PAULO MARIANO
PAULO CORDEIRO E SILVA
MARIANO nasceu em
Princesa aos 04 de março de 1934. Era filho do agricultor, comerciante e
político Joaquim Alexandre da Silva, mais conhecido como “Joaquim Mariano” e de
dona Lindaura Florentino Cordeiro. Paulo veio ao mundo pelas mãos de uma
parteira cigana, no sítio “Cabeça do Porco” e era o segundo filho do prolífico
Joaquim Mariano. Casou-se com dona Terezinha Rodrigues, com quem teve os
filhos: Serioja; Yuri e Giovani (gêmeos); Naiana; Danuza e Janina. Estudou as
primeiras letras em casa, com sua mãe Lindaura, através de uma carta do ABC.
Com 08 anos de idade, foi matriculado na Escola “Monte Carmelo”, administrada
por freiras da Ordem Carmelita, para cursar o primário, o que fazia pela manhã. À tarde, recebia um reforço
estudando na Escola de “Dona Maria Alice Maia”. Segundo o próprio, foi ali que
conheceu a palmatória. Em 1946, aos 12 anos de idade, foi mandado pelo pai para
estudar na cidade pernambucana de Pesqueira, no Ginásio “Cristo Rei”, que era
administrado por padres, em regime de internato, para fazer o curso secundário.
Com tendência para as letras e a escrita, Paulo Mariano tomou gosto pela
leitura respaldado pela rica e vasta biblioteca daquela escola. Foi em
Pesqueira que o nosso biografado começou a conhecer o mundo. Viu pela primeira
vez um trem, conheceu a luz elétrica e vivenciou com prazer o desfrute da
sétima arte (o cinema). Nas folgas dos finais de semana, Mariano não perdia a
oportunidade de assistir às películas exibidas no cinema daquela cidade
pernambucana. Tinha preferência pelas comédias. Porém, o filme que tocou sua
vida foi “Robin Hood”, o filantrópico herói britânico que roubava dos ricos
para dar aos pobres. A partir daí, nasceu em Paulo o sentimento defensor dos
menos favorecidos, o que plantou em sua consciência, pendores socialistas que
cultivou por toda sua vida. Por problemas de indisciplina (o que sempre foi a
marca de Paulo, não no sentido pejorativo, mas, quanto à sua incapacidade de
submeter-se a arbitrariedades), deixou aquela escola e voltou para casa.
O retorno a Princesa
De volta a Princesa, matriculou-se no recém-criado (1949)
Ginásio “Nossa Senhora do Bom Conselho”, onde concluiu o curso secundário que
havia interrompido em Pesqueira. Naquele tempo, essa escola funcionava no
prédio do Grupo Escolar “Gama e Melo”, no turno da noite. Ali, Paulo Mariano
teve como colegas de turma alguns princesenses que também se destacaram mais
tarde, a exemplo de: Vavá Lima; Juracy Bezerra; Paulo Barros; Lula Ibiapina;
Vanildo Carlos; Chico Sobreira; Toinho de Severino Almeida, dentre outros.
Terminado o curso ginasial, transferiu-se para a cidade de Arcoverde/PE onde
conseguiu um emprego de balconista na farmácia do também princesense, José
Frazão de Medeiros Filho. Nessa cidade, tentou ingressar no principal time de
futebol do lugar, mas não conseguiu prosperar nesse intento. Apaixonado que era
pelo esporte, mesmo assim, o cansaço da labuta diária não lhe permitiu realizar
o sonho de profissionalizar-se naquela modalidade esportiva. Em Arcoverde,
demorou-se pouco tempo, pois, decidiu que queria dar voos mais altos desintencionado
de “marcar passo” num simples emprego de balconista ou de retornar a Princesa
para trabalhar na roça ou cuidar do gado de seu pai Joaquim Mariano.
Rio de Janeiro
Em 1955, mesmo à revelia da vontade do pai, Paulo resolveu
conhecer o Rio de Janeiro, onde já morava um de seus irmãos mais novos, Rui.
