ODE

quinta-feira, 21 de novembro de 2019

PERFIS DE PRINCESENSES ILUSTRES



PAULO MARIANO


PAULO CORDEIRO E SILVA MARIANO nasceu em Princesa aos 04 de março de 1934. Era filho do agricultor, comerciante e político Joaquim Alexandre da Silva, mais conhecido como “Joaquim Mariano” e de dona Lindaura Florentino Cordeiro. Paulo veio ao mundo pelas mãos de uma parteira cigana, no sítio “Cabeça do Porco” e era o segundo filho do prolífico Joaquim Mariano. Casou-se com dona Terezinha Rodrigues, com quem teve os filhos: Serioja; Yuri e Giovani (gêmeos); Naiana; Danuza e Janina. Estudou as primeiras letras em casa, com sua mãe Lindaura, através de uma carta do ABC. Com 08 anos de idade, foi matriculado na Escola “Monte Carmelo”, administrada por freiras da Ordem Carmelita, para cursar o primário, o que  fazia pela manhã. À tarde, recebia um reforço estudando na Escola de “Dona Maria Alice Maia”. Segundo o próprio, foi ali que conheceu a palmatória. Em 1946, aos 12 anos de idade, foi mandado pelo pai para estudar na cidade pernambucana de Pesqueira, no Ginásio “Cristo Rei”, que era administrado por padres, em regime de internato, para fazer o curso secundário. Com tendência para as letras e a escrita, Paulo Mariano tomou gosto pela leitura respaldado pela rica e vasta biblioteca daquela escola. Foi em Pesqueira que o nosso biografado começou a conhecer o mundo. Viu pela primeira vez um trem, conheceu a luz elétrica e vivenciou com prazer o desfrute da sétima arte (o cinema). Nas folgas dos finais de semana, Mariano não perdia a oportunidade de assistir às películas exibidas no cinema daquela cidade pernambucana. Tinha preferência pelas comédias. Porém, o filme que tocou sua vida foi “Robin Hood”, o filantrópico herói britânico que roubava dos ricos para dar aos pobres. A partir daí, nasceu em Paulo o sentimento defensor dos menos favorecidos, o que plantou em sua consciência, pendores socialistas que cultivou por toda sua vida. Por problemas de indisciplina (o que sempre foi a marca de Paulo, não no sentido pejorativo, mas, quanto à sua incapacidade de submeter-se a arbitrariedades), deixou aquela escola e voltou para casa.


O retorno a Princesa

De volta a Princesa, matriculou-se no recém-criado (1949) Ginásio “Nossa Senhora do Bom Conselho”, onde concluiu o curso secundário que havia interrompido em Pesqueira. Naquele tempo, essa escola funcionava no prédio do Grupo Escolar “Gama e Melo”, no turno da noite. Ali, Paulo Mariano teve como colegas de turma alguns princesenses que também se destacaram mais tarde, a exemplo de: Vavá Lima; Juracy Bezerra; Paulo Barros; Lula Ibiapina; Vanildo Carlos; Chico Sobreira; Toinho de Severino Almeida, dentre outros. Terminado o curso ginasial, transferiu-se para a cidade de Arcoverde/PE onde conseguiu um emprego de balconista na farmácia do também princesense, José Frazão de Medeiros Filho. Nessa cidade, tentou ingressar no principal time de futebol do lugar, mas não conseguiu prosperar nesse intento. Apaixonado que era pelo esporte, mesmo assim, o cansaço da labuta diária não lhe permitiu realizar o sonho de profissionalizar-se naquela modalidade esportiva. Em Arcoverde, demorou-se pouco tempo, pois, decidiu que queria dar voos mais altos desintencionado de “marcar passo” num simples emprego de balconista ou de retornar a Princesa para trabalhar na roça ou cuidar do gado de seu pai Joaquim Mariano.

