Por Domingos Sávio
Maximiano Roberto
A dança fatal
Zé Carneiro era um senhor de seus 60 anos de idade, já
aposentado como agricultor, branco, de baixa estatura e dono de grande presença
de espírito, um verdadeiro gozador quando de tudo fazia piadas e troçava com a
cara de todo mundo. Casado, em segundas núpcias, com Tertuliana a quem chamavam
de “Tertú”, uma morena mais nova do que ele cerca de 20 anos, mulher discreta,
do lar. Moravam em Princesa. Com Tertú, Carneiro tinha três filhas a quem deu
os nomes em homenagem à Virgem Maria: Maria das Graças, Maria de Lourdes e
Maria de Fátima. As meninas, bem criadas, eram estudiosas e muito bem
comportadas. Apenas, Fátima, fugia um pouco à regra; puxou do pai a graça da
espirituosidade. Era encartada e, ao mesmo tempo, sonsa.
Ávido em ver as filhas formadas, Zé Carneiro, logo que elas
terminaram o curso ginasial, as encaminhou para estudarem na cidade
pernambucana de Pesqueira, onde vivia uma sua irmã solteirona, chamada Alexandrina.
Ali, as meninas fizeram o curso científico e, depois, foram estudar no Recife
onde o pai alugou um pequeno apartamento. Para acompanhá-las, Tertú ia sempre à
capital pernambucana. Já o marido, raramente as visitava. Maria das Graças, fez
vestibular e passou para o curso de Enfermagem; Maria de Lourdes optou por
Ciências Contábeis e, Maria de Fátima, resolveu fazer Direito. Carneiro
exultava com isso quando dizia a todos que suas filhas, em breve, seriam
doutoras.
As meninas voltavam para Princesa nas férias do meio do ano e
em dezembro. Nessas ocasiões, passavam a maior parte do tempo em casa,
denotando um comportamento exemplar. Carneiro e Tertú, não tinham conhecimento
de que alguma delas tivesse sequer um namorado. Para eles, elas viviam para
estudar. Mesmo Fátima, que era mais avoada, não demonstrava interesse por
rapazes e dizia sempre: “Só vou namorar quando terminar os meus estudos”.
Carneiro se comprazia com isso, usando sempre essa situação para meter o pau
nas filhas dos outros. Não perdia oportunidade em comparar as suas com as
filhas alheias. Era sempre o primeiro a comentar quando acontecia algum caso de
defloramento ou de moça buchuda sem casar.
Zé Carneiro tinha um compadre a quem devotava muita estima.
Era Expedito, um barbeiro de reconhecida experiência profissional e que se auto
intitulava de “navalha de ouro”. O compadre tinha seu ponto vizinho à casa de
Carneiro. Viviam a conversar sobre tudo, mas eram especialistas em vida alheia.
Expedito era um “rapaz velho”, sem filhos e aficionado em assuntos que
versassem sobre sexo. Seus clientes o censuravam dizendo, a boca pequena, que o
solteirão era mesmo um degenerado e que não podia ver uma moça de saia curta
que ficava extasiado, mal disfarçando seu insistente olhar. Na rua, se
comentava que o barbeiro era um punheteiro juramentado. Em face desses
comentários Zé Carneiro já havia até admoestado Expedito quanto às suas filhas,
no que o compadre sempre respeitou.
Certo dia, Expedito sentiu um mal-estar repentino, com dores
nas costas e um cansaço insistente. Foi ao médico, doutor Zezito Sérgio, e este
recomendou que fizesse exames urgentes, pois achava que era algo relacionado ao
coração. Naquele tempo a medicina, em Princesa, era incipiente e qualquer tipo
de procedimento mais acurado teria de ser feito nas grandes cidades. Preocupado
com a doença do amigo, Zé Carneiro se ofereceu para acompanhá-lo ao Recife,
oferecendo-lhe como arrancho o apartamento de suas filhas. Inicialmente, o
barbeiro recusou, mas, diante das insistentes dores e do cansaço que muito o
incomodava, resolveu aceitar a proposta do amigo, recolheu suas economias e
partiram, os dois, no ônibus da Realeza, para a capital pernambucana.
Chegados ao Recife, os exames de Expedito já estavam marcados
pelas filhas de Carneiro. Após os procedimentos laboratoriais, o barbeiro já
começou a se sentir melhor. Foi a um médico cardiologista que lhe receitou
alguns remédios e logo apresentou substanciais melhoras. Aproveitou a estada
naquela cidade para percorrer o comércio e comprar alguns apetrechos de que
necessitava em seu ofício; foi à praia, onde se deliciou vendo mulheres de biquíni
– algo que nunca tinha visto; visitou algumas igrejas antigas e até tomou
algumas cervejas na companhia do compadre. Na véspera de retornarem a Princesa,
Expedito fez uma proposta a Zé Carneiro: “Compadre, vamos visitar um cabaré?”
