Por Domingos Sávio
Maximiano Roberto
Mulheres destemidas
A “Guerra de Princesa” teve o condão de revelar
comportamentos inusitados para aquela época, a exemplo de situações em que,
algumas mulheres, tiveram a oportunidade de se revelarem destemidas diante de circunstâncias
de extrema violência. Num tempo em que o protagonismo de quase tudo era
reservado aos homens, enquanto que, às mulheres, cabia apenas as coisas que se
atinham ao lar, três episódios revelam reações que transformaram, algumas
senhoras, em verdadeiras heroínas pela participação, nas lutas, durante a
Guerra de Princesa contra o governo do presidente (governador) da Paraíba, João
Pessoa. Desde o início, até o fim do conflito, acontecimentos violentos, em
circunstâncias perigosas, envolveram mulheres que, até então, pacíficas, se
mostraram por demais corajosas em desafio às agressões advindas da polícia
paraibana.
O primeiro episódio, ocorreu logo no início daquela cruenta
rebeldia, quando da invasão da vila de Teixeira, pela polícia paraibana.
Atendendo ordens expressas do presidente João Pessoa, o tenente Ascendino
Feitosa, comandando cerca de 30 soldados, em deliberada intenção de ocupar
Princesa, às vésperas das eleições de 1º de março de 1930, no entardecer do dia
28 de fevereiro, invadiu, de surpresa, a vila de Teixeira e, na esteira de
estrepitoso tiroteio, prendeu e fez reféns um tio e duas tias do advogado, João
Duarte Dantas: Manoel Dantas Vilar e as solteironas, dona Ernestina e dona Cota
(que eram também tias do escritor Ariano Suassuna). Desarmados, os três,
fizeram-se presa fácil para a polícia.
Além dessas prisões, a polícia atacou a casa do chefe político,
Silveira Dantas, patriarca dessa importante família. A resistência do velho
Silveira contou com a imprescindível ajuda de uma negrinha, chamada Maria José,
a quem apelidavam de “Bezé” que, junto ao patriarca, abriu fogo contra os da
polícia de João Pessoa. Quando não estava atirando, Bezé, mergulhava n’água o
cano do rifle de seu patrão para esfriá-lo e permitir que o homem continuasse
disparando contra a Força paraibana. Mesmo entendendo que a resistência seria
inglória, Dantas continuava atirando. Naqueles meios, de forma debochada e
ameaçadora, o tenente Ascendino Feitosa (inimigo figadal daquela família)
instou Silveira Dantas a se entregar, gritando, do terreiro: “Se entrega,
Silveira, se não, degolaremos tuas irmãs!”.
Recusando-se a tanto, o patriarca da família Dantas, foi
necessária a interveniência do vigário da cidade, para que fosse evitada uma
tragédia maior. Trouxeram o ex-delegado de Teixeira, tenente João Pereira, e
fizeram um apelo a Silveira: ele se entregaria ao ex-delegado e não ao inimigo
Ascendino e, assim, se evitaria o massacre de seus familiares. Silveira Dantas
aceitou a proposta e entregou-se. Porém, foi covardemente traído. Quando o
tiroteio cessou, o tenente Ascendino Feitosa, nem liberou Manoel Dantas nem as
solteironas e, pôs as mãos em Silveira Dantas aprisionando-o, e encarcerou a
todos.
Debochado, o tenente Ascendino, disse: “Quando a noite cair,
vou sangrar e beber o sangue desses Dantas”. Ouvindo isso e, de forma altiva,
dona Cota - mesmo na condição de prisioneira -, valentemente, respondeu: “Bebe,
desgraçado! Bebe, que pela primeira vez em tua vida vais ter um bocado de
sangue bom dentro dessas veias imundas!” Entretanto, tudo se arrefeceu com a
chegada de 200 homens, em armas, enviados pelo coronel José Pereira, de
Princesa, em socorro de seus amigos e correligionários. Cercada, a polícia de
Ascendino, libertou os presos e debandou, em busca do povoado de Imaculada.
Outro episódio, que envolve mulheres, e que merece registro,
durante uma das mais importantes batalhas da Guerra de Princesa, ocorreu quando
da invasão da vila de Patos (atual Irerê), pela polícia paraibana, vinda do
distrito de Alagoa Nova (atual Manaíra), em junho de 1930. Aproveitando da
situação quando, a maioria dos homens daquele lugar, estava na luta em defesa
do distrito de Tavares, a polícia de João Pessoa, invadiu o povoado de Patos e
fez reféns, as esposas de Marcolino Pereira Diniz (Xanduzinha), de Sinhô
Salviano (Alexandrina) e de Luiz do Triângulo (dona Mitonha), todos os três,
importantes cabecilhas das hostes do coronel Zé Pereira. Feitas reféns, essas
mulheres, mesmo subjugadas, não se deixaram intimidar nem demonstraram medo. Em
face da ameaça de que, o tenente Nonato e o sargento Clementino Quelé, as
usariam como escudos humanos para marchar, com a tropa composta por quarenta
soldados, sobre Princesa, elas não esmoreceram e fizeram chegar mensagens aos
seus maridos dizendo que não se intimidassem com isso e que, não deixassem de
receber os “macacos” à bala!
Diante dessa situação, o coronel José Pereira formou um grupo
de 100 homens, em armas, e mandou para Patos com o fito de libertar as mulheres
e o povoado ocupado. Uma das ordens do coronel era a de que resgatassem as
mulheres, “vivas ou mortas”, mas, libertassem o povoado e expulsassem a polícia
dali. O comandante dessa empresa foi Marcolino Pereira Diniz (O Caboclo
Marcolino) que, em pouco mais de 18 horas de cerrado tiroteio, desbaratou a
polícia, acantonada no casarão do major Floro, e libertou o povoado de Patos.
Morreram dois homens de Zé Pereira e, mais de 20 soldados. Os praças que
escaparam, escafederam-se embrenhados mata-a-dentro nas encostas da Serra da
Baixa Verde. As três corajosas mulheres, libertadas, não sofreram nenhum dano
pela soldadesca.
O terceiro episódio, com protagonismo feminino é, talvez, o
mais emblemático de todos. Este, envolve uma jovem senhora de nome Antônia
Florêncio Carlos de Andrade, cunhada do coronel José Pereira. Quando da eclosão
do conflito rebelde em Princesa, “Dona Toinha” (como era chamada), contava
apenas 39 anos de idade e era casada com Manoel Carlos de Andrade (Neco Carlos),
irmão do coronel Zé Pereira. Nessa quadra violenta por que passou Princesa,
quase todas as chamadas “famílias de bem”, se transferiram para residir nas cidades
pernambucanas de Flores ou de Triunfo. Quando não todos, pelo menos mulheres e
crianças, saíram da cidade rebelada. Dona Toinha, bateu o pé, e ficou. Era na
casa dela onde aconteciam as reuniões do Estado Maior da tropa de Zé Pereira.
Mesmo sem empunhar o rifle, a mulher, era uma das coordenadoras daquele
conflito armado, por que não dizer, uma estrategista.
Mulher inteligente, destemida e determinada, dona Toinha, de
tudo participava, desde a distribuição de armas e munições, até o
supervisionamento do preparo das refeições para os cabras acantonados em defesa
da cidadela rebelada. É tanto que, anos depois, na década de 1980, foram
encontrados, embutidos nas paredes de sua casa de morada, vários cartuchos de
rifles e fuzis usados naquela guerra. Em Princesa, durante todo o conflito,
dona Toinha somente saiu da cidade quando o coronel Zé Pereira teve de sair
também, para não ser preso, por ordem do Exército, quando da vitória da
Revolução de 1930. Ela foi para a cidade de Flores, acompanhada de seus filhos
pequenos. Mesmo assim, não escapou da perseguição dos vitoriosos, quando foi a
única mulher a ser presa pela polícia paraibana. Era figura emblemática: um
verdadeiro troféu para os vencedores!
Detida, junto com seus filhos menores, dona Toinha passou
pela humilhação de ser conduzida, em cima da grade de um caminhão, pelas
principais ruas da cidade de Princesa, em exposição à execração e ao deboche
dos vitoriosos. Mesmo assim, não sucumbiu. Impávida, enfrentou essa humilhante
situação de cabeça erguida sem jamais dar sinais de fraqueza. Passadas, as
fogueiras da violência, foi, dona Toinha libertada e viveu por longos anos, em
Princesa, onde morreu em idade provecta. Essas sete mulheres: Bezé, Ernestina,
Cota, Xandu, Alexandrina, Mitonha e Toinha, num resgate histórico, estão,
necessariamente, inscritas no panteão da glória daquela Guerra que foi, sem
dúvida, o estopim da Revolução de 1930. Mulheres destemidas, exemplo de coragem
e dignidade, num tempo em que o protagonismo de quase tudo, era reservado aos
homens.
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