Conseguiu com o avô materno o dinheiro da passagem e, com a conivência de sua
mãe, Interessada no progresso do filho, dona Lindaura o proveu de algum
dinheiro, preparou o “bode” (galinha assada com farinha de mandioca e queijo de
coalho) e Paulo partiu, em cima do caminhão “pau de Arara” de Zé Mendes, ruma à
Capital Federal. Foram duas semanas de viagem. Chegado ao Rio, conseguiu logo
uma pensão onde se arranchou enquanto saía em busca de um emprego. Logo
encontrou um. Foi trabalhar numa gráfica onde empacotava as encomendas
produzidas. Orientado por um conterrâneo que morava no Rio de Janeiro há algum
tempo e que era funcionário público, resolver ir visitar o amigo de seu pai, o
doutor Alcides Carneiro. Chegado ao apartamento do grande tribuno princesense,
apresentou-se, no que foi bem acolhido por Alcides, que havia sido deputado
federal e tinha muita consideração por Joaquim Mariano. De pronto Alcides lhe
deu uma carta de apresentação que lhe valeu um bom emprego público no IAPB –
Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Bancários. Começou logo a trabalhar,
no que auferia um bom salário. Porém, vendo anúncios dos jornais, interessou-se
em fazer o curso de paraquedista militar. Para tanto, pediu licença sem
vencimentos de seu trabalho por seis meses e matriculou-se na Academia de
Paraquedismo de Realengo. Era o ano de 1958. Em 29 de abril desse ano, deu seu
primeiro salto de paraquedas e, em seis meses recebeu o diploma de paraquedista.
Em dezembro de 1958, reassumiu o emprego no IAPB. Nesse tempo, o então
presidente Juscelino Kubitscheck havia iniciado a construção de Brasília. Com o
intento de levar para os ermos do Planalto Central alguns funcionários
públicos, o governo federal oferecia vantagens para quem se dispusesse a
transferir-se para o que seria a nova capital do Brasil. Paulo recebeu a
proposta contida das seguintes vantagens: salário dobrado, alimentação e
moradia grátis e a possibilidade de adquirir um apartamento em módicas
prestações. Porém, acostumado e deslumbrado com a boa vida desfrutada na
“Cidade Maravilhosa”, recusou a proposta.
O comunista
Recebido de presente do amigo e conterrâneo, João Maia, Paulo
Mariano devorou de uma sentada o livro do escritor baiano, Jorge Amado:
“Cavaleiro da Esperança”, que conta a história do líder comunista Luís Carlos
Prestes. Já simpático às coisas do socialismo, esse escrito serviu-lhe de
combustível para alimentar ainda mais suas convicções políticas. Corroborando
esse afã, estava Paulo, no início do ano de 1964, no epicentro da efervescência
política: o Rio de Janeiro. Na qualidade de funcionário público, logo se filiou
ao sindicato da classe que era controlado pelo Partido Comunista e passou a
participar ativamente de reuniões, movimentos de protestos, etc. No dia do famoso
Comício da Central do Brasil - realizado no dia 13 de março de 1964, com a
presença do presidente João Goulart, em defesa das chamadas “Reformas de Base”
(agrária, bancária, fiscal, eleitoral, universitária, administrativa, etc.),
que reuniu cerca de 300.000 pessoas -,estava Paulo Mariano presente. O desenrolar
dos acontecimentos pós-comício é do conhecimento de todos quando, em menos de
vinte dias, veio o Golpe Militar que derrubou o presidente e acabou com a
democracia no Brasil. Nesse jogo, nosso biografado estava do lado do povo e,
por isso, começou a ser perseguido em seu emprego, quando pela nova ordem, era:
“(...) tido como elemento nitidamente de
esquerda”. Com o cerco da repressão se fechando, Paulo resolveu pedir uma
licença sem vencimentos, por seis meses e retornou a Princesa. Aqui ficou durante
esse período, voltando ao Rio de Janeiro quando expirado o prazo do afastamento
legal. Na Capital Federal, viu que o clima estava pesadíssimo para os que
discordavam do novo regime e resolveu regressar, em definitivo, para sua
tranquila terra. Nesse tempo, já era Mariano um comunista de carteirinha.