Rio de Janeiro

Em 1955, mesmo à revelia da vontade do pai, Paulo resolveu conhecer o Rio de Janeiro, onde já morava um de seus irmãos mais novos, Rui. Conseguiu com o avô materno o dinheiro da passagem e, com a conivência de sua mãe, Interessada no progresso do filho, dona Lindaura o proveu de algum dinheiro, preparou o “bode” (galinha assada com farinha de mandioca e queijo de coalho) e Paulo partiu, em cima do caminhão “pau de Arara” de Zé Mendes, ruma à Capital Federal. Foram duas semanas de viagem. Chegado ao Rio, conseguiu logo uma pensão onde se arranchou enquanto saía em busca de um emprego. Logo encontrou um. Foi trabalhar numa gráfica onde empacotava as encomendas produzidas. Orientado por um conterrâneo que morava no Rio de Janeiro há algum tempo e que era funcionário público, resolver ir visitar o amigo de seu pai, o doutor Alcides Carneiro. Chegado ao apartamento do grande tribuno princesense, apresentou-se, no que foi bem acolhido por Alcides, que havia sido deputado federal e tinha muita consideração por Joaquim Mariano. De pronto Alcides lhe deu uma carta de apresentação que lhe valeu um bom emprego público no IAPB – Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Bancários. Começou logo a trabalhar, no que auferia um bom salário. Porém, vendo anúncios dos jornais, interessou-se em fazer o curso de paraquedista militar. Para tanto, pediu licença sem vencimentos de seu trabalho por seis meses e matriculou-se na Academia de Paraquedismo de Realengo. Era o ano de 1958. Em 29 de abril desse ano, deu seu primeiro salto de paraquedas e, em seis meses recebeu o diploma de paraquedista. Em dezembro de 1958, reassumiu o emprego no IAPB. Nesse tempo, o então presidente Juscelino Kubitscheck havia iniciado a construção de Brasília. Com o intento de levar para os ermos do Planalto Central alguns funcionários públicos, o governo federal oferecia vantagens para quem se dispusesse a transferir-se para o que seria a nova capital do Brasil. Paulo recebeu a proposta contida das seguintes vantagens: salário dobrado, alimentação e moradia grátis e a possibilidade de adquirir um apartamento em módicas prestações. Porém, acostumado e deslumbrado com a boa vida desfrutada na “Cidade Maravilhosa”, recusou a proposta.

O comunista

Recebido de presente do amigo e conterrâneo, João Maia, Paulo Mariano devorou de uma sentada o livro do escritor baiano, Jorge Amado: “Cavaleiro da Esperança”, que conta a história do líder comunista Luís Carlos Prestes. Já simpático às coisas do socialismo, esse escrito serviu-lhe de combustível para alimentar ainda mais suas convicções políticas. Corroborando esse afã, estava Paulo, no início do ano de 1964, no epicentro da efervescência política: o Rio de Janeiro. Na qualidade de funcionário público, logo se filiou ao sindicato da classe que era controlado pelo Partido Comunista e passou a participar ativamente de reuniões, movimentos de protestos, etc. No dia do famoso Comício da Central do Brasil - realizado no dia 13 de março de 1964, com a presença do presidente João Goulart, em defesa das chamadas “Reformas de Base” (agrária, bancária, fiscal, eleitoral, universitária, administrativa, etc.), que reuniu cerca de 300.000 pessoas -,estava Paulo Mariano presente. O desenrolar dos acontecimentos pós-comício é do conhecimento de todos quando, em menos de vinte dias, veio o Golpe Militar que derrubou o presidente e acabou com a democracia no Brasil. Nesse jogo, nosso biografado estava do lado do povo e, por isso, começou a ser perseguido em seu emprego, quando pela nova ordem, era: “(...) tido como elemento nitidamente de esquerda”. Com o cerco da repressão se fechando, Paulo resolveu pedir uma licença sem vencimentos, por seis meses e retornou a Princesa. Aqui ficou durante esse período, voltando ao Rio de Janeiro quando expirado o prazo do afastamento legal. Na Capital Federal, viu que o clima estava pesadíssimo para os que discordavam do novo regime e resolveu regressar, em definitivo, para sua tranquila terra. Nesse tempo, já era Mariano um comunista de carteirinha.

