ODE

domingo, 31 de dezembro de 2023

Domingo eu conto

Por Domingos Sávio Maximiano Roberto

A dança fatal 

Zé Carneiro era um senhor de seus 60 anos de idade, já aposentado como agricultor, branco, de baixa estatura e dono de grande presença de espírito, um verdadeiro gozador quando de tudo fazia piadas e troçava com a cara de todo mundo. Casado, em segundas núpcias, com Tertuliana a quem chamavam de “Tertú”, uma morena mais nova do que ele cerca de 20 anos, mulher discreta, do lar. Moravam em Princesa. Com Tertú, Carneiro tinha três filhas a quem deu os nomes em homenagem à Virgem Maria: Maria das Graças, Maria de Lourdes e Maria de Fátima. As meninas, bem criadas, eram estudiosas e muito bem comportadas. Apenas, Fátima, fugia um pouco à regra; puxou do pai a graça da espirituosidade. Era encartada e, ao mesmo tempo, sonsa.

Ávido em ver as filhas formadas, Zé Carneiro, logo que elas terminaram o curso ginasial, as encaminhou para estudarem na cidade pernambucana de Pesqueira, onde vivia uma sua irmã solteirona, chamada Alexandrina. Ali, as meninas fizeram o curso científico e, depois, foram estudar no Recife onde o pai alugou um pequeno apartamento. Para acompanhá-las, Tertú ia sempre à capital pernambucana. Já o marido, raramente as visitava. Maria das Graças, fez vestibular e passou para o curso de Enfermagem; Maria de Lourdes optou por Ciências Contábeis e, Maria de Fátima, resolveu fazer Direito. Carneiro exultava com isso quando dizia a todos que suas filhas, em breve, seriam doutoras.

As meninas voltavam para Princesa nas férias do meio do ano e em dezembro. Nessas ocasiões, passavam a maior parte do tempo em casa, denotando um comportamento exemplar. Carneiro e Tertú, não tinham conhecimento de que alguma delas tivesse sequer um namorado. Para eles, elas viviam para estudar. Mesmo Fátima, que era mais avoada, não demonstrava interesse por rapazes e dizia sempre: “Só vou namorar quando terminar os meus estudos”. Carneiro se comprazia com isso, usando sempre essa situação para meter o pau nas filhas dos outros. Não perdia oportunidade em comparar as suas com as filhas alheias. Era sempre o primeiro a comentar quando acontecia algum caso de defloramento ou de moça buchuda sem casar.

Zé Carneiro tinha um compadre a quem devotava muita estima. Era Expedito, um barbeiro de reconhecida experiência profissional e que se auto intitulava de “navalha de ouro”. O compadre tinha seu ponto vizinho à casa de Carneiro. Viviam a conversar sobre tudo, mas eram especialistas em vida alheia. Expedito era um “rapaz velho”, sem filhos e aficionado em assuntos que versassem sobre sexo. Seus clientes o censuravam dizendo, a boca pequena, que o solteirão era mesmo um degenerado e que não podia ver uma moça de saia curta que ficava extasiado, mal disfarçando seu insistente olhar. Na rua, se comentava que o barbeiro era um punheteiro juramentado. Em face desses comentários Zé Carneiro já havia até admoestado Expedito quanto às suas filhas, no que o compadre sempre respeitou.

Certo dia, Expedito sentiu um mal-estar repentino, com dores nas costas e um cansaço insistente. Foi ao médico, doutor Zezito Sérgio, e este recomendou que fizesse exames urgentes, pois achava que era algo relacionado ao coração. Naquele tempo a medicina, em Princesa, era incipiente e qualquer tipo de procedimento mais acurado teria de ser feito nas grandes cidades. Preocupado com a doença do amigo, Zé Carneiro se ofereceu para acompanhá-lo ao Recife, oferecendo-lhe como arrancho o apartamento de suas filhas. Inicialmente, o barbeiro recusou, mas, diante das insistentes dores e do cansaço que muito o incomodava, resolveu aceitar a proposta do amigo, recolheu suas economias e partiram, os dois, no ônibus da Realeza, para a capital pernambucana.

Chegados ao Recife, os exames de Expedito já estavam marcados pelas filhas de Carneiro. Após os procedimentos laboratoriais, o barbeiro já começou a se sentir melhor. Foi a um médico cardiologista que lhe receitou alguns remédios e logo apresentou substanciais melhoras. Aproveitou a estada naquela cidade para percorrer o comércio e comprar alguns apetrechos de que necessitava em seu ofício; foi à praia, onde se deliciou vendo mulheres de biquíni – algo que nunca tinha visto; visitou algumas igrejas antigas e até tomou algumas cervejas na companhia do compadre. Na véspera de retornarem a Princesa, Expedito fez uma proposta a Zé Carneiro: “Compadre, vamos visitar um cabaré?”