De volta à terra
Em Princesa Paulo fez escola. Com seus cabelos e barbas
grandes imprimiu um novo estilo à juventude princesense. Porém, a influência
que ele exerceu não foi somente no visual, mas, principalmente, na orientação
política. Depois de Paulo, quase todos os jovens que gostavam de ler e se
interessavam por política, passaram, a ser “comunistas”. No bar do “Gera”,
Paulo dava, diariamente, aulas sobre socialismo e louvores a Cuba que nos
deixavam embevecidos. Falava como se lá estivera. Era arretado ouvir dele as
histórias, que contava com simplicidade e com muita força de veracidade. A
verdade é que nesse lenga-lenga, Paulo formou um monte de consciências
políticas. Em Princesa, passou a trabalhar com o pai, Joaquim Mariano; teve a
sorte de conhecer Terezinha – que, como ele dizia, “caiu na besteira” de por
ele se apaixonar -, num espetáculo circense, e casou-se, constituindo bela
família da qual sempre se orgulhou. Lembro-me de um episódio interessante,
quando os gêmeos passaram no vestibular e Paulo decidiu informar aos “Pereira” e aos “Diniz”: que
pobre também podia se formar. Foi à casa de Aloysio Pereira e à de Genésio Lima
dar essa notícia. No palacete, não encontrou ninguém, porém, nos “Nominando”,
encontrou Genésio e, ao informar a boa nova, recebeu do genro de Nominando a
seguinte resposta: “Passar é fácil, quero
ver é se formar”. Formaram-se todos e, em Universidades públicas. A
genética do “véi” (como nós o chamávamos) era boa demais.
Convidado pelo ex-governador Pedro Gondim, Paulo resistiu, mas
aceitou ser candidato a prefeito de Princesa em 1982. Sabia que não tinha condição
alguma de lograr êxito nas urnas, mas enfrentou a peleja e tornou-se o primeiro
princesense a a ter a coragem de enfrentar as duas oligarquias que mandavam na
política da terra há quase cem anos. Foi também candidato a vereador em 1992 e
perdeu de novo - ocasião que Princesa deixou ter um parlamentar comprometido
com os interesses da terra. Presidente do PT – Partido dos Trabalhadores, organizou
a legenda no município e liderou o partido na campanha eleitoral para
presidente da República, em 1989, quando cumpriu a “promessa” de cortar os
cabelos quando houvesse eleição direta para presidente. Comprometido com suas
convicções socialistas, Paulo Mariano foi promotor da maior reforma urbana
ocorrida em Princesa: de posse do espólio que lhe foi legado como herança de
seu pai, doou vários terrenos aos pobres do hoje Bairro “Jardim Karlota”, para
que ali construíssem suas casas. De volta àquele logradouro para pedir votos
para sua eleição como vereador, ninguém mais lembrava de suas doações e Paulo,
como era de seu estilo, nem ligou. Apoiou a candidatura do bancário Marconi
Campelo, a prefeito em 1988 e a de doutor Zoma em 1992. Em 1994 trabalhou com
afinco em prol da candidatura de Zoma para deputado estadual e, em 1996, apoiou
de novo doutor Zoma para prefeito. De todas as campanhas que Paulo participou,
nenhuma foi vitoriosa. É claro que não por conta dele, mas sim pelo fato de o
nosso comunista sempre ter havido adotado opção pelos mais necessitados que
sempre votaram contra si próprios. Desgostoso com os insucessos eleitorais e,
carecido de estar junto dos filhos que estudavam em João Pessoa, Paulo resolveu
mudar-se para a capital do Estado e foi morar em João Pessoa, com Terezinha, a partir
de 1997. Havia sido admitido como funcionário da CAGEPA – Companhia de Água e
Esgotos da Paraíba, em 1979 e para João Pessoa transferiu também seu emprego do
qual se aposentou em 2011.
Na verdade, pelo muito que Paulo representou e foi, nada o
destaca mais do que quanto à sua produção intelectual. Na qualidade de
pesquisador, foi ele o primeiro princesense a “cascavinhar” sobre a história da
terra e produzir o primeiro livro a contar as coisas de Princesa. O livro: “Princesa
– Antes e depois de 30” é indispensável nas salas de aulas do município. É a
única fonte de informação sobre a história da terra dos “Pereira” e dos “Diniz”
(ainda bem que Paulo já foi), essencial para o conhecimento de tudo o que se
refere a Princesa. Além desse escrito, Paulo produziu também: “Achados de
Perdição”; “Água de Chocalho” e o que será brevemente lançado in memoriam “Meu Tempo, meu lugar –
Quase memórias”. Além de livros, Paulo Mariano escreveu muito para jornais e
revistas. Reputo que, talvez seja ele, o princesense que mais escreveu sobre a
terra que tanto amou. Paulo era um princesense de sete costados. É claro que
muito mais eu teria a escrever sobre esse
ilustre princesense, mas isso é apenas um Perfil Biográfico. Alguém mais
competente haverá de escrever, mais tarde, sua biografia. Deixo aqui apenas a
minha contribuição, nesta data em que lembramos o primeiro ano de seu falecimento.
