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segunda-feira, 23 de agosto de 2021

LER PARA CONHECER A NOSSA HISTÓRIA

PARAÍBA DE ONTEM, EVOCAÇÕES DE HOJE

DORGIVAL TERCEIRO NETO

Esse livro de Dorgival Terceiro Neto, contido de 284 páginas, editado pela Gráfica Santa Marta, 1999 – João Pessoa/PB, já no início, mais precisamente na página 87, nos faz ver que Princesa, no contexto do nosso Estado, desde a fundação da Paraíba (1585), até 1930, foi sempre muito mais identificada com o vizinho estado de Pernambuco. Nesse capítulo a que alude a página citada, intitulado: “Primeiro Governador da Paraíba a ir ao Sertão”, a narrativa do autor mostra que, naquela visita governamental, todas as regiões do Estado foram contempladas, excetuando-se a região polarizada por Princesa. O governador era o Dr. Luiz Antônio da Silva Nunes, que percorreu, a cavalo, as regiões do alto Sertão; das Espinharas; do Vale do Piancó; do Brejo; da Borborema e da Várzea. Princesa, sequer foi citada. Isso demonstra a pouca importância do nosso município no contexto do Estado. Afinal, até 1930, tudo em Princesa, se resolvia através do estado de Pernambuco: educação; comércio; saúde, etc.

A proposta desse trabalho literário do ex-governador paraibano, Dorgival Terceiro Neto, é uma revista sobre a Paraíba, desde sua fundação até a década de 1960. Nesse contexto, como não poderia deixar de ser, realçam sobremaneira, os fatos de 1930 e, nesse meio, conforme relato do autor, aflora Princesa como tema principal.

Nas páginas 176/177, Dorgival, em referência à Guerra de Princesa, discorre sobre o bombardeio que não aconteceu:

“(...) adveio a idéia de aquisição de um aeroplano para bombardear os cangaceiros, assim chamados pelo Governo os adeptos do coronel e deputado José Pereira, auto-intitulados defensores de Princesa. Em meio aos aliados e amigos, estavam proprietários rurais, seus correligionários políticos, mas havia bandoleiros que se apresentaram para a luta, não somente egressos de grupos de cangaceiros, como também soldados que desertavam da Polícia. Eram 2000 voluntários em armas, mantidos pelo chefe político, rompido com o Governador do Estado. Nos seus domínios, era difícil penetrar. Um avião a bombardear a área infundiria medo aos rebeldes, que acabariam se rendendo. O efeito seria psicológico”.

Sobre esse bombardeio, vários autores já dissertaram sobre isso. Dorgival, porém, o faz de forma bem detalhada. Segundo o autor, o presidente João Pessoa autorizou a aquisição de um pequeno avião para esse fim. As negociações foram feitas com o governo do estado de Minas Gerais e, ali, encontraram um pequeno aparelho, um “flit”. Comprado o avião, o governador mineiro, Antônio Carlos de Andrada – aliado do presidente paraibano -, mandou para a Paraíba, junto com o pequeno avião, dois italianos, um piloto, Peroni, em mecânico, Fossati. Não podendo descer no campo de aviação da Paraíba, porque as tropas do Exército poderiam apreendê-lo, aterrissou na praia de Jacumã. No pouso, o aviãozinho teve uma de suas asas danificada pelo esbarramento numa ribanceira. Desmontado e posto na carroceria de um caminhão, partiu dali para Campina Grande. Em seguida tomou o rumo de Piancó, no sertão do Estado, onde estava instalado o estado Maior das Forças Paraibanas. Da narrativa de Dorgival:

“Em Piancó nunca aparecera um avião. De toda a parte vinha gente para ver o bicho que voava. Afora a curiosidade popular, havia a ansiedade do pessoal do Governo pela partida do aparelho para bombardear as posições inimigas. Foi um fiasco. Quando o ‘flit’ fez carreira e ia se levantando, arreou de repente e saiu a arrastar-se em direção a uma cerca, onde ficou enganchado”.