De volta à terra

Em Princesa Paulo fez escola. Com seus cabelos e barbas grandes imprimiu um novo estilo à juventude princesense. Porém, a influência que ele exerceu não foi somente no visual, mas, principalmente, na orientação política. Depois de Paulo, quase todos os jovens que gostavam de ler e se interessavam por política, passaram, a ser “comunistas”. No bar do “Gera”, Paulo dava, diariamente, aulas sobre socialismo e louvores a Cuba que nos deixavam embevecidos. Falava como se lá estivera. Era arretado ouvir dele as histórias, que contava com simplicidade e com muita força de veracidade. A verdade é que nesse lenga-lenga, Paulo formou um monte de consciências políticas. Em Princesa, passou a trabalhar com o pai, Joaquim Mariano; teve a sorte de conhecer Terezinha – que, como ele dizia, “caiu na besteira” de por ele se apaixonar -, num espetáculo circense, e casou-se, constituindo bela família da qual sempre se orgulhou. Lembro-me de um episódio interessante, quando os gêmeos passaram no vestibular e Paulo decidiu  informar aos “Pereira” e aos “Diniz”: que pobre também podia se formar. Foi à casa de Aloysio Pereira e à de Genésio Lima dar essa notícia. No palacete, não encontrou ninguém, porém, nos “Nominando”, encontrou Genésio e, ao informar a boa nova, recebeu do genro de Nominando a seguinte resposta: “Passar é fácil, quero ver é se formar”. Formaram-se todos e, em Universidades públicas. A genética do “véi” (como nós o chamávamos) era boa demais.


O político

Convidado pelo ex-governador Pedro Gondim, Paulo resistiu, mas aceitou ser candidato a prefeito de Princesa em 1982. Sabia que não tinha condição alguma de lograr êxito nas urnas, mas enfrentou a peleja e tornou-se o primeiro princesense a a ter a coragem de enfrentar as duas oligarquias que mandavam na política da terra há quase cem anos. Foi também candidato a vereador em 1992 e perdeu de novo - ocasião que Princesa deixou ter um parlamentar comprometido com os interesses da terra. Presidente do PT – Partido dos Trabalhadores, organizou a legenda no município e liderou o partido na campanha eleitoral para presidente da República, em 1989, quando cumpriu a “promessa” de cortar os cabelos quando houvesse eleição direta para presidente. Comprometido com suas convicções socialistas, Paulo Mariano foi promotor da maior reforma urbana ocorrida em Princesa: de posse do espólio que lhe foi legado como herança de seu pai, doou vários terrenos aos pobres do hoje Bairro “Jardim Karlota”, para que ali construíssem suas casas. De volta àquele logradouro para pedir votos para sua eleição como vereador, ninguém mais lembrava de suas doações e Paulo, como era de seu estilo, nem ligou. Apoiou a candidatura do bancário Marconi Campelo, a prefeito em 1988 e a de doutor Zoma em 1992. Em 1994 trabalhou com afinco em prol da candidatura de Zoma para deputado estadual e, em 1996, apoiou de novo doutor Zoma para prefeito. De todas as campanhas que Paulo participou, nenhuma foi vitoriosa. É claro que não por conta dele, mas sim pelo fato de o nosso comunista sempre ter havido adotado opção pelos mais necessitados que sempre votaram contra si próprios. Desgostoso com os insucessos eleitorais e, carecido de estar junto dos filhos que estudavam em João Pessoa, Paulo resolveu mudar-se para a capital do Estado e foi  morar em João Pessoa, com Terezinha, a partir de 1997. Havia sido admitido como funcionário da CAGEPA – Companhia de Água e Esgotos da Paraíba, em 1979 e para João Pessoa transferiu também seu emprego do qual se aposentou em 2011.