Paulo Mariano, que hoje é nome de uma Praça em Princesa, nos deixou no dia 20
de novembro de 2018, aos 84 anos de idade, porém, não deixou somente saudade,
mas também um legado político, intelectual, social e moral, do qual jamais os
princesenses esquecerão, uma vez que, Paulo Cordeiro e Silva Mariano está,
definitivamente inscrito na tabuleta dos filhos ilustres de Princesa. Viva
Paulo Mariano!
·
Anexo,
incluímos o “Necrológio de Paulo Mariano”, escrito pelo grande Aldo Lopes e a “Chegada
de Paulo Mariano ao Reino da Gulora”, feito por mim.
(Escrito por Domingos Sávio Maximiano
Roberto, em 20 de novembro de 2019).
Necrológio de Paulo Mariano
A minha biblioteca quero que doem à escola. Meus contos mandem prá Aldo.
E minhas roupas dêem a Zé Grosso. O resto da cacaria, contando com as duas
casas, que eu não pude torrar, fica tudo prá família, conforme os termos da
lei. Mas por favor, me deixem inteiro, do jeitinho que nasci. Digo isso porque
sei que nada em mim dá prá ninguém, porque nunca fui sadio. Meu pulmão é um
fole preto, a desgraça do cigarro, tem catarro, infiltração, teia-de-aranha e
pucumã. O fígado, esse infeliz, de tanto carrego entupiu, é um charco de
cachaça. Meu coração tá sem graça, não há doutor no mundo que devolva-lhe o
compasso, que lhe restaure o bolero. E a pedreira dos rins é de atrair
cavouqueiro, podem instalar britadeira que se calça uma rua inteira. No resto
não mais se fala, é isso que você vê, é só esperar morrer, para ser logo
enterrado.
Chegando no cemitério, liberem logo a palavra, soltem as grades do
peito, deixem quem quiser falar, os pariceiros, os camaradas, os poucos gatos
pingados que irão me acompanhar. Mas me façam uma seleção. Aluízio, não; e
Gonzaga, nem pensar; Valdemar, Assis Maria, muito menos Rialtoan. É que não
estou disposto a esse tipo de elogio. Peçam a Dominguinhos o discurso de
encerramento. E pode descer a lenha, que jumento não ressuscita. É o único que
admito. E após isso cumprido, me sacudam muita terra. Mas antes abram o caixão
e reparem na minha mão, vejam que dedo safado, aquele dito do meio, vizinho do
de apontar, puxando lá pro mindinho, reparem bem direitinho, que vai estar
estirado.
Quero o meu velório em minha casa. Não façam discursos. Guardem o verbo
para o cemitério. À beira da cova é mais comovedor. Façam uma festa. Detesto
tristeza. Não abro mão do Bloco dos Arapapacas e do sax de Marrocos. Cantem o
hino do meu time, o meu samba predileto. E se Terezinha desatar na choradeira,
peçam ao doutor Zoma que lhe aplique uma dormideira. Não me venham com Zé
Batista, por favor. Quero muita brincadeira. Podem falar dos meus podres, que
eu nem ligo, das mulheres que amei, das bagunças que abri, que eu era feio, que
eu vou gostar, eu sei. Me sentarei numa nuvem, que um anjo vai me emprestar,
prá ver tudo lá de cima.
Vou morrer em frente à casa de Coimbra, na cabeça da ladeira que carrega
a avenida até a porta lá de casa. A última lapada, no Bar do Gera. É só me dar
um empurrão, na esquina de Afonso, que pego logo a embalagem. Meu cadáver vai
passar ao lado da Prefeitura. Dessa vez não irei esculhambar. Vou em silêncio,
no respeito, desfrutando a lei da gravidade – a única lei a me trazer
benefício. As outras, as da comarca, as do juiz, só fizeram me encrencar.
