Na luta de Princesa, nenhum dos dois lados esperava que ela se prolongasse por muito tempo. O coronel José Pereira Lima, amparado na certeza de que havia interesse do Governo Central em destituir do cargo o presidente João Pessoa, acreditava que a deflagração do movimento sedicioso daria o mote para tanto: a intervenção no Estado. O presidente da Paraíba, cioso de que lutava dentro da legalidade quando seu interesse era restabelecer a ordem no Estado, não acreditava nem na intervenção, tampouco contava que o presidente Washington Luís fizesse vistas grossas aos apoios dispensados ao coronel de Princesa pelos vários agentes ligados ao Poder Público, a exemplodos governadores de Pernambuco, Estácio Coimbra; do Rio Grande do Norte, Juvenal Lamartine e o presidente eleito e governador de São Paulo, Júlio Prestes. Ninguém imaginaria que a guerra se estendesse por longos cinco meses. Despreparados, portanto - ambos os lados -, para um conflito que começou a se afigurar longo, cuidaram logo de tomar as providências para o suprimento de armas e munições necessárias para a luta. O político e historiador paraibano, Oswaldo Trigueiro de Albuquerque Mello, em seu livro “A PARAÍBA NA PRIMEIRA REPÚBLICA”, discorre sobre a situação de completo improviso em que se iniciou aquele conflito:
“(...) No caso de Princesa, o cálculo saiu errado, porque ninguém esperava a intransigente atitude do presidente Washington Luís que – entendendo não caber a intervenção [no Estado da Paraíba], sem solicitação dos poderes estaduais – colocou o governo federal na posição de espectador, se bem que espectador hostil à situação estadual. O movimento de Princesa foi improvisado para durar dias ou semanas. Não terá sido pequena a decepção de José Pereira e de seus amigos de Recife, quando tiveram de enfrentar uma guerra de meses, da qual poderiam sair completamente arruinados, mesmo em caso de vitória, que o desenrolar dos acontecimentos tornou impossível”.
Quanto à situação da Paraíba, mais grave pelo fato do isolamento a que foi submetida aquela Unidade da Federação, pontua o mesmo historiador:
“(...) Queixava-se o governo estadual, com razão, de não poder amar-se para combater a rebeldia, porque as autoridades federais não lhe davam licença para importar armas e munições, nem para adquiri-las no mercado nacional. Sem dúvida, esse fato criava dificuldades notórias.”.
Desigualdade de condições
Nesse diapasão, o coronel José Pereira partia na vantagem. Já no início do governo de Arthur Bernardes, o líder princesense recebera grande quantidade de armas e munições para combater, tanto o cangaço que assolava o Nordeste, como os revoltosos da Coluna Prestes, que se opunham ao Governo Central e pregavam a revolução. É certo que João Pessoa, logo que assumiu o governo da Paraíba, em outubro de 1928, promoveu severo desarmamento nos redutos dos coronéis. Arguto que era, ochefe de Princesa fez desaparecer seu arsenal de armas e munições (grande parte dessas armas foi encontrada mais tarde - já nos anos 80 -, embutidas nas paredes de algumas das residências de correligionários de José Pereira, em Princesa), antes da investida governamental que lá nada encontrou. Além do mais, o coronel como que já prevendo o que viria a acontecer, muniu-se de grande quantidade de material bélico mesmo antes de deflagrado o conflito entre seu município e o governo do Estado. Colhido do livro: “Revolta e Revolução – 50 Anos Depois”, do escritor paraibano José Joffily, temos:
“Uma ordem firmada pelo Inspetor Geral da Polícia de Pernambuco, Ramos de Freitas, em 17/2/30, autorizando José Gaudêncio a adquirir 1000 balas”.
