ODE

domingo, 21 de julho de 2024

Domingo eu conto

 

Por Domingos Sávio Maximiano Roberto

Joaquim Mariano, o encartado

Toda cidade do interior possui figuras que se destacam por vários motivos. Existem personagens ridículas, violentas, loucas, salientes, inteligentes, enfim, pessoas que, pelos seus comportamentos, se fazem folclóricas e se inscrevem na história dessas cidades de forma tão emblemática que, para sempre, serão lembradas. Em Princesa, não poderia ser diferente e, uma dessas figuras era o cidadão Joaquim Alexandre da Silva, mais conhecido por “Joaquim Mariano”. Nesse escrito, vamos rememorar algumas passagens protagonizadas por essa personalidade ímpar que foi aquele agropecuarista e político princesense. São historietas engraçadas que abordam causos acontecidos envolvendo “seu” Joaquim e pessoas que com ele conviviam. São tiradas recheadas de espirituosidade e inteligência fina.

Nascido no sítio Lagoa da fazenda, de Princesa, em 23 de janeiro de 1903, Joaquim Mariano era filho de Mariano Alexandre da Silva e de dona Luiza Maria da Conceição. Casou-se com dona Lindaura Cordeiro Florentino com quem teve vários filhos, dentre eles, o nosso conhecido historiador, Paulo Mariano. Constituía-se num rico latifundiário, comerciante, agropecuarista e político, além de haver exercido dois mandatos de vereador em Princesa e também haver sido eleito prefeito da vizinha cidade de Manaíra. Era um homem rude, porém muito inteligente e dono de uma presença de espírito formidável. Tinha visão de futuro e primou pela educação dos filhos quando proporcionou a todos a oportunidade de estudarem.  

Na qualidade de rico fazendeiro, Joaquim Mariano era convidado para ser padrinho de várias crianças e por isso, tinha muitos compadres e comadres. Certo dia, no início do ano de 1960, quando estava em uma de suas fazendas, sentado à mesa para tomar o café da manhã, a “moradeira”, que servia à mesa, chamada Tertú e que era também sua comadre, enquanto trazia o cuscuz e o leite quente, puxou conversa dizendo: “É, cumpade Joaquim, parece que o inverno, nesse ano num vai ser bom não...” “Por que, comadre?” Perguntou o patrão. “Cumpade, onte eu fui na roça e vi que as rolinhas tão fazendo seus ninhos no chão. E os mais velhos diziam que, quando a rola põe no chão, o inverno é ruim, né?” Respondeu Tertú. Tomando a palavra, Joaquim Mariano comentou: “Comadre Tertú, vá na cabeça de rola não que a senhora se lasca. O inverno vai ser bom sim, pois, quem manda é Deus”. Nesse ano de 1960 ocorreu um dos maiores invernos já vistos em Princesa.

Certa vez, um desses seus compadres, que era também seu empregado, atravessando uma de suas propriedades acompanhado de sua mulher que estava gestante, esta, desejou chupar uma das mangas que estavam dependuradas num galho de frondosa mangueira. Admoestada pelo marido de que “cumpade” Joaquim não gostava que bulissem em suas frutas, a mulher, conformada, escusou-se de consumar seu desejo por medo de ser duramente repreendida pelo patrão. Ao chegar em casa, já à tardinha, a mulher botou pra morrer. Não deu outra: no meio da noite, a mulher perdeu a cria. O marido, com as mãos na cabeça, preocupado com a saúde da companheira e com o sepultamento do natimorto, decidiu recorrer a Joaquim Mariano. No dia seguinte, logo cedo, partiu para a rua e, lá chegando, dirigiu-se à casa de seu patrão: “Bom dia cumpade Joaquim”. “Bom dia, João, o que há?” Perguntou o patrão. João contou a história e emendou: “Pois é, cumpade Joaquim, agora eu quero que o senhor me dê uma ajudinha pra eu resolver as coisas lá em casa. Afinal de contas, tudo aconteceu por causa da manga que eu não deixei a mulher chupar...” Interrompendo o morador, Joaquim Mariano levantou-se da cadeira em que se encontrava, e foi logo dizendo: “E, é o seguinte, João, eu não vou dar uma ajudinha não. Eu vou pagar é a despesa toda, pois, um menino que, antes de nascer já estava de olho no que é alheio, não deveria mesmo nascer. Imagine o que ele não ia fazer mais tarde?” O velho pagou toda a despesa e João, satisfeito, foi embora acompanhar o resguardo da mulher.