O marido de Tertú não se fez de rogado nem pensou duas vezes
e aceitou o convite. Para tanto, resolveram sair cedo da noite em busca do
prazer. Para justificar às filhas sua saída àquelas horas, Carneiro informou
que iria dar um passeio na orla marítima e que voltaria cedo. As meninas
estudavam à noite e só voltavam tarde. Deixaram a chave do apartamento com a
vizinha para quem chegasse primeiro. Na rua, Expedito e Carneiro tomaram um
táxi e pediram ao motorista que os levasse ao cabaré mais bacana do Recife.
Dinheiro não era problema. Depois de quinze minutos de viagem, o táxi parou em
frente a um prédio, todo iluminado, com uma placa, também luminosa, com a inscrição:
“Café Concerto”, ao que o barbeiro perguntou ao taxista: “Mas, isso aqui é um
cabaré?” “Muito mais do que isso, senhor. Aí vocês vão encontrar tudo o que
querem”, respondeu, rindo, o motorista. Extasiado, Expedito pensou: “Hoje, eu
faço cabelo, barba e bigode!”
Adentraram ao local e, já no saguão da Casa de Diversões,
ficaram deslumbrados com o ambiente de luzes; subiram os degraus que davam para
o andar de cima e se depararam com um grande salão onde já foram vendo mulheres
seminuas e perfumadas, mesas bem forradas e, ao fundo, um grande palco onde,
imaginaram deveria acontecer a apresentação de danças com mulheres nuas.
Escolheram uma mesa a meia distância do palco, sentaram-se, e logo um garçom,
muito solícito, lhes entregou um papel contido dos itens servidos por aquela
Casa. Pediram uísque e alguns petiscos ao mesmo tempo em que o barbeiro
perguntou ao garçom: “Que horas começa a festa?” O rapaz riu e disse: “Dentro
de meia hora”. Ficaram os dois a conversar, matando o tempo, quando se
aproximaram duas moças e perguntaram se podiam sentar à mesa deles. Zé Carneiro
anuiu com a cabeça e, Expedito já foi perguntando o que elas desejavam beber.
As duas indicaram suas preferências no que logo, o garçom, lhes serviu.
Tomadas quatro doses de uísque e em animada conversa com as
raparigas, os dois homens viram abrirem-se as cortinas do palco. No centro
daquele tablado, ao lado de um polidance – uma barra vertical onde as
dançarinas faziam suas ginásticas -, um homem vestido num fraque e com o
pescoço envolvido por uma gravata borboleta, de microfone à mão, anunciou: “Distinto
público, boa noite! A partir de agora, teremos o maior espetáculo de
sensualidade, apresentado por nossas vedetes, uma especialidade do ‘Café
Concerto’. Fiquem à vontade e bom proveito!” Sob aplausos, o apresentador se
retirou e logo entraram duas moças em trajes menores, ao som de contagiante
música e envoltas em uma fumaça densa, começaram a dançar e a subir no
polidance em piruetas perfeitas, as mais sensuais possíveis. Após a dança, para
deleite de todos, as quengas começaram a tirar as exíguas peças de roupas que
jogavam sobre as mesas dos clientes. Uma dessas peças, um “cordão cheiroso” foi
parar na mesa dos princesenses. Mais que depressa o barbeiro guardou-a num dos
bolsos de suas calças, o que, certamente, lhe seria de grande e prazerosa
serventia quando retornasse a Princesa.
Essa foi apenas a apresentação inicial. Em seguida, entrou no
palco mais uma moça com apenas um tampão no órgão sexual e, em rebolado frenético,
logo subiu no polidance como se fora num trapézio, a fazer malabarismo com o corpo
nu em evoluções que arrancavam gritos, palmas e assovios dos circunstantes. Era
intensa a fumaça que envolvia a vedete. Mesmo assim, excelente observador que
era, Expedito bateu no ombro de Carneiro e disse: “Compadre, repara uma coisa: tu
tás conhecendo essa moça?” Zé Carneiro pôs acuidade no olhar, observou por
alguns segundos e, pasmo, virou-se para Expedito e disse: “É Fátima minha!” E,
num impulso partiu para o palco, no que foi contido pelos seguranças. Diante do
tumulto que se instalou, a vedete viu de quem se tratava e correu em disparada
saindo do palco e adentrando ao camarim. Acabrunhado pelo acontecido e amparado
pelo compadre, Zé Carneiro deixou o local e foi direto para a rodoviária
esperar a realeza que partiria logo cedo para Princesa. Para o marido de Tertú,
essa foi a dança fatal!
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