Gaudêncio era senador e aliado do coronel Zé Pereira. Observe que isso aconteceu duas semanas antes de a polícia paraibana atacar Teixeira (início da “Guerra de Princesa”), o que prova haver sido, aquela contenda, algo já previamente esperado. Ademais, fica patente, de conformidade com a ordem acima, que a aquisição dessa munição tinha a conivência do governo do estado de Pernambuco. Começada a guerra, José Pereira não teve dificuldades em reabastecer suas tropas de armas e munições – que, no início somavam quase 1000 homens. Quando não as conseguia junto ao Comando da Polícia pernambucana, recebia remessas articuladas por Júlio Prestes, então governador de São Paulo e presidente-eleito, sem falar no que conseguiu através de seus agentes no Rio de Janeiro, então Capital Federal, junto a políticos importantes e simpatizantes da causa princesense. Tudo isso sob as “vistas grossas” do presidente Washington Luís. Enquanto isso, o presidente da Paraíba, com um efetivo de 870 militares, penava para suprir suas necessidades bélicas. Em que pese haver aberto um crédito de 500 contos para a manutenção do Batalhão Provisório, criado em 06/03/30, João Pessoa não conseguia comprararmas nem munições no mercado nacional. Em face disso, contratou a compra de 100.000 cartuchos, importados da França para equipar sua polícia. Para tanto, expediu telegrama ao Ministro da Guerra, Nestor Passos, solicitando autorização para a aquisição e entrada do material em território nacional:
“Paraíba – 8/4/1930 – Exmo. Sr. Ministro da Guerra – Rio – Precisando importar da França cem mil cartuchos para fuzil Mauser a fim de municiar a polícia do Estado, empenhada neste momento em combater os cangaceiros que estão perturbando a ordem no município de Princesa e depois se fracionarão por todo o Nordeste, rogo a V. Excia. as necessárias ordens no sentido dessa munição ser desembaraçada na Alfândega desta capital. Saudações (a) João Pessoa”,
Em resposta a esse telegrama, o Ministro da Guerra indaga se a Força Policial paraibana é considerada força auxiliar do Exército. Respondendo ao Ministro, João Pessoa, irritado e comparando José Pereira com Lampião, expede nova mensagem telegráfica ao titular da pasta da Guerra:
“A Bahia e Sergipe, há mais de um ano, como Paraíba, Pernambuco, Ceará e Alagoas, durante muitos anos, lutam contra Lampião e seu bando, dominadores de uma grande região daqueles Estados e até agora ninguém teve a lembrança de criar-lhes algum embaraço à legítima aquisição de material bélico para combater esses bandoleiros. Força auxiliar do Exército ou não, a nossa polícia é a única aqui existente, de organização e feição militar, incumbida de manter a ordem no Estado, na forma das Constituições estadual e federal”.
Respondendo a esse segundo telegrama, o Ministro negoua solicitação do presidente paraibano, alegando que, para ter direito a importar armas e munições, a Paraíba teria de ter no comando de sua Força Policial um oficial do Exército. Insistente, João Pessoa ofereceu os nomes de dois dos seus irmãos: Aristarco e José Pessoa, que eram oficiais do Exército, para serem cedidos por aquela Força para o comando da Polícia Militar paraibana. Novamente, o senhor Nestor Passos colocou-se contrário, tanto às nomeações dos irmãos de João Pessoa para o comando da Força Pública da Paraíba quanto à autorização para a importação de munições. Em mensagem telegráfica, o Ministro respondeu alegando que, em Princesa:
“(...) se abrigam mulheres, crianças e outras pessoas inermes e alheias às contendas partidárias e que, sem mandado judicial, de acordo com a conduta até aqui mantida, o Governo Federal entende do seu dever não alterar neste momento para a Paraíba a orientação estabelecida e em vigor em todos os portos da República”.
Vê-se com isso que havia uma determinação do governo de Washington Luís de não auxiliar o governo da Paraíba naquele desiderato. Diante disso, João Pessoa recorreu aos parceiros de Aliança Liberal, Getúlio Vargas, no Rio Grande do Sul e Antônio Carlos, em Minas Gerais. Estes,sensibilizados pelas agruras por que passava o companheiro paraibano, providenciaram alguns carregamentos de munições que, em sua maioria, quando enviados à Paraíba, foram apreendidos pelas alfândegas dos estados aliados do Catete. Somente uma remessa chegou ao porto de Cabedelo, vinda de Porto Alegre,porque acondicionada em barris de banha. Até o final da Guerra de Princesa, enquanto o coronel José Pereira lutava com armas modernas e munição novinha em folha, os comandantes da polícia de João Pessoa orientavam suas tropas a recolherem os cartuchos deflagrados para serem encaminhados à capital do Estado para recarregamento e, em pleno conflito, o presidente Pessoa criou a “Semana da Bala” em que os moradores da capital doavam munições, joias ou dinheiro para o esforço de guerra. Foi nessa situação de penúria que lutou João Pessoa contra os chamados “Libertadores de Princesa”.
(ESCRITO POR DOMINGOS SÁVIO MAXIMIANO ROBERTO, EM 09 DE ABRIL DE 2020).
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