Terezinha vai desmaiar ao me tocar e sentir que já estou duro. Vidinha sem
futuro. Não sei por que a gente morre.
Quando, enfim, me levarem ao cemitério, quero que cortem caminho pela
rua da cadeia, em demanda do Cancão. Nada de subir pela rua grande, que é prá
não passar nem por perto da igreja. Não deixem João Mandú se aproximar do meu
caixão, ele pode me aprontar uma desfeita, desviar o meu cadáver para dentro da
Matriz. Missa de sétimo dia, nem pensar! Não noticiem no rádio a minha morte,
Zé Duarte não está autorizado. “Família enlutada” para mim é baboseira, é ranço
de falsidade, quando estará mesmo é de fato aliviada.
A minha cova quero que cavem bem distante do túmulo do meu pai, do
jazigo dos Pereira, das irmãs de caridade. Escavaquem lá detrás, que é onde se
enterram os bêbados pés-de-chinelo, os dementes, os loucos da cidade, a vala
comum dos sem sorte. Não precisa cruz nem nome ou qualquer indicação. Morte é
morte.”.
A CHEGADA DE PAULO
MARIANO AO “REINO DA GULORA”
Na manhã da última terça-feira, após uma
espera de cerca de sete horas, viu Paulo abrir-se a janelinha da recepção do
inferno. Aproximou-se e viu que lá estava sentado a uma cadeira, um cão ainda
novo, cabisbaixo examinando alguns papeis.
- Bom dia – disse Paulo.
- Bom dia – respondeu o cão ainda de
cabeça baixa -, pode dizer...
Respondendo ao cumprimento de Paulo, o cão
levantou-se e, sem olhar para ele, abriu uma gaveta e começou a manusear
algumas fichas. Paulo observou que o cão, de estatura baixa, bunda grande,
daqueles torados no grosso (já com quase dez anos de Inferno), demonstrava
alguma intimidade com o ofício.
- Sou Paulo Mariano, de Princesa e vim me
apresentar...
Ao ouvir de onde procedia a alma penada, o
cão virou-se e disse:
- Ôxe, Paulo, que diabo tu tá fazendo
aqui?
Ao que Paulo respondeu admirado pela
ignorância do pequeno Satã:
- Oxente, morri ontem e vim me apresentar.
E tu me conheces?
O cão riu e disse:
- Menino, aqui a gente conhece todo mundo.
Ainda consultando papeis, diabo menor disse: Olha, teu lugar num é aqui não! Tu
num tá em nenhuma lista. Quem te mandou pra cá?
- Ninguém. – respondeu Mariano -. Eu mesmo
achei que, depois de morto só me restaria o Inferno, pois, passei a vida
inteira escutando de todos que: “Comunista não entra no Céu!”. Ouvi nos
catecismos de dona Maria Basílio, nos sermões de frei Damião e nas preleções
que João Mandú fazia antes de encomendar vários defuntos, principalmente,
quando eu estava presente. Por isso, vim prá cá.
- Sendo assim..., peraí – disse o
cão-recepcionista –, vou consultar meu chefe. Adentrou a uma portinhola que
tinha ao fundo da salinha de recepção, deixando-a aberta. Ficou Paulo a
esperar. Nesse ínterim, começou este a ouvir, de longe, vozes gritando seu
nome: Paulo Mariano... Paulo Mariano...
Quando o cão retornou, Paulo perguntou:
- Porque lá dentro estão chamando pelo meu
nome?
Ao
que o diabo bundão respondeu:
- São
todos de Princesa.
Aí, Paulo disse:
- Mas, eu não tô reconhecendo ninguém.
Respondeu o cão:
- Ah, meu filho! Lá na Terra pode-se ter a
cara de pau, porém, aqui, as caras são todas iguais. Até eu sou de Princesa...!
– e continuou –. Olha, teu canto num é aqui não. Aliás, vou te confessar um
segredo que tu não revelarás a ninguém: ontem, por volta das nove e meia da
noite, quando tu já estavas mais pra cá do que pra lá, houve uma reunião de
emergência aqui no Inferno e ficou decidido, por unanimidade, que não te
receberiam aqui por hipótese alguma. O motivo da recusa - levantada por Lampião
e acatada por Lúcifer -, foi: Manda Paulo acanalhar outra freguesia, aqui, NÃO!