A feira livre de Princesa, acontece aos sábados. Certo dia de feira, o então vice-prefeito de Princesa, Miron Maia se encontrava na calçada de sua casa - situada no final da “Rua Grande” -, na companhia de alguns amigos, a conversar quando viu, passando pela rua, o fazendeiro e seu compadre Joaquim Mariano, com uma caixa de papelão às mãos. Instado por Miron, os dois encetaram o seguinte diálogo: “Bom dia compadre Joaquim, vai à feira?”Vou compadre”, respondeu Mariano e continuou: “Vou lá no açougue receber o dinheiro de uns bois que eu vendi quinta-feira.” “E o que é isso que você leva nessa caixa?” Perguntou o vice-prefeito. “Uns cachorros novos”, respondeu o compadre. “Cachorros? Oxente, pra quê compadre?” “Pra vender”, respondeu Mariano. “Vender??? Mas compadre tenha jura, você um homem rico se passando pra isso? Vender cachorro novo na feira? Homem, você não precisa disso não...” Joaquim Mariano deu calado por resposta e seguiu seu caminho. Miron, como é de praxe, ficou a comentar com os amigos sobre o fato, censurando o compadre muquirana. Findo o papo na calçada, Maia sentou-se, sozinho, numa cadeira de balanço e ali ficou a cochilar. De repente, ouviu um grito: “Compadre Miron!!!” De um salto Miron Maia pôs-se de pé já dizendo: “Oxente, compadre Joaquim, tá doido?” Joaquim Mariano, com um maço de cédulas de dinheiro às mãos, foi logo dizendo: “Pronto, compadre, me diga agora aqui qual é o dinheiro dos bois e o dinheiro dos cachorros?” Miron, pasmo com a desforra do compadre, ficou calado, sem argumentos perante aquela avarenta inteligência.

Em seu livro, a escritora princesense, Ada Florêncio Barros Nóbrega, classifica Joaquim Mariano como dono de uma “inculta Inteligência”. Esqueceu, Ada, de acrescentar: “e grande presença de espírito”. Conta-se que na mesma viagem empreendida pelo então prefeito de Manaíra, Joaquim Mariano, à capital do Estado, para se encontrar com o governador João Agripino, aquele aproveitou a oportunidade para conhecer o mar. Dirigiu-se à praia de Tambaú e, observando, absorto e ao mesmo tempo deslumbrado, aquele mundo d’água, Mariano foi abordado por um engraçado que, talvez querendo “zonar” com o velho político, perguntou: “Seu Joaquim, o senhor já viu um mar maior do que esse?” Ao que Joaquim Mariano respondeu, de chofre: “Sim, já vi: o má dos cachorros, seu besta!” Era assim, Joaquim Mariano, tinha sempre a resposta na ponta da língua.

Conta-se, que Joaquim Mariano botava roças imensas. Para mantê-las, contratava vários trabalhadores de aluguel, pagando-lhes diárias baratas demais e dando almoços sem mistura. Muquirana que era, fiscalizava pessoalmente o desempenho dos contratados para que não fizessem corpo mole no serviço do plantio, da limpa ou da colheita. Certo dia, quando tinha 60 homens trabalhando sob seu olhar, um avião – que trazia o deputado federal Teotônio Neto para um comício em Princesa - sobrevoou a roça e um dos trabalhadores parou de capinar e levantou a cabeça para olhar a aeronave lá no alto (um vício que todo princesense cultua até hoje, inclusive eu, acho que traumatizados pela ameaça de bombardeio da cidade na Guerra de Princesa em 1930). Vendo isso, Joaquim Mariano reclamou, rudemente, instando o “alugado” a voltar ao trabalho. Diante da reclamação o trabalhador respondeu: “Mas, seu Joaquim, é só um minutinho...” Ao que o velho respondeu: “Um minutinho? E se os outros 59 trabalhadores pararem também prá espiar essa peste desse avião? Aí eu “pêico” uma hora de serviço! Ao trabalho!”  

 

Joaquim Mariano era um matuto sabido, inteligente e muquirana, portanto avesso ao desperdício de dinheiro, principalmente, quando se tratava do seu. Certa vez, atendendo reclamação de sua esposa, dona Lindaura, de que o fogão a gás estava com as bocas entupidas, Joaquim mandou chamar um técnico para consertar aquelas peças. Compareceu à casa de Mariano - enquanto este confabulava com alguns amigos à sala de estar -, um rapaz que se apresentou como apto para realizar os consertos. Era Zé de Antôi Coxim. “Seu” Joaquim autorizou o serviço e, o jovem rapaz, adentrou à cozinha de sua casa com o mister de resolver o problema que afligia sua patroa. Passados pouco mais de 30 minutos, Zé Coxim, retornou à sala dizendo que o serviço já havia sido executado e que o fogão estava em ordem, ao que o velho Joaquim Mariano lhe perguntou: “Tá pronto mermo minino?” O rapaz respondeu: “Sim senhor. Ficou primeira”. Diante disso, o velho indagou: “E quanto foi?” O jovem disse: “Vinte cruzeiros, seu Joaquim”. O velho olhou pra Zé Coxim, arqueou as sobrancelhas e gritou: “Ô Lindaura, traz a caixa que o minino vai levar o fogão!” Espantado, Zé disse: “Mas, seu Joaquim...” O velho redarguiu sem dar tempo do jovem falar: “É isso mermo meu filho. Por esse preço, é melhor você levar o fogão”. Para não perder a viagem, Zé saiu da casa do velho com uma nota de cinco cruzeiros.



 

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