quarta-feira, 10 de novembro de 2021

Crônicas sobre a velha Princesa de antanho

A serpente de Antônio Nunes

Desde criança eu escuto essa estória. Dada a sua contemporaneidade, chamo-a de uma lenda viva. Lembro-me, que da boca dos mais velhos – alguns proferindo com muita convicção -, escutava sobre a existência de uma serpente (grande cobra) que existia no açude Macapá, mais conhecido como “Açude Novo”. Nada de anormal a existência de répteis em reservatórios de água. Essa cobra, porém, é diferente. Tem uma história bastante peculiar e sempre foi motivo de comentários hilários nas rodas de conversas em Princesa. O “Açude Novo” – como todo princesense sabe -, dá com suas margens para a velha Rua da Lapa, onde se estabelecia o antigo Cabaré de Princesa.

Conta-se, que nos idos da década de 1950, uma jovem rapariga chamada Luísa - a quem se referiam como “Luisinha” -, que fazia ponto no prostíbulo comandado por Estrela de Pedro Caboclo (o velho Cabaré), após ser expulsa de casa por haver sido deflorada sem se casar, quando contava apenas 16 anos de idade, teve um idílio amoroso com um alto comerciante da cidade e, desse libidinoso romance, nasceu uma criança que não poderia nem deveria ser do conhecimento da sociedade. Ao nascer, a criança, por determinação do poderoso e também pecador, pai do menino, a prostituta lançou vivo, o rebento, logo ao nascer, nas águas do Açude Novo.

A partir daí, começa a lenda. No dia seguinte a esse hediondo crime, a jovem meretriz, ainda adolescente, arrependeu-se terrivelmente do feito criminoso e vivia pelos cantos a chorar. Não suportando mais esse tormento, botou um véu na cabeça e foi para a igreja, em busca de perdão, confessar ao padre o seu crime. Contritamente ajoelhada ao confessionário, aos prantos, relatou toda a macabra história ao cura. Era frei Clemente. Um alemão que lutara na II Guerra Mundial ao lado dos nazistas e tido como detentor de um temperamento que era a antítese de seu nome.

Ao fim do triste relato da desventurada quenga, o padre - ao invés da imposição de uma rigorosa penitência à pobre rapariga, com o intuito de reparar sua culpa -, aos gritos e de forma quase ininteligível em seu português mal falado e de sotaque esquisito, disparou sua sentença: “Maldita! Hás de queimar no fogo do inferno por esse grande pecado! E tua cria, se transformará numa serpente! Em face dessa “praga” do inclemente sacerdote, a desvalida jovem saiu da casa de Deus desesperada e, chegando de volta ao Cabaré, trancou-se num quarto, e dali só saiu morta quando se enforcou com o punho de sua rede de dormir.

Após a sentença da Santa Madre Igreja, castigando o “livre arbítrio” da desditosa prostituta, que foi enterrada em cova rasa, sem extrema-unção, tampouco missa – o que não era permitido, pela Igreja Católica, aos suicidas pobres -, o caso ganhou a rua e todos passaram a acreditar nessa serpente moradora do “Açude Novo”.

Incorporando para si a lenda - Antônio Nunes, um marceneiro que morava próximo ao Bairro do Cruzeiro e que gostava de no açude de pescar, nas horas vagas, afirmava ser ele o único que “viu” a enorme cobra a serpentear naquelas águas. Antônio Nunes, era um homem pacato, pertencente a uma família de carpinteiros (dois de seus irmãos também trabalhavam a madeira: Silvino e João) e gostava de contar estórias mirabolantes. Ao saber da tragédia da jovem meretriz, Nunes viu aí um caldo de cultura que iluminou sua criativa imaginação e passou a relatar seus constantes contatos – durante suas pescarias -, com a famigerada serpente. Chegou ao ponto de afirmar que, certa vez, foi por ela [a serpente], levemente picado e, por isso, passou o resto da vida mancando de uma perna. Ainda hoje, há quem afirme sobre a existência dessa maldita serpente, o nosso “Leviatã” com cara de menino que, a exemplo do monstro do Loch Ness, reina até hoje impávida nas águas daquele quase centenário reservatório de água. Essa estória é conhecida em Princesa como: A Serpente de Antônio Nunes.




Um comentário:

  1. Completando sua narrativa, uma vez ele mesmo me mostrou uma lesão no tendão do tornozelo direito e me falou que tinha sido um ataque dessa serpente, mas depois eu ouvi de fonte segura que Sebastião Medeiros mandou cortar uma cerca de aveloz que tinha ao lado desse local onde Seo Antônio contou que foi atacado e um certo dia ele tinha tomado umas pingas e foi tomar banho, quando o mesmo pulou enroscou o pé em uma forquilha de do aveloz e na tentativa de se soltar, tentava tirar com a mão, como a casca da madeira estava em estado decomposição, estava muito lisa, aí veio no pensamento dele que seria a cobra, e de tanto ele puxar o pé provocou uma lesão no tendão do tornozelo. Aí uma outra parte da estória contada por ele.

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