Aí, Paulo disse:
- Oxente, e eu vou pra onde?
O cão respondeu:
- Vai subindo aí que tu encontras onde
pousar prá sempre.
E com essa última resposta, foi fechando a
janelinha.
Paulo, mesmo desorientado, seguiu o
conselho daquele diabo e partiu ladeira acima. Após sair do calor infernal que
circundava a “Geena” lotada de princesenses, avistou algumas parcas nuvens e,
dentre elas, identificou um grande portão e pensou é ali. Ao aproximar-se, viu
o nome: PURGATÓRIO. Porém, no meio do portão, estava afixada uma tabuleta com a
inscrição: FECHADO DESDE JANEIRO DE 2001. Aí se lembrou Mariano de que, o papa
João Paulo II, em dezembro do ano 2000, por ocasião das comemorações do
“Jubileu do Milênio” (quando a Igreja arrependeu-se de seus pecados), após
anistiar Galileu, Copérnico e Joana D’Arc, havia também determinado o
fechamento do Purgatório. E agora?
Se não tinha reserva no Inferno e o
Purgatório tava fechado, restava-lhe somente o Céu. Mesmo achando esquisito,
continuou subindo. Nesse momento, já notou que em suas “apás” já cresciam duas
asinhas. Aí pensou: “Eu, Anjo? Não! Isso deve ser prá eu não cair, ou tão
zonando da minha cara?”. Logo avistou grande portal todo iluminado.
Aproximou-se, em seu voo silencioso, e pousou na frente da entrada principal
daquele prédio monumental. Adentrou e foi logo vendo um grande Anjo, todo de
branco a acenar-lhe com a mão chamando-o a aproximar-se mais. “Vôte! Pensou
Paulo. Que diabo é isso homi? Um anjo me chamando pra entrar no Céu?”. Mesmo
desconfiado, continuou sua caminhada. Chegado ao umbral do edifício, viu uma
ampla mesa em que estava sentado, a uma cadeira em sua cabeceira, um velho
barbudo que tinha à sua frente, em cima da referida mesa, um molho de grandes
chaves e uma folha de papel. Convidado a sentar-se, Paulo o fez de forma
comedida e respeitosa (acho que pela primeira vez na vida, digo, na morte). O
velho fez-lhe uma solene saudação e Paulo perguntou:
- Mas..., O que é isso? Aqui não é o Céu?
Ao que o barbudo respondeu:
- Sim meu filho, aqui é o Céu sim e seja
bem-vindo.
Essas palavras deram um nó no juízo de
Paulo, pois, não acreditava no que ouvia: ele no Céu? Mesmo assim, perguntou:
E o que é que eu estou fazendo aqui? Esse
é o lugar reservado para a minha eternidade? Por quê?
Diante de tantas perguntas, o velho apressou-se
em responder recitando, solenemente, o que estava contido na folha de papel:
“Na tua longa vida lá na Terra,
defendestes os oprimidos; pregastes a igualdade de direitos para todos;
quebrastes a porta da prefeitura de Princesa; distribuístes terrenos para os
pobres construírem casas no Jardim Karlota; fostes adversário dos Pereira e dos
Diniz; casastes com Terezinha; não frequentastes igreja alguma e, por fim nunca
cultivastes a hipocrisia e, por isso, nunca conseguistes ser sequer vereador,
escapando assim do fogo eterno. Este é teu lugar, sim meu filho. Aqui, poderás,
como sempre disseste, observar o teu mundinho lá embaixo [Princesa], sentado
numa nuvem, zonando com a cara de todos por toda uma eternidade. Ademais,
Paulo, o que contribuiu muito para a tua estada aqui, foi a recusa de Lúcifer
em te receber lá embaixo, temeroso de que tu, com a tua irreverência,
acanalhasses o Inferno. Portanto, fica aí em Paz. Estás agora no “Reino da
Gulora!”.
Escrito por DOMINGOS
SÁVIO MAXIMIANO ROBERTO (DOMINGUINHOS), em 23 de novembro de 2018.
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