ODE

domingo, 7 de janeiro de 2024

Domingo eu conto

Por Domingos Sávio Maximiano Roberto

A Pousada e as Freiras

A pousada “Neves do Campo” era um estabelecimento rural de hospedaria que distava cerca de 5 quilômetros da cidade de Princesa e pertencia a Antônio de Júlia - numa referência à sua mãe - um pardo solteirão de média estatura, magro, com seus 50 anos de idade, uma figura folclórica por seu bom humor e espírito provocador do riso. O lugar, rodeado de árvores frondosas, a maioria fruteiras, com jardins bem cuidados, era um ambiente bucólico e muito aprazível. A pousada, famosa em toda a região, se destacava tanto pelas belezas naturais quanto por sua culinária, conforto e, principalmente pela discrição que oferecia.

Para atrair clientela o dono da pousada botou propaganda no rádio e distribuiu anúncios por todas as margens das estradas que ligavam Princesa à região, inclusive na parte fronteiriça ao vizinho estado de Pernambuco. Era uma profusão de placas indicativas de que a tantos quilômetros estava localizada a pousada “Neves do Campo”. Esse nome era inspirado na paisagem que se descortinava na época do frio quando, motivada pela altitude, a cerração das manhãs geladas dava a impressão de que estava nevando.

O ambiente era híbrido, um misto de hotel fazenda e motel. Para quem chegava, do lado esquerdo estava o bar e o restaurante e, à direita, alguns apartamentos. Eram ambientes distintos, separados, o que proporcionava o impedimento de mistura quanto às suas atividades. No prédio que abrigava o restaurante, havia apartamentos também, mas estes para receber hóspedes normais. Os quartos que ficavam à direita do prédio principal, abrigavam aqueles que para ali acorriam em busca da prática do amor furtivo. Era o motel.

Do lado esquerdo, tudo funcionava como um hotel normal, com serviço de bar e restaurante e apartamentos para hospedar famílias, com conforto e tudo primando pelo maior respeito. Os que se hospedavam do lado esquerdo da pousada não tinham contato algum com os hóspedes ocasionais, aqueles que do lado direito da casa, iam desfrutar as delícias do amor proibido. Tudo era separado, não existiam farras, e os que iam se divertir levavam seus brinquedos. Ali não havia exaltação à luxúria.

Atraídas pela difusa propaganda, certo dia, apareceram três freiras advindas da cidade de Salgueiro no vizinho estado de Pernambuco para se hospedarem na pousada de Antônio de Júlia. Ao receber as religiosas, o albergueiro pensou que as freiras ali chegaram para passar um ou dois dias desfrutando da paz que o lugar oferecia. Ao registrarem suas presenças, as sórores se identificaram como: Jacinta, Francisca e Januária, e que eram da Ordem das Carmelitas Descalças. Essa era uma ramificação da Ordem Carmelita que, atendendo a um movimento de renovação, foi criada, em 1593, na Espanha, por Santa Tereza de Ávila e por São João da Cruz.

Inicialmente, Antônio ficou feliz e orgulhoso pela presença das religiosas, uma prova da boa fama de seu estabelecimento. Ademais, isso lhes proporcionava excelentes referências. O problema foi que as irmãs gostaram do lugar, os dias passavam e elas já estavam ali fazia mais de uma semana. Para piorar a situação, as freiras se postavam, durante quase todo o dia, no alpendre principal da pousada, a bordar, cantar, rezar e pastorar o movimento. Todas as três vestidas em longos hábitos marrons e cornetas brancas na cabeça o que, de longe, chamava a atenção de quem se aproximava e isso estava prejudicando o bom funcionamento do estabelecimento, visto que os casais que vinham ávidos para seu idílio amoroso, ao verem as freiras, davam meia-volta e iam-se embora.

Aflito, o dono da pousada já não sabia o que fazer para reparar essa perda de freguesia. As sórores nem aventavam sobre quando partiriam. Comportavam-se como que ali ficariam por muito tempo. Januária, a mais velha delas, já havia até estabelecido amizade com o pessoal que trabalhava na cozinha da pousada e vivia a inventar receitas de comidas diferentes. Jacinta e Francisca, como se não bastasse a constante exposição na entrada do estabelecimento, enquanto exerciam o ofício de bordadeiras, cantavam hinos sacros sem se importarem com a altura das vozes. Estavam em casa!

Antônio de Júlia já estava exasperado com a situação; tanto com a incômoda presença das religiosas, quanto pelo fato de que a freguesia da luxúria estava desaparecendo, junto com o vil metal. Afinal, era esse o filão mais lucrativo do seu negócio. Aperreado com o crescente prejuízo, o dono da pousada teve uma luminosa ideia. Completos mais de dez dias que as freiras estavam hospedadas, Antônio resolveu ir à cidade em visita à única loja que vendia aviamentos em Princesa, local onde as religiosas compravam as linhas e agulhas para seus bordados.

Lá chegando, o dono da hospedaria se dirigiu à balconista do estabelecimento perguntando-lhe se esta conhecia as benditas freiras. Ao receber resposta positiva, Antônio instruiu a funcionária a perguntar às irmãs sobre onde elas estavam hospedadas e que, diante da resposta das sórores, a moça do aviamento lhes dissesse que o local onde estavam arranchadas não era recinto apropriado para religiosas tampouco ambiente de respeito e que poderia até dizer a elas que ali funcionava um cabaré. Para tanto, o dono da pousada “molhou” a mão da balconista.

Para alegria do albergueiro essa iniciativa surtiu efeito. No dia seguinte, ao retornarem das compras, as irmãs, sem nada dizer e de caras amarradas, solicitaram o fechamento da conta e foram-se embora da pousada sem se despedirem, tampouco apresentaram qualquer explicação para essa repentina decisão. Apenas, quando da chegada do táxi que as levaria para o centro da cidade, ao adentrarem ao veículo, limparam os pés com uma pequena toalha, se benzeram e foram-se embora. Feliz com o resultado de sua ideia luminosa, Antônio de Júlia, livre das carmelitas descalças, voltou a auferir seu libidinoso lucro com a freguesia sem calças.

 


 

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