Foram grandes a tristeza e a decepção de todos com o fiasco do teco-teco. Mesmo assim, João Pessoa não desistiu. O presidente paraibano, no afã de promover o golpe final nos rebeldes de Princesa, providenciou a compra de outra aeronave. Desta vez, em São Paulo. Negociou a aquisição de um monomotor do aviador paulista, Reinaldo Gonçalves. Reinaldo mandou o piloto francês, Charles Astor, piloto da Força Pública paulista, que veio pilotando o avião que tinha inscrito em sua lateral, o nome “Garoto”. Entregaria a aeronave em Piancó. Rumou de São Paulo para o Recife, onde ao avião foi apreendido pela polícia pernambucana que era adversária do governo da Paraíba. Aproveitando um descuido dos policiais, Astor escapuliu e voou para Campina Grande e, de lá, para Piancó. Era o dia 25 de junho de 1930.

Logo após a chegada do “Garoto”, outra tragédia acometeu as Forças paraibanas. O mecânico italiano, Fossati, aparentemente sadio, de repente adoeceu e, em poucos dias veio a falecer. Esquecido o luto, com a chegada do novo avião, a euforia tomou conta de todos. As bombas para bombardear princesa, foram fabricadas na mata do buraquinho, na capital paraibana e tinha a cor vermelha, denominadas de “liberais”. Anota o autor da obra em tela:

“O Garoto ia fazer estragos nas hostes inimigas. José Américo avisou ao capitão Irineu Rangel, Comandante do Batalhão Provisório da Polícia, que Princesa iria ser bombardeada. A tropa policial, onde estivesse, tão logo ouvisse o barulho do avião, deveria estender lençóis e panos brancos no chão, para evitar que sobre ela fossem lançados petardos”.

No dia 06 de julho, o monomotor sobrevoou Princesa despejando panfletos avisando do iminente bombardeio e conclamando a população civil a convencer os rebelados a se entregarem sob pena de um massacre total. O bombardeio não veio.

Nas páginas 181/182, Terceiro Neto, discorre sobre a situação da polícia, na ótica do tenente Agripino Câmara, que escreveu um diário de guerra, intitulado “Notas do Exílio”. Diferente do contam os revolucionários vencedores, a polícia de João Pessoa, além das várias deserções – muitas vezes para o lado dos homens do coronel Zé Pereira -, praticou todo tipo de crime na tomada de Tavares.

“Como não era militar, mas um idealista destemido, a serviço da causa que abraçou, o doutor Agripino Câmara descrevia com realismo os fatos que testemunhava. No dia 30 de março, referindo-se à tomada de Tavares, depois de 32 horas de tiroteio, concluiu: ‘Seguiu-se o saque e a destruição de tudo. Os soldados beberam, fumaram, saquearam’. No dia 4 de abril, anotava ele: ‘Continuam as deserções, havendo verdadeira anarquia no seio da tropa. Os soldados estão estendendo o saque pelos sítios circunvizinhos’. No dia 9 de abril, escrevia: ‘Ouvimos o tiroteio do inimigo e respondemos com a nossa bateria de latas velhas, chocalhos, gritos e pilhérias. Tavares está transformada numa verdadeira praça forte. A nossa munição não é muita, regulando uma média de 70 cartuchos para cada homem, mas também ninguém atira sem ser de frente. Continuam as descomposturas, gritos e pilhérias’”.

Quanto ao relacionamento de José Pereira com Lampião, o que sempre causou questionamento polêmico, na página 245, Dorgival anota:

“Em 1928, Capitão Irineu Rangel escolheu sessenta soldados e encaminhou-os a Princesa para a formação de duas volantes que iriam perseguir Lampeão, contando com a ajuda de homens do coronel Zé Pereira, o chefe político de Princesa, que não dava cobertura ao facínora, mas não o hostilizava. No entanto, depois do ataque do bando à cidade de Sousa, passou a combatê-lo para evitar que voltasse a saquear nos sertões da Paraíba”.

Encerrando esta resenha, registramos a importância dessa obra que evoca fatos históricos importantes da Paraíba. Aqui, ativemo-nos apenas ao que se refere a Princesa, porém, ao longo de suas 284 páginas, quase tudo é abordado, de forma concisa, mas abrangente para que tenhamos algum conhecimento histórico.

Dorgival Terceiro Neto, nasceu em Taperoá/PB em 12 de setembro de 1932, era filho de Melquíades Vilar e de dona Eliza Vilar. Político, advogado e escritor. Foi Procurador do Estado da Paraíba; prefeito da Capital (1971/74); vice-governador do Estado (1975/78) e governador da Paraíba (1978/79). Foi membro da Academia Paraibana de Letras. Faleceu aos 80 anos de idade em 12 de abril de 2013.



 

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