O intelectual

Na verdade, pelo muito que Paulo representou e foi, nada o destaca mais do que quanto à sua produção intelectual. Na qualidade de pesquisador, foi ele o primeiro princesense a “cascavinhar” sobre a história da terra e produzir o primeiro livro a contar as coisas de Princesa. O livro: “Princesa – Antes e depois de 30” é indispensável nas salas de aulas do município. É a única fonte de informação sobre a história da terra dos “Pereira” e dos “Diniz” (ainda bem que Paulo já foi), essencial para o conhecimento de tudo o que se refere a Princesa. Além desse escrito, Paulo produziu também: “Achados de Perdição”; “Água de Chocalho” e o que será brevemente lançado in memoriam “Meu Tempo, meu lugar – Quase memórias”. Além de livros, Paulo Mariano escreveu muito para jornais e revistas. Reputo que, talvez seja ele, o princesense que mais escreveu sobre a terra que tanto amou. Paulo era um princesense de sete costados. É claro que muito mais eu teria a escrever sobre  esse ilustre princesense, mas isso é apenas um Perfil Biográfico. Alguém mais competente haverá de escrever, mais tarde, sua biografia. Deixo aqui apenas a minha contribuição, nesta data em que lembramos o primeiro ano de seu falecimento. Paulo Mariano, que hoje é nome de uma Praça em Princesa, nos deixou no dia 20 de novembro de 2018, aos 84 anos de idade, porém, não deixou somente saudade, mas também um legado político, intelectual, social e moral, do qual jamais os princesenses esquecerão, uma vez que, Paulo Cordeiro e Silva Mariano está, definitivamente inscrito na tabuleta dos filhos ilustres de Princesa. Viva Paulo Mariano!
·         Anexo, incluímos o “Necrológio de Paulo Mariano”, escrito pelo grande Aldo Lopes e a “Chegada de Paulo Mariano ao Reino da Gulora”, feito por mim.


(Escrito por Domingos Sávio Maximiano Roberto, em 20 de novembro de 2019).

                                                               Necrológio de Paulo Mariano
             

     A minha biblioteca quero que doem à escola. Meus contos mandem prá Aldo. E minhas roupas dêem a Zé Grosso. O resto da cacaria, contando com as duas casas, que eu não pude torrar, fica tudo prá família, conforme os termos da lei. Mas por favor, me deixem inteiro, do jeitinho que nasci. Digo isso porque sei que nada em mim dá prá ninguém, porque nunca fui sadio. Meu pulmão é um fole preto, a desgraça do cigarro, tem catarro, infiltração, teia-de-aranha e pucumã. O fígado, esse infeliz, de tanto carrego entupiu, é um charco de cachaça. Meu coração tá sem graça, não há doutor no mundo que devolva-lhe o compasso, que lhe restaure o bolero. E a pedreira dos rins é de atrair cavouqueiro, podem instalar britadeira que se calça uma rua inteira. No resto não mais se fala, é isso que você vê, é só esperar morrer, para ser logo enterrado.
     Chegando no cemitério, liberem logo a palavra, soltem as grades do peito, deixem quem quiser falar, os pariceiros, os camaradas, os poucos gatos pingados que irão me acompanhar. Mas me façam uma seleção. Aluízio, não; e Gonzaga, nem pensar; Valdemar, Assis Maria, muito menos Rialtoan. É que não estou disposto a esse tipo de elogio. Peçam a Dominguinhos o discurso de encerramento. E pode descer a lenha, que jumento não ressuscita. É o único que admito. E após isso cumprido, me sacudam muita terra. Mas antes abram o caixão e reparem na minha mão, vejam que dedo safado, aquele dito do meio, vizinho do de apontar, puxando lá pro mindinho, reparem bem direitinho, que vai estar estirado.
     Quero o meu velório em minha casa. Não façam discursos. Guardem o verbo para o cemitério. À beira da cova é mais comovedor. Façam uma festa. Detesto tristeza. Não abro mão do Bloco dos Arapapacas e do sax de Marrocos. Cantem o hino do meu time, o meu samba predileto. E se Terezinha desatar na choradeira, peçam ao doutor Zoma que lhe aplique uma dormideira. Não me venham com Zé Batista, por favor. Quero muita brincadeira. Podem falar dos meus podres, que eu nem ligo, das mulheres que amei, das bagunças que abri, que eu era feio, que eu vou gostar, eu sei. Me sentarei numa nuvem, que um anjo vai me emprestar, prá ver tudo lá de cima.
     Vou morrer em frente à casa de Coimbra, na cabeça da ladeira que carrega a avenida até a porta lá de casa. A última lapada, no Bar do Gera. É só me dar um empurrão, na esquina de Afonso, que pego logo a embalagem. Meu cadáver vai passar ao lado da Prefeitura. Dessa vez não irei esculhambar. Vou em silêncio, no respeito, desfrutando a lei da gravidade – a única lei a me trazer benefício. As outras, as da comarca, as do juiz, só fizeram me encrencar. Terezinha vai desmaiar ao me tocar e sentir que já estou duro. Vidinha sem futuro. Não sei por que a gente morre.
     Quando, enfim, me levarem ao cemitério, quero que cortem caminho pela rua da cadeia, em demanda do Cancão. Nada de subir pela rua grande, que é prá não passar nem por perto da igreja. Não deixem João Mandú se aproximar do meu caixão, ele pode me aprontar uma desfeita, desviar o meu cadáver para dentro da Matriz. Missa de sétimo dia, nem pensar! Não noticiem no rádio a minha morte, Zé Duarte não está autorizado. “Família enlutada” para mim é baboseira, é ranço de falsidade, quando estará mesmo é de fato aliviada.
     A minha cova quero que cavem bem distante do túmulo do meu pai, do jazigo dos Pereira, das irmãs de caridade. Escavaquem lá detrás, que é onde se enterram os bêbados pés-de-chinelo, os dementes, os loucos da cidade, a vala comum dos sem sorte. Não precisa cruz nem nome ou qualquer indicação. Morte é morte.”. 