O marido de Tertú não se fez de rogado nem pensou duas vezes e aceitou o convite. Para tanto, resolveram sair cedo da noite em busca do prazer. Para justificar às filhas sua saída àquelas horas, Carneiro informou que iria dar um passeio na orla marítima e que voltaria cedo. As meninas estudavam à noite e só voltavam tarde. Deixaram a chave do apartamento com a vizinha para quem chegasse primeiro. Na rua, Expedito e Carneiro tomaram um táxi e pediram ao motorista que os levasse ao cabaré mais bacana do Recife. Dinheiro não era problema. Depois de quinze minutos de viagem, o táxi parou em frente a um prédio, todo iluminado, com uma placa, também luminosa, com a inscrição: “Café Concerto”, ao que o barbeiro perguntou ao taxista: “Mas, isso aqui é um cabaré?” “Muito mais do que isso, senhor. Aí vocês vão encontrar tudo o que querem”, respondeu, rindo, o motorista. Extasiado, Expedito pensou: “Hoje, eu faço cabelo, barba e bigode!”

Adentraram ao local e, já no saguão da Casa de Diversões, ficaram deslumbrados com o ambiente de luzes; subiram os degraus que davam para o andar de cima e se depararam com um grande salão onde já foram vendo mulheres seminuas e perfumadas, mesas bem forradas e, ao fundo, um grande palco onde, imaginaram deveria acontecer a apresentação de danças com mulheres nuas. Escolheram uma mesa a meia distância do palco, sentaram-se, e logo um garçom, muito solícito, lhes entregou um papel contido dos itens servidos por aquela Casa. Pediram uísque e alguns petiscos ao mesmo tempo em que o barbeiro perguntou ao garçom: “Que horas começa a festa?” O rapaz riu e disse: “Dentro de meia hora”. Ficaram os dois a conversar, matando o tempo, quando se aproximaram duas moças e perguntaram se podiam sentar à mesa deles. Zé Carneiro anuiu com a cabeça e, Expedito já foi perguntando o que elas desejavam beber. As duas indicaram suas preferências no que logo, o garçom, lhes serviu.

Tomadas quatro doses de uísque e em animada conversa com as raparigas, os dois homens viram abrirem-se as cortinas do palco. No centro daquele tablado, ao lado de um polidance – uma barra vertical onde as dançarinas faziam suas ginásticas -, um homem vestido num fraque e com o pescoço envolvido por uma gravata borboleta, de microfone à mão, anunciou: “Distinto público, boa noite! A partir de agora, teremos o maior espetáculo de sensualidade, apresentado por nossas vedetes, uma especialidade do ‘Café Concerto’. Fiquem à vontade e bom proveito!” Sob aplausos, o apresentador se retirou e logo entraram duas moças em trajes menores, ao som de contagiante música e envoltas em uma fumaça densa, começaram a dançar e a subir no polidance em piruetas perfeitas, as mais sensuais possíveis. Após a dança, para deleite de todos, as quengas começaram a tirar as exíguas peças de roupas que jogavam sobre as mesas dos clientes. Uma dessas peças, um “cordão cheiroso” foi parar na mesa dos princesenses. Mais que depressa o barbeiro guardou-a num dos bolsos de suas calças, o que, certamente, lhe seria de grande e prazerosa serventia quando retornasse a Princesa.

Essa foi apenas a apresentação inicial. Em seguida, entrou no palco mais uma moça com apenas um tampão no órgão sexual e, em rebolado frenético, logo subiu no polidance como se fora num trapézio, a fazer malabarismo com o corpo nu em evoluções que arrancavam gritos, palmas e assovios dos circunstantes. Era intensa a fumaça que envolvia a vedete. Mesmo assim, excelente observador que era, Expedito bateu no ombro de Carneiro e disse: “Compadre, repara uma coisa: tu tás conhecendo essa moça?” Zé Carneiro pôs acuidade no olhar, observou por alguns segundos e, pasmo, virou-se para Expedito e disse: “É Fátima minha!” E, num impulso partiu para o palco, no que foi contido pelos seguranças. Diante do tumulto que se instalou, a vedete viu de quem se tratava e correu em disparada saindo do palco e adentrando ao camarim. Acabrunhado pelo acontecido e amparado pelo compadre, Zé Carneiro deixou o local e foi direto para a rodoviária esperar a realeza que partiria logo cedo para Princesa. Para o marido de Tertú, essa foi a dança fatal!



   

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário