Por Domingos Sávio
Maximiano Roberto
Joaquim Mariano, o
encartado
Toda cidade do interior possui figuras que se destacam por
vários motivos. Existem personagens ridículas, violentas, loucas, salientes,
inteligentes, enfim, pessoas que, pelos seus comportamentos, se fazem
folclóricas e se inscrevem na história dessas cidades de forma tão emblemática
que, para sempre, serão lembradas. Em Princesa, não poderia ser diferente e,
uma dessas figuras era o cidadão Joaquim Alexandre da Silva, mais conhecido por
“Joaquim Mariano”. Nesse escrito, vamos rememorar algumas passagens
protagonizadas por essa personalidade ímpar que foi aquele agropecuarista e
político princesense. São historietas engraçadas que abordam causos acontecidos
envolvendo “seu” Joaquim e pessoas que com ele conviviam. São tiradas recheadas
de espirituosidade e inteligência fina.
Nascido no sítio Lagoa da fazenda, de Princesa, em 23 de
janeiro de 1903, Joaquim Mariano era filho de Mariano Alexandre da Silva e de
dona Luiza Maria da Conceição. Casou-se com dona Lindaura Cordeiro Florentino
com quem teve vários filhos, dentre eles, o nosso conhecido historiador, Paulo
Mariano. Constituía-se num rico latifundiário, comerciante, agropecuarista e
político, além de haver exercido dois mandatos de vereador em Princesa e também
haver sido eleito prefeito da vizinha cidade de Manaíra. Era um homem rude,
porém muito inteligente e dono de uma presença de espírito formidável. Tinha
visão de futuro e primou pela educação dos filhos quando proporcionou a todos a
oportunidade de estudarem.
Na qualidade de rico fazendeiro, Joaquim Mariano era
convidado para ser padrinho de várias crianças e por isso, tinha muitos
compadres e comadres. Certo dia, no início do ano de 1960, quando estava em uma
de suas fazendas, sentado à mesa para tomar o café da manhã, a “moradeira”, que
servia à mesa, chamada Tertú e que era também sua comadre, enquanto trazia o
cuscuz e o leite quente, puxou conversa dizendo: “É, cumpade Joaquim, parece que o inverno, nesse ano num vai ser bom
não...” “Por que, comadre?” Perguntou
o patrão. “Cumpade, onte eu fui na roça e
vi que as rolinhas tão fazendo seus ninhos no chão. E os mais velhos diziam que,
quando a rola põe no chão, o inverno é ruim, né?” Respondeu Tertú. Tomando
a palavra, Joaquim Mariano comentou: “Comadre
Tertú, vá na cabeça de rola não que a senhora se lasca. O inverno vai ser bom
sim, pois, quem manda é Deus”. Nesse ano de 1960 ocorreu um dos maiores
invernos já vistos em Princesa.
Certa vez, um desses seus compadres, que era também seu
empregado, atravessando uma de suas propriedades acompanhado de sua mulher que
estava gestante, esta, desejou chupar uma das mangas que estavam dependuradas
num galho de frondosa mangueira. Admoestada pelo marido de que “cumpade” Joaquim
não gostava que bulissem em suas frutas, a mulher, conformada, escusou-se de
consumar seu desejo por medo de ser duramente repreendida pelo patrão. Ao
chegar em casa, já à tardinha, a mulher botou pra morrer. Não deu outra: no
meio da noite, a mulher perdeu a cria. O marido, com as mãos na cabeça,
preocupado com a saúde da companheira e com o sepultamento do natimorto,
decidiu recorrer a Joaquim Mariano. No dia seguinte, logo cedo, partiu para a
rua e, lá chegando, dirigiu-se à casa de seu patrão: “Bom dia cumpade Joaquim”. “Bom
dia, João, o que há?” Perguntou o patrão. João contou a história e emendou:
“Pois é, cumpade Joaquim, agora eu quero
que o senhor me dê uma ajudinha pra eu resolver as coisas lá em casa. Afinal de
contas, tudo aconteceu por causa da manga que eu não deixei a mulher chupar...”
Interrompendo o morador, Joaquim Mariano levantou-se da cadeira em que se
encontrava, e foi logo dizendo: “E, é o
seguinte, João, eu não vou dar uma ajudinha não. Eu vou pagar é a despesa toda,
pois, um menino que, antes de nascer já estava de olho no que é alheio, não
deveria mesmo nascer. Imagine o que ele não ia fazer mais tarde?” O velho
pagou toda a despesa e João, satisfeito, foi embora acompanhar o resguardo da
mulher.
