quarta-feira, 21 de setembro de 2022

EU E AS CRIANÇAS

                

  Quando me vi no espelho percebi que meus cabelos estavam grisalhos. Como se isso tivesse ocorrido no intervalo da noite com o dia. Os meus filhos já têm seus próprios filhos. E eu fui me lembrar de quantos cachorros morreram de velhice em minha casa e no percurso de minha vida. Fiz uma soma de chegada da média da vida dos cães e deduzi da minha própria vida. 

Realmente, por mais que me sinta útil, querido por muitos e odiados por poucos, o meu futuro está exatamente em cada manhã de minha vida e naquele dia que terei de viver. O resto...Bem, se houver resto estarei pronto a vivê-lo com a mesma intensidade com que vivo o instante do presente, livre de perspectivas, e de planos que vão além do grisalho dos meus cabelos. 

Os nossos cabelos grisalhos são a prova mais evidente de que vivemos, de que fizemos parte do mundo, mas, eles também avisam que o trem da viagem sem volta tem uma imensa preferência por nós, os grisalhos. Nós somos os seus passageiros preferidos, deduzidas as exceções. E aí, pensando no trem, resolvi pacificar as minhas angústias, sendo um pouco mais condescendente comigo mesmo e relativizar aquilo que, em minha juventude, chamava de erro. 

Estou muito mais interessado nas conversas e confidências de minhas crianças. Com os meus pequenos sinto-me desprovido de censuras e sem medo de errar, sabendo que eles terão para comigo sempre a mesma sentença do perdão. Fiquei mais compreensivo, menos irritado e sabedor de que os meus grandes problemas do passado não passavam de meros fatos que facilmente se resolveriam com o decurso do tempo. 

Agora não sofro mais por mim. Penso apenas nos meus queridos que ficarão e notarão que os deixei. Mas eles também compreenderão que, se para mim fosse capaz prorrogar a vida até os limites da eternidade,  facilmente eu o faria. A vida é rápida demais para que possamos levá-la tão a sério. Ela não merece esse carma. 

Nós não o merecemos. Amanhã será outro dia. Chame a sua criança, seu filho ou neto, seja guiado por ele, quem sabe que a criança, que se encontra latente em você, não possa despertá-lo para a vida  e fazê-lo esquecer que nascemos exatamente com prazo de validade curto como a duração de um raio nervoso? 

Esqueça o futuro, ele de fato jamais existiu e nunca foi além de uma mera abstração. Seja como as crianças, os únicos seres que compreenderam a verdadeira essência da vida. Tanto é que só vivem, só reconhecem e só estão no momento presente. O resto não passa de conversa de adultos. 

Wellington Marques Lima




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