A CHEGADA DE PAULO MARIANO AO “REINO DA GULORA”
    

 Na manhã da última terça-feira, após uma espera de cerca de sete horas, viu Paulo abrir-se a janelinha da recepção do inferno. Aproximou-se e viu que lá estava sentado a uma cadeira, um cão ainda novo, cabisbaixo examinando alguns papeis.
     - Bom dia – disse Paulo.
     - Bom dia – respondeu o cão ainda de cabeça baixa -, pode dizer...
     Respondendo ao cumprimento de Paulo, o cão levantou-se e, sem olhar para ele, abriu uma gaveta e começou a manusear algumas fichas. Paulo observou que o cão, de estatura baixa, bunda grande, daqueles torados no grosso (já com quase dez anos de Inferno), demonstrava alguma intimidade com o ofício.
     - Sou Paulo Mariano, de Princesa e vim me apresentar...
    Ao ouvir de onde procedia a alma penada, o cão virou-se e disse:
     - Ôxe, Paulo, que diabo tu tá fazendo aqui?
     Ao que Paulo respondeu admirado pela ignorância do pequeno Satã:
     - Oxente, morri ontem e vim me apresentar. E tu me conheces?
     O cão riu e disse:
     - Menino, aqui a gente conhece todo mundo. Ainda consultando papeis, diabo menor disse: Olha, teu lugar num é aqui não! Tu num tá em nenhuma lista. Quem te mandou pra cá?
     - Ninguém. – respondeu Mariano -. Eu mesmo achei que, depois de morto só me restaria o Inferno, pois, passei a vida inteira escutando de todos que: “Comunista não entra no Céu!”. Ouvi nos catecismos de dona Maria Basílio, nos sermões de frei Damião e nas preleções que João Mandú fazia antes de encomendar vários defuntos, principalmente, quando eu estava presente. Por isso, vim prá cá.
     - Sendo assim..., peraí – disse o cão-recepcionista –, vou consultar meu chefe. Adentrou a uma portinhola que tinha ao fundo da salinha de recepção, deixando-a aberta. Ficou Paulo a esperar. Nesse ínterim, começou este a ouvir, de longe, vozes gritando seu nome: Paulo Mariano... Paulo Mariano...
     Quando o cão retornou, Paulo perguntou:
     - Porque lá dentro estão chamando pelo meu nome?
     Ao que o diabo bundão respondeu:
     - São todos de Princesa.
     Aí, Paulo disse:
    - Mas, eu não tô reconhecendo ninguém.
    Respondeu o cão:
    - Ah, meu filho! Lá na Terra pode-se ter a cara de pau, porém, aqui, as caras são todas iguais. Até eu sou de Princesa...! – e continuou –. Olha, teu canto num é aqui não. Aliás, vou te confessar um segredo que tu não revelarás a ninguém: ontem, por volta das nove e meia da noite, quando tu já estavas mais pra cá do que pra lá, houve uma reunião de emergência aqui no Inferno e ficou decidido, por unanimidade, que não te receberiam aqui por hipótese alguma. O motivo da recusa - levantada por Lampião e acatada por Lúcifer -, foi: Manda Paulo acanalhar outra freguesia, aqui, NÃO!
     Aí, Paulo disse:
     - Oxente, e eu vou pra onde?
     O cão respondeu:
     - Vai subindo aí que tu encontras onde pousar prá sempre.
     E com essa última resposta, foi fechando a janelinha.