A feira livre de Princesa, acontece aos sábados. Certo dia de
feira, o então vice-prefeito de Princesa, Miron Maia se encontrava na calçada
de sua casa - situada no final da “Rua Grande” -, na companhia de alguns amigos,
a conversar quando viu, passando pela rua, o fazendeiro e seu compadre Joaquim
Mariano, com uma caixa de papelão às mãos. Instado por Miron, os dois encetaram
o seguinte diálogo: “Bom dia compadre
Joaquim, vai à feira?” “Vou compadre”,
respondeu Mariano e continuou: “Vou lá no açougue receber o dinheiro de uns
bois que eu vendi quinta-feira.” “E o que é isso que você leva nessa caixa?” Perguntou
o vice-prefeito. “Uns cachorros novos”,
respondeu o compadre. “Cachorros? Oxente,
pra quê compadre?” “Pra vender”,
respondeu Mariano. “Vender??? Mas
compadre tenha jura, você um homem rico se passando pra isso? Vender cachorro
novo na feira? Homem, você não precisa disso não...” Joaquim Mariano deu
calado por resposta e seguiu seu caminho. Miron, como é de praxe, ficou a
comentar com os amigos sobre o fato, censurando o compadre muquirana. Findo o
papo na calçada, Maia sentou-se, sozinho, numa cadeira de balanço e ali ficou a
cochilar. De repente, ouviu um grito: “Compadre
Miron!!!” De um salto Miron Maia pôs-se de pé já dizendo: “Oxente, compadre Joaquim, tá doido?” Joaquim
Mariano, com um maço de cédulas de dinheiro às mãos, foi logo dizendo: “Pronto, compadre, me diga agora aqui qual é
o dinheiro dos bois e o dinheiro dos cachorros?” Miron, pasmo com a
desforra do compadre, ficou calado, sem argumentos perante aquela avarenta inteligência.
Em seu livro, a escritora princesense, Ada Florêncio Barros
Nóbrega, classifica Joaquim Mariano como dono de uma “inculta Inteligência”.
Esqueceu, Ada, de acrescentar: “e grande
presença de espírito”. Conta-se que na mesma viagem empreendida pelo então
prefeito de Manaíra, Joaquim Mariano, à capital do Estado, para se encontrar
com o governador João Agripino, aquele aproveitou a oportunidade para conhecer
o mar. Dirigiu-se à praia de Tambaú e, observando, absorto e ao mesmo tempo
deslumbrado, aquele mundo d’água, Mariano foi abordado por um engraçado que,
talvez querendo “zonar” com o velho político, perguntou: “Seu Joaquim, o senhor já viu um mar maior do que esse?” Ao que
Joaquim Mariano respondeu, de chofre: “Sim,
já vi: o má dos cachorros, seu besta!” Era assim, Joaquim Mariano, tinha
sempre a resposta na ponta da língua.
Conta-se, que Joaquim
Mariano botava roças imensas. Para mantê-las, contratava vários trabalhadores
de aluguel, pagando-lhes diárias baratas demais e dando almoços sem mistura.
Muquirana que era, fiscalizava pessoalmente o desempenho dos contratados para
que não fizessem corpo mole no serviço do plantio, da limpa ou da colheita.
Certo dia, quando tinha 60 homens trabalhando sob seu olhar, um avião – que
trazia o deputado federal Teotônio Neto para um comício em Princesa - sobrevoou
a roça e um dos trabalhadores parou de capinar e levantou a cabeça para olhar a
aeronave lá no alto (um vício que todo princesense cultua até hoje, inclusive
eu, acho que traumatizados pela ameaça de bombardeio da cidade na Guerra de
Princesa em 1930). Vendo isso, Joaquim Mariano reclamou, rudemente, instando o
“alugado” a voltar ao trabalho. Diante da reclamação o trabalhador respondeu: “Mas, seu Joaquim, é só um minutinho...” Ao
que o velho respondeu: “Um minutinho? E
se os outros 59 trabalhadores pararem também prá espiar essa peste desse avião?
Aí eu “pêico” uma hora de serviço! Ao trabalho!”
Joaquim Mariano era um matuto sabido, inteligente e
muquirana, portanto avesso ao desperdício de dinheiro, principalmente, quando
se tratava do seu. Certa vez, atendendo reclamação de sua esposa, dona
Lindaura, de que o fogão a gás estava com as bocas entupidas, Joaquim mandou
chamar um técnico para consertar aquelas peças. Compareceu à casa de Mariano -
enquanto este confabulava com alguns amigos à sala de estar -, um rapaz que se
apresentou como apto para realizar os consertos. Era Zé de Antôi Coxim. “Seu”
Joaquim autorizou o serviço e, o jovem rapaz, adentrou à cozinha de sua casa
com o mister de resolver o problema que afligia sua patroa. Passados pouco mais
de 30 minutos, Zé Coxim, retornou à sala dizendo que o serviço já havia sido
executado e que o fogão estava em ordem, ao que o velho Joaquim Mariano lhe
perguntou: “Tá pronto mermo minino?” O
rapaz respondeu: “Sim senhor. Ficou
primeira”. Diante disso, o velho indagou: “E quanto foi?” O jovem disse: “Vinte
cruzeiros, seu Joaquim”. O velho olhou pra Zé Coxim, arqueou as
sobrancelhas e gritou: “Ô Lindaura, traz
a caixa que o minino vai levar o fogão!” Espantado, Zé disse: “Mas, seu Joaquim...” O velho redarguiu
sem dar tempo do jovem falar: “É isso
mermo meu filho. Por esse preço, é melhor você levar o fogão”. Para não
perder a viagem, Zé saiu da casa do velho com uma nota de cinco cruzeiros.
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