho do avião, deveria estender
lençóis e panos brancos no chão, para evitar que sobre ela fossem lançados
petardos”.
No dia 06 de julho, o monomotor sobrevoou Princesa despejando
panfletos avisando do iminente bombardeio e conclamando a população civil a
convencer os rebelados a se entregarem sob pena de um massacre total. O
bombardeio não veio.
Nas páginas 181/182, Terceiro Neto, discorre sobre a situação
da polícia, na ótica do tenente Agripino Câmara, que escreveu um diário de
guerra, intitulado “Notas do Exílio”. Diferente do contam os revolucionários
vencedores, a polícia de João Pessoa, além das várias deserções – muitas vezes
para o lado dos homens do coronel Zé Pereira -, praticou todo tipo de crime na
tomada de Tavares.
“Como não era militar, mas um
idealista destemido, a serviço da causa que abraçou, o doutor Agripino Câmara descrevia
com realismo os fatos que testemunhava. No dia 30 de março, referindo-se à
tomada de Tavares, depois de 32 horas de tiroteio, concluiu: ‘Seguiu-se o saque
e a destruição de tudo. Os soldados beberam, fumaram, saquearam’. No dia 4 de
abril, anotava ele: ‘Continuam as deserções, havendo verdadeira anarquia no
seio da tropa. Os soldados estão estendendo o saque pelos sítios
circunvizinhos’. No dia 9 de abril, escrevia: ‘Ouvimos o tiroteio do inimigo e
respondemos com a nossa bateria de latas velhas, chocalhos, gritos e pilhérias.
Tavares está transformada numa verdadeira praça forte. A nossa munição não é
muita, regulando uma média de 70 cartuchos para cada homem, mas também ninguém
atira sem ser de frente. Continuam as descomposturas, gritos e pilhérias’”.
Quanto ao relacionamento de José Pereira com Lampião, o que
sempre causou questionamento polêmico, na página 245, Dorgival anota:
“Em 1928, Capitão Irineu Rangel
escolheu sessenta soldados e encaminhou-os a Princesa para a formação de duas
volantes que iriam perseguir Lampeão, contando com a ajuda de homens do coronel
Zé Pereira, o chefe político de Princesa, que não dava cobertura ao facínora,
mas não o hostilizava. No entanto, depois do ataque do bando à cidade de Sousa,
passou a combatê-lo para evitar que voltasse a saquear nos sertões da Paraíba”.
Encerrando esta resenha, registramos a importância dessa obra
que evoca fatos históricos importantes da Paraíba. Aqui, ativemo-nos apenas ao
que se refere a Princesa, porém, ao longo de suas 284 páginas, quase tudo é
abordado, de forma concisa, mas abrangente para que tenhamos algum conhecimento
histórico.
Dorgival Terceiro Neto, nasceu em Taperoá/PB em 12 de
setembro de 1932, era filho de Melquíades Vilar e de dona Eliza Vilar.
Político, advogado e escritor. Foi Procurador do Estado da Paraíba; prefeito da
Capital (1971/74); vice-governador do Estado (1975/78) e governador da Paraíba
(1978/79). Foi membro da Academia Paraibana de Letras. Faleceu aos 80 anos de
idade em 12 de abril de 2013.
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