Por Domingos Sávio
Maximiano Roberto
A Pousada e as Freiras
A pousada “Neves do Campo” era um estabelecimento rural de
hospedaria que distava cerca de 5 quilômetros da cidade de Princesa e pertencia
a Antônio de Júlia - numa referência à sua mãe - um pardo solteirão de média
estatura, magro, com seus 50 anos de idade, uma figura folclórica por seu bom
humor e espírito provocador do riso. O lugar, rodeado de árvores frondosas, a
maioria fruteiras, com jardins bem cuidados, era um ambiente bucólico e muito
aprazível. A pousada, famosa em toda a região, se destacava tanto pelas belezas
naturais quanto por sua culinária, conforto e, principalmente pela discrição
que oferecia.
Para atrair clientela o dono da pousada botou propaganda no
rádio e distribuiu anúncios por todas as margens das estradas que ligavam
Princesa à região, inclusive na parte fronteiriça ao vizinho estado de
Pernambuco. Era uma profusão de placas indicativas de que a tantos quilômetros
estava localizada a pousada “Neves do Campo”. Esse nome era inspirado na
paisagem que se descortinava na época do frio quando, motivada pela altitude, a
cerração das manhãs geladas dava a impressão de que estava nevando.
O ambiente era híbrido, um misto de hotel fazenda e motel.
Para quem chegava, do lado esquerdo estava o bar e o restaurante e, à direita, alguns
apartamentos. Eram ambientes distintos, separados, o que proporcionava o
impedimento de mistura quanto às suas atividades. No prédio que abrigava o
restaurante, havia apartamentos também, mas estes para receber hóspedes
normais. Os quartos que ficavam à direita do prédio principal, abrigavam
aqueles que para ali acorriam em busca da prática do amor furtivo. Era o motel.
Do lado esquerdo, tudo funcionava como um hotel normal, com
serviço de bar e restaurante e apartamentos para hospedar famílias, com conforto
e tudo primando pelo maior respeito. Os que se hospedavam do lado esquerdo da
pousada não tinham contato algum com os hóspedes ocasionais, aqueles que do
lado direito da casa, iam desfrutar as delícias do amor proibido. Tudo era
separado, não existiam farras, e os que iam se divertir levavam seus
brinquedos. Ali não havia exaltação à luxúria.
Atraídas pela difusa propaganda, certo dia, apareceram três
freiras advindas da cidade de Salgueiro no vizinho estado de Pernambuco para se
hospedarem na pousada de Antônio de Júlia. Ao receber as religiosas, o albergueiro
pensou que as freiras ali chegaram para passar um ou dois dias desfrutando da
paz que o lugar oferecia. Ao registrarem suas presenças, as sórores se
identificaram como: Jacinta, Francisca e Januária, e que eram da Ordem das
Carmelitas Descalças. Essa era uma ramificação da Ordem Carmelita que,
atendendo a um movimento de renovação, foi criada, em 1593, na Espanha, por
Santa Tereza de Ávila e por São João da Cruz.
Inicialmente, Antônio ficou feliz e orgulhoso pela presença
das religiosas, uma prova da boa fama de seu estabelecimento. Ademais, isso
lhes proporcionava excelentes referências. O problema foi que as irmãs gostaram
do lugar, os dias passavam e elas já estavam ali fazia mais de uma semana. Para
piorar a situação, as freiras se postavam, durante quase todo o dia, no
alpendre principal da pousada, a bordar, cantar, rezar e pastorar o movimento.
Todas as três vestidas em longos hábitos marrons e cornetas brancas na cabeça o
que, de longe, chamava a atenção de quem se aproximava e isso estava
prejudicando o bom funcionamento do estabelecimento, visto que os casais que
vinham ávidos para seu idílio amoroso, ao verem as freiras, davam meia-volta e
iam-se embora.
Aflito, o dono da pousada já não sabia o que fazer para
reparar essa perda de freguesia. As sórores nem aventavam sobre quando
partiriam. Comportavam-se como que ali ficariam por muito tempo. Januária, a
mais velha delas, já havia até estabelecido amizade com o pessoal que
trabalhava na cozinha da pousada e vivia a inventar receitas de comidas
diferentes. Jacinta e Francisca, como se não bastasse a constante exposição na
entrada do estabelecimento, enquanto exerciam o ofício de bordadeiras, cantavam
hinos sacros sem se importarem com a altura das vozes. Estavam em casa!
Antônio de Júlia já estava exasperado com a situação; tanto com a incômoda presença das religiosas, quanto pelo fato de que a freguesia da luxúria estava desaparecendo, junto com o vil metal. Afinal, era esse o filão mais lucrativo do seu negócio. Aperreado com o crescente prejuízo, o dono da pousada teve uma luminosa ideia. Completos mais de dez dias que as freiras estavam hospedadas, Antônio resolveu ir à cidade em visita à única loja que vendia aviamentos em Princesa, local onde as religiosas compravam as linhas e agulhas para seus bordados.
Lá chegando, o dono da hospedaria se dirigiu à balconista do estabelecimento perguntando-lhe se esta conhecia as benditas freiras. Ao receber resposta positiva, Antônio instruiu a funcionária a perguntar às irmãs sobre onde elas estavam hospedadas e que, diante da resposta das sórores, a moça do aviamento lhes dissesse que o local onde estavam arranchadas não era recinto apropriado para religiosas tampouco ambiente de respeito e que poderia até dizer a elas que ali funcionava um cabaré. Para tanto, o dono da pousada “molhou” a mão da balconista.
Para alegria do
albergueiro essa iniciativa surtiu efeito. No dia seguinte, ao retornarem das
compras, as irmãs, sem nada dizer e de caras amarradas, solicitaram o
fechamento da conta e foram-se embora da pousada sem se despedirem, tampouco
apresentaram qualquer explicação para essa repentina decisão. Apenas, quando da
chegada do táxi que as levaria para o centro da cidade, ao adentrarem ao veículo,
limparam os pés com uma pequena toalha, se benzeram e foram-se embora. Feliz
com o resultado de sua ideia luminosa, Antônio de Júlia, livre das carmelitas
descalças, voltou a auferir seu libidinoso lucro com a freguesia sem calças.
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