     Paulo, mesmo desorientado, seguiu o conselho daquele diabo e partiu ladeira acima. Após sair do calor infernal que circundava a “Geena” lotada de princesenses, avistou algumas parcas nuvens e, dentre elas, identificou um grande portão e pensou é ali. Ao aproximar-se, viu o nome: PURGATÓRIO. Porém, no meio do portão, estava afixada uma tabuleta com a inscrição: FECHADO DESDE JANEIRO DE 2001. Aí se lembrou Mariano de que, o papa João Paulo II, em dezembro do ano 2000, por ocasião das comemorações do “Jubileu do Milênio” (quando a Igreja arrependeu-se de seus pecados), após anistiar Galileu, Copérnico e Joana D’Arc, havia também determinado o fechamento do Purgatório. E agora?
     Se não tinha reserva no Inferno e o Purgatório tava fechado, restava-lhe somente o Céu. Mesmo achando esquisito, continuou subindo. Nesse momento, já notou que em suas “apás” já cresciam duas asinhas. Aí pensou: “Eu, Anjo? Não! Isso deve ser prá eu não cair, ou tão zonando da minha cara?”. Logo avistou grande portal todo iluminado. Aproximou-se, em seu voo silencioso, e pousou na frente da entrada principal daquele prédio monumental. Adentrou e foi logo vendo um grande Anjo, todo de branco a acenar-lhe com a mão chamando-o a aproximar-se mais. “Vôte! Pensou Paulo. Que diabo é isso homi? Um anjo me chamando pra entrar no Céu?”. Mesmo desconfiado, continuou sua caminhada. Chegado ao umbral do edifício, viu uma ampla mesa em que estava sentado, a uma cadeira em sua cabeceira, um velho barbudo que tinha à sua frente, em cima da referida mesa, um molho de grandes chaves e uma folha de papel. Convidado a sentar-se, Paulo o fez de forma comedida e respeitosa (acho que pela primeira vez na vida, digo, na morte). O velho fez-lhe uma solene saudação e Paulo perguntou:
     - Mas..., O que é isso? Aqui não é o Céu?
     Ao que o barbudo respondeu:
     - Sim meu filho, aqui é o Céu sim e seja bem-vindo.
     Essas palavras deram um nó no juízo de Paulo, pois, não acreditava no que ouvia: ele no Céu? Mesmo assim, perguntou:
     E o que é que eu estou fazendo aqui? Esse é o lugar reservado para a minha eternidade? Por quê?
     Diante de tantas perguntas, o velho apressou-se em responder recitando, solenemente, o que estava contido na folha de papel:
     “Na tua longa vida lá na Terra, defendestes os oprimidos; pregastes a igualdade de direitos para todos; quebrastes a porta da prefeitura de Princesa; distribuístes terrenos para os pobres construírem casas no Jardim Karlota; fostes adversário dos Pereira e dos Diniz; casastes com Terezinha; não frequentastes igreja alguma e, por fim nunca cultivastes a hipocrisia e, por isso, nunca conseguistes ser sequer vereador, escapando assim do fogo eterno. Este é teu lugar, sim meu filho. Aqui, poderás, como sempre disseste, observar o teu mundinho lá embaixo [Princesa], sentado numa nuvem, zonando com a cara de todos por toda uma eternidade. Ademais, Paulo, o que contribuiu muito para a tua estada aqui, foi a recusa de Lúcifer em te receber lá embaixo, temeroso de que tu, com a tua irreverência, acanalhasses o Inferno. Portanto, fica aí em Paz. Estás agora no “Reino da Gulora!”.


Escrito por DOMINGOS SÁVIO MAXIMIANO ROBERTO (DOMINGUINHOS), em 23 de novembro de 2